sexta-feira, 8 de maio de 2015

Dhlakama fala do futuro do país: “Vamos governar ainda este ano”

Não teve sucesso e caiu por terra aquela que era considerada a última cartada civil e civilizada de Afonso Dhlakama para se ultrapassar a crise pós-eleitoral criada pela fraude eleitoral que transformou Nyusi e a Frelimo em vencedores das elei- ções de Outubro de 2014, com a agravante de nunca ter havido editais que o comprovassem. Provavelmente, quando Guebuza disse que foi uma vitória “arrancada”, ninguém tratou de lhe atribuir a devida hermenêutica. Afonso Dhlakama é agora um homem que faz contas de como levar a Frelimo a uma situação igual à de 2013, quando aprovou, ao som de tiros, a Lei Eleitoral. Em entrevista ao de Moçambique Moçambique , Dhlakama mostrou-se portador de uma estranha esperança de que a Frelimo vai recuar, se bem que a opinião pública esteja a exigir de volta o depósito de fé que havia feito no homem. Há uma certeza que Dhlakama prefere partilhar: se a solução for violência, será mais dura do que a de Sadjundjira. E assegura que a Renamo vai governar ainda este ano. Eis, a seguir, o que perguntámos, e o que Dhlakama respondeu. de Moçambique Moçambique (Canal) – A bancada parlamentar da Frelimo reprovou o projecto-de-lei de criação das autarquias provinciais. Depois do encontro que teve com Nyusi, onde acordaram o envio do projecto, e sendo Nyusi agora também presidente da Frelimo, não acha que foi traído? Afonso Dhlakama (Dhlakama) – Houve, de facto, um encontro de nós os dois. Coloquei-lhe a questão de que tínhamos de governar as províncias onde ganhámos, depois daquela fraude que houve. Ele disse “está bem”. A Renamo devia fazer um anteprojecto e submeter à Assembleia da República. E nós mandá- mos o anteprojecto. Organizei a equipa tecnicamente e eu também trabalhei no projecto, seguro de que, embora não tenha havido um acordo por escrito, estávamos a tratar um assunto do interesse nacional. Canal – Mas foi reprovado. Dhlakama – A bancada maioritária no parlamento chumbou o projecto porque faltou boa vontade. Se ele lavar as mãos agora, e disser que há separação de poderes e que ele não controla a bancada maioritária, aí vamos ver. Mas também quero recordar aos moçambicanos que nunca a Renamo submeteu um projecto que tenha sido aprovado pela Frelimo. Canal – Houve a Lei Eleitoral, senhor presidente. Dhlakama – A Lei Eleitoral foi aprovada depois de muita violência e toda aquela situação de Sadjundjira. Isso para dizer que a Frelimo, de forma livre e de boa-fé, sem empurrões e violência, nunca aprovou um projecto da Renamo. Talvez seja por isso. Canal – Mas, senhor presidente, perguntei-lhe se não se sente traído e politicamente derrotado depois dessa situação? Dhlakama – Eu não me sinto traído como as pessoas pensam. Nem me sinto enganado. Quem se enganou a si mesma é a Frelimo, porque todo o peso está com eles, porque ninguém esperava. Chumbou um projecto não da Renamo nem do Dhlakama, mas de mais da metade da população de Mo- çambique. Porque Nampula, Niassa, Zambézia, Sofala, Manica e Tete estão naquele projecto. Mais da metade da população de Moçambique. A bancada da Frelimo chumbou mais da metade da população de Moçambique. A isso chama-se brincar com o povo. Canal – Mas, então, e agora? Dhlakama – Não há nenhuma coisa perdida. Claro que o povo está muito revoltado e aborrecido desde aquele dia. A partir daquele dia, começaram a ligar para mim, a perguntar se podiam começar a partir as coisas, fechar as estradas e correr com os governadores e administradores. Eu disse que não. Não façam isso, acreditem em mim, sou o vosso trabalhador, sou o vosso lutador. Sou o vosso porta-voz. A única coisa que garanti ao povo é que a Renamo vai governar ainda este ano as seis províncias. Canal – Mas como, senhor presidente? Dhlakama – Eu acredito ainda que a Frelimo ainda vai voltar atrás. A maior parte da população não apoia o projecto de governação de Nyusi nem o programa da Frelimo. Vai haver instabilidade e todos os investidores vão abandonar o país. Se Nyusi tiver bons conselheiros, então é bom que ele saiba que é o momento de reflectir com o partido em que ele já é presidente. Ele não ganhou eleições. É preciso uma negociação com a Renamo. É preciso um acordo entre as duas partes, e esse acordo entrar na Assembleia da República, para esse acordo ser ratificado, à semelhan- ça da Lei Eleitoral. Porque se a Frelimo pensa que enganou a Renamo e que isto vai ficar assim, estão todos