Não teve sucesso e caiu por
terra aquela que era considerada
a última cartada civil e civilizada
de Afonso Dhlakama para
se ultrapassar a crise pós-eleitoral
criada pela fraude eleitoral
que transformou Nyusi e a Frelimo
em vencedores das elei-
ções de Outubro de 2014, com
a agravante de nunca ter havido
editais que o comprovassem.
Provavelmente, quando Guebuza
disse que foi uma vitória
“arrancada”, ninguém tratