quinta-feira, 14 de maio de 2015

O QUE DIZEM OS LEITORES - Quem rouba liberdade do outro torna-se prisioneiro (Concl.)


Sexta, 15 Maio 2015

Badenhorst foi o comandante da prisão mais duro e mais bárbaro que tivemos em Robben Island.
Mas, nesse dia, senti que me revelava uma outra virtude da sua natureza, um lado que conservava oculto, mas que nem por isso deixava de existir. Foi bom, para me lembrar que todos os homens, mesmo aqueles que parecem ser mais frios, no fundo são pessoas decentes, e se lhes conseguir o coração, são capazes de mudar. Em última análise, Badenhorst não era nenhum demónio e a falta de humanidade que demonstrava tinha-lhe sido incutida pelo sistema desumano. Agia como animal porque esse comportamento era recompensado”.
Afinal, o carrasco está, lá no fundo das suas entranhas, provido de certa humanidade que reclama a sua expressão. É esta a natureza humana que acaba torturando o carrasco e o torna prisioneiro, pois ninguém, seja qual for a sua condição, está perdido e eternamente condenado a ser brutal e desumano. Muitos dos santos e homens e mulheres ilustres reconhecidos por tal altruísmo foram, ao longo das suas vidas, uns carrascos e grandes pecadores, mas quando o humanismo e a santidade irromperam neles, foi de tal ímpeto e amplitude que transbordou em forma de mártires e heróis do seu povo.
Mandela tem a singularidade de reconhecer este aspecto da condição humana e isso faz com que, mesmo na condição de vítima, se tenha o sentimento humano de piedade e, consequentemente, de perdão e tolerância, o que fez com que tivesse a energia suficiente para perdoar e interromper o círculo vicioso de a vítima se tornar carrasco e o poder ser sempre assumido como justificativa para condicionar a liberdade dos outros.
Portanto, é assumindo esta realidade da natureza humana que se pode compreender a condição de quem quer que seja que prive o outro da sua liberdade sob qualquer forma que se pode perdoar. É por esta compressão assumida que Mandela conseguiu lutar pela liberdade e depois garanti-la para os seus próprios carrascos, através do perdão.
Perdoar é, portanto, uma condição e forma necessárias de viver livre, pois não torna o libertado em carrasco por privar seja quem for da liberdade.
No caso concreto da privação da liberdade de imprensa, esta é sempre um acto deliberado de alguém que tem esse poder e se torna, ele mesmo, prisioneiro porque:
– Priva-se, ele mesmo, de uma informação diversificada e, para saciar esta natural necessidade, secretamente, consome as informações veiculadas e abordadas por fontes que ele mesmo reprime. Com esta atitude, experimenta momentos de auto-flagelação ou aprisionamento;
– Priva e reprime também os seus próprios colaboradores e estes, para também satisfazerem a necessidade de se informar e se expressar, canalizam as suas energias por vias fora do controlo do seu chefe e contra ele mesmo. Os mais ousados acabam por se servirem dos órgãos independentes, se existirem, para expressar as suas opiniões por não terem espaço de o fazer junto e sobre ele, o chefe. Esta atitude enfurece o chefe por se sentir traído;
– Priva-se de opiniões construtivas que podem contribuir para o fortalecimento da sua organização e dele mesmo, pois os seus colaboradores emitem somente aquelas que sabem agradar o chefe;
– Priva-se de colaboradores honestos, competentes e corajosos para criticar o chefe, ficando este rodeado por aqueles que estão dispostos a satisfazer as suas vontades e deles próprios;
– Priva-se de conhecer a realidade que devia ser veiculada pelos meios diversificados de comunicação e pelos seus colaboradores, o que contribuiria para o seu bem pessoal e da sua organização;
– Priva a população de se instruir e se formar através deste meio de intercâmbio informativo, o que, inevitavelmente, tem um efeito violento promovido pelas populações por não possuírem algum espaço para a expressão das suas ideias e reivindicações e por constatarem que estão sendo ignorados e instrumentalizados;
– Priva-se de amigos verdadeiros e fiéis e dignos de confiança porque, no momento da crise, abandonam-no e vão servir outro chefe, pois eles são falsos e oportunistas;
– Sujeita-se, como se afirmou, a ser privado, por qualquer forma e meio, cedo ou tarde, da sua liberdade quando o poder que detém, necessária e inevitavelmente, se deteriorar;
– Condena-se, depois de lhe ser retirado o poder, a viver isolado e amargurado.
São estas e outras as privações de quem priva os outros da liberdade, neste caso, de imprensa.
É caso para concluir, como Mandela, que a privação da liberdade do outro é uma inevitável auto-condenação.
Alberto Lote Tcheco

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