enganados, porque podem acontecer questões mais complicadas. Eu quero continuar com o trabalho de democracia. Mas tudo vai depender da Frelimo. Se a Frelimo quiser brincar, seremos obrigados a governar à força. Canal – O que é “governar à força”, senhor presidente? Dhlakama – Governar à força é sujeitar a administração das seis províncias a momentos difíceis. É criar desobediência e tomarmos o poder. Mesmo que a Frelimo active as Forças Armadas e a Intervenção Rápida, irá perder a batalha. Porque essas forças em que eles confiam são filhos do povo. Não há nenhum general das Forças Armadas, não há nenhum comandante da PRM que vai acabar com toda a população. Meu amigo Matias, eu acredito que o Nyusi, neste momento, não sabe o que vai fazer, porque também não sabe o que a Frelimo fez. Canal – Acredita, senhor presidente, que a bancada da Frelimo tomou a decisão sem o conhecimento de Nyusi? Todas as quartas-feiras a Comissão Política da Frelimo se reúne na sua sede. Nyusi é presidente da Frelimo. A reunião foi na quarta-feira, e o projecto foi reprovado na quinta-feira. Acredita que a bancada da Frelimo só decidiu reprovar, sem conhecimento do presidente da Frelimo? Dhlakama – Meu irmão Matias, estamos no continente africano. Não quero responder por Nyusi. Ninguém vai aparecer para dizer que não sabia, ou porque é o poder legislativo. Portanto, quer a Frelimo, quer o próprio Nyusi, faltaram ao respeito para com todos e para com a democracia. Faltou o reconhecimento da maioria. Ele sabe que a Renamo, governando as seis províncias durante cinco anos, isso será um impedimento no futuro para a Frelimo. Isso foi uma decisão da Comissão Política, principalmente dos antigos conselheiros de Guebuza. Só que a estratégia deles vai falhar, porque não analisaram o que vão fazer depois de chumbar. Não sabem o que vai acontecer. Canal – Mas, se calhar, pensaram que iriam fragilizá-lo. Pelo menos é essa a ideia que fica. Dhlakama – Pensaram que Dhlakama ficaria fragilizado e embaraçado. Eu não estou embaraçado, Matias. Não fui eu que chumbei. Eu estou encorajado. Continuo na minha luta justa pela democracia. Canal – Senhor presidente, disse que vai implementar o seu projecto ainda este ano, mesmo depois da reprovação na Assembleia da República. Quero pedir-lhe para explicar bem aos leitores como é que vai fazer isso, para as pessoas ficarem preparadas... Dhlakama – Meu irmão Matias, aqui há duas possibilidades. Você já me conhece e não tenho nada a esconder. Há duas possibilidades. Uma, é a Frelimo sentir-se culpada e recuar e mostrar a vontade de negociar com a Renamo para estabelecermos um acordo político a ser ratificado pela Assembleia da República. Outra coisa é a Frelimo continuar renitente. Aí, a Renamo vai propor a Dhlakama, e Dhlakama vai concordar, e dizer que já estamos cansados e vamos escorraçar os dirigentes da Frelimo nas províncias e governarmos à força. Portanto, por isso estou ciente e acredito, Matias, que isso vai acontecer. Canal – Senhor presidente, quando fala de um acordo escrito, faz sempre referência à Lei Eleitoral. Mas é preciso notar que a Lei Eleitoral é aprovada num contexto… E permita-me dizer, foi à porrada. Ou seja, já estávamos mesmo numa guerra civil. Só assim é que a Frelimo aprovou a Lei Eleitoral. Acha que a Frelimo poderá aceitar, assim, só em conversa? Dhlakama – Matias, meu irmão, aquilo que aconteceu em Sadjundjira é inferior ao que vai acontecer com a violência da população. Em Sadjundjira, Gorongosa e Muxúngue, dispará- vamos para os militares da Frelimo. Foi isso que fez com que a Frelimo recuasse. Se promovermos violência, fecharmos estradas, colocarmos troncos, corrermos com os administradores, com governadores, essa violência vai ser mais caótica do que a de Sadjundjira. Por isso, não quero acreditar que Nyusi e a Frelimo estejam preparados para isso. Porque o facto de continuarmos a trabalhar não é porque não vamos fazer isso. A Frelimo precisa de olhar a quantidade da população que mobilizo, e tenho vindo a acalmá-la. Só no último comício que fiz, no sábado, em Zaburi, no posto administrativo de Pebane, a população perguntou: “Presidente Dhlakama, porquê está a perder tempo? Dê-nos ordem para partirmos tudo”. Eu disse: “Vamos dar uma oportunidade para a Frelimo reflectir”. Como político, a única coisa que te digo é que nada está perdido. Mesmo na Frelimo, nem todos estão satisfeitos com o que aconteceu na quinta-feira. Nem todos estão satisfeitos com o radicalismo. Canal – Falou de tempo para a Frelimo reflectir. Qual é o tempo que vai dar. Faço- -lhe esta pergunta porque o tempo que é tempo não espera por ninguém. Daqui a mais alguns dias já estamos no meio do mandato. Quanto tempo dá à Frelimo para reflectir? Dhlakama – O povo quer agora. Não estou a falar do próximo ano. Eu diria que daqui a dois meses. Estou a incluir negociações. Não vamos inventar ou iniciar nada. É ver o que falhou, e corrigirmos. Se houver boa vontade, será dentro em breve, e não precisaremos dos dois meses. Porque eu quero acreditar, meu amigo Matias, que Moçambique não é uma ilha. Moçambique não é Magude e Matalane onde ele [Nyusi] andou aí com crianças. Há Moçambique também a partir do rio Save para o norte. É preciso que haja um acordo. Essas populações acima do Save serão governadas pela Renamo. Canal – Desde a reprova- ção do projecto, na quinta- -feira, já falou com o presidente da Frelimo? Dhlakama – Ainda não falei com ele. Espero dentro em breve falar com Nyusi. Acredito que temos que falar, depois de tudo isso. Senão o país vai parar. As pessoas não sabem o que vai acontecer. É preciso que a gente fale. É preciso acalmar os corações das pessoas, porque não sabem se dentro de dias vai haver guerra ou não. Depois de a Frelimo ter reprovado o nosso projecto, no dia seguinte come- çou a movimentar blindados e material para Muxúnguè, para a Gorongosa e cá na Zambézia. Mas é preciso deixar claro que aquilo não intimida a Renamo. A Renamo não tem receio de nada. Porque no dia do combate os militares da Frelimo vão abandonar aquele material nas nossas mãos, como aconteceu em Sadjundjira, em 2013. É isso que a Frelimo tem de saber. Não tem forças capazes de lutar contra a Renamo. Canal – Não acha que a Frelimo está a emitir uma mensagem de que quer uma confrontação com a Renamo? Dhlakama – Não é a Frelimo toda. São alguns radicais da Frelimo que pensam que podem conseguir alguma coisa com a guerra, roubando, fazendo e desfazendo. Mas muitos não querem guerra, porque a guerra não é feita pelos filhos da Frelimo. São filhos do povo que estão a morrer. Jovens que são tirados das escolas para morrerem, no lugar de terminarem os seus estudos. São jovens inocentes, filhos de pobres, que são levados para morrerem nas matas para defender um regime caduco. Canal – Senhor presidente, não acha que essa situação fará com que as pessoas deixem de acreditar no senhor? Dhlakama – Não. Muito pelo contrário. Eu saí muito reforçado como político e como líder. Porque tenho argumentos. Fiz aquilo que os civilizados fazem, submeter um anteprojecto. Mas a Frelimo não quis entender o Dhlakama. Fiz o que os países civilizados fazem, e a Frelimo não quis. Esse já não é meu problema. Quem está fragilizada é a Frelimo. Chumbar aquele projecto não significa fragilizar ou desacreditar Dhlakama. Muito pelo contrário. É fortalecer a liderança de Dhlakama, porque agora é ou à força ou negociação. Canal – Assim, colocadas as questões nestes termos, em que mãos reside o futuro do país? Dhlakama – Está nas mãos de todos os moçambicanos. Se deixarmos nas mãos de Nyusi, pode não decidir nada. Está nas mãos de todos, de Dhlakama e de todos os moçambicanos. Mesmo você, Matias, como jornalista, o futuro está nas suas mãos. Se escrever bem este artigo e as pessoas puderem entender o que vai acontecer nos próximos dias, o futuro está nas suas mãos, porque vai fazer a sua parte. Canal – Senhor presidente, pode-se dizer que a maioria dos seus seguidores estão desapontados, e isso nota-se nas redes sociais e nas conversas de café. As pessoas estão à espera de acções e não de conversas. O que pode dizer a essas pessoas neste momento? Dhlakama – Meu irmão, é preciso dizer às pessoas que nada está perdido. Quero aproveitar o “Canal de Mo- çambique” para dizer que não há nada perdido. Meu irmão Matias, vou pedir-lhe para escrever bem essa parte. Não há nada que esteja perdido. Estamos habituados. A Frelimo nunca aprovou nada de forma livre. A Lei Eleitoral, foi preciso violência na Gorongosa. Ao fazermos aquilo, queríamos usar vias civilizadas. Mas, como chumbaram, quero tranquilizar o povo de que não perdemos, o povo é soberano. Eu, Afonso Dhlakama, como porta-voz do povo, estou a pedir calma, porque vamos fazer com que a Frelimo entenda dentro em breve o que deve fazer. Porque o projecto será implementado ainda este ano, e vamos estabelecer uma administração da Renamo nas seis províncias.

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