domingo, 10 de maio de 2015

DIZER POR DIZER - Patrão é patrão!


Sábado, 09 Maio 2015

EM Montepuez, aqui em Cabo Delgado, há uma pousada denominada GEPTEX, que está sob gestão de trabalhadores desde aproximadamente os tempos que a conheci. Foi em Outubro de 1994 que pela primeira vez entrei naquela estalagem, na companhia de Juca Vicente, Vicente Amone e Emmanuel Langa (na altura em que as equipas da televisão eram constituídas por três profissionais, um dos quais servia para carregar o então pesado gravador).
Íamos cobrir a campanha eleitoral do saudoso Dr. Domingos Arouca, presidente da FUMO, quando a mola da ONU (trust fund) andava à balda e que os moçambicanos logo apelidaram de “triste fundo”, que foi distribuído pelos partidos e candidatos à Presidente da República, em número de 13, salvo erro. A intenção era “impor” a democracia e criar um ambiente que trouxesse alguma confiança política e por extensão, a paz e concórdia. Era muito antes de nos apercebermos que a tal democracia, na verdade, custava muito dinheiro.
GEPTEX (Gabinete de Estudos e Projectos Têxteis) era na verdade um dormitório moderno destinado a trabalhadores que estiveram à frente do projecto têxtil que Montepuez viria acolher, na sua qualidade de centro da região potencial produtor do ouro branco, incluindo Balama e Namuno, no quadro do sonho dos 400 mil hectares que, de acordo com as projecções da altura, estendendo-se desde Niassa a Cabo Delgado, produziria o suficiente para tornar o país auto-suficiente e não só.
Foi por causa desse sonho que nasceram as barragens hidroagrícolas de Chipembe e Nguri e as grandes plantações do lado do Niassa, que deram no que foi conhecido por machambas estatais, desde Matama, Lucheringo, M’swaize, entre outros campos da agricultura mecanizada. O Plano Prospectivo Indicativo (PPI) dizia que depois de tudo feito conforme estava agendado, em 10 anos não estaríamos tão pobres, quanto viemos a continuar a ser, porque, estava decidido, estávamos na década de luta contra o subdesenvolvimento.
Então, Montepuez era o epicentro da quase a totalidade das operações dessa luta, daí que havia que criar as condições para o acolhimento dos trabalhadores, nesse caso têxteis, que seriam alimentados por outros pequenos projectos de agricultura e de galináceos, criação de suínos, entre outros. Contava-se, como hoje, com a forte presença da cooperação de outros países.
Tudo isso esfumou-se com a guerra que trouxe a democracia. Parou tudo e ficámos pior do que estávamos, como todos sabemos, mas a GEPTEX manteve-se aberta, nuns anos cheia de mosquitos, percevejos e baratas, noutros anos mais ou menos acolhedora, por causa de reabilitações de pequena monta.
Não se pode dizer que tenha chegado a ser rentável, bem como não se deve negar que ela manteve-se graças à persistência dos trabalhadores, unidos pela sua organização (OTM), conscientes de que, apesar de tudo, dali tiravam algum para a sua sobrevivência. Passou a funcionar como se de cooperativa se tratasse, onde se ganhava conforme os precários resultados da renda, mas todos compreendiam.
Nesta semana do trabalhador que hoje acaba, aqueles que ainda fazem funcionar a GEPTEX aparecem a reclamar, porque a sua fonte (precária, diga-se) de rendimento foi vendida sem o seu conhecimento (vide, página 4 desta edição) e nos últimos dias debatem-se com a presença de pessoas estranhas que dizem ser os novos patrões.
Dizem (está escrito) que o Estado desde 2014 que parece desenvolver uma negociação à sua revelia, e ultimamente através do director provincial da Indústria e Comércio tem aparecido com tais pessoas. Denunciam que já foi pago o valor correspondente a 20% e até se apresentaram os novos patrões, gerentes, chefes dos recursos humanos, contabilistas, que avançaram as datas visando o início da reabilitação.
Em 27 de Fevereiro, segundo dizem, o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, apresentou-se de forma considerada categórica, informando ao colectivo que o acompanhava de que havia comprado o complexo, aumentando os rumores de que seria sócio do grupo de empresas ligadas a “Aparthotel”, que na verdade é que está a comprar, segundo se pode concluir da leitura da peça jornalística acima aludida.
Anteontem falei com Juma Razak, proprietário do “Aparthotel”. Queria saber se era sócio de Afonso Dhlakama no negócio da Geptex. Disse-me que era impensável, pois quem é do Benfica não pode, ao mesmo tempo, ser do Porto ou de Sporting. Mas que o negócio estava fechado, estava, e o destino dos trabalhadores estava nas mãos da legislação moçambicana.
Estão assanhados os trabalhadores, sobretudo pela sua exclusão nestes passos decisivos, onde são tratados como simples trabalhadores e não aqueles que ao longo dos anos se tornaram em fiéis depositários daquele empreendimento, num momentos em que o Estado se encontrava ausente, tendo adoptado mecanismos próprios de gestão do complexo.
Pedem pura e simplesmente alguma consideração, porque reconhecendo que se trata de um bem do Estado, nada podem fazer e não lhes interessa que o seu patrão seja aquele que adiou o funcionamento do projecto. Patrão é patrão!
E eu digo mais: talvez por aí também nos reconciliamos, resolvemos os problemas de instabilidade permanente a que vivemos, já que tudo parece indicar que a inclusão que se deseja, na verdade, é mais económica do que política. Pela paz, não há nada a perder. Talvez citando um DJ da praça que virou músico, patrão é patrão!
PEDRO NACUO

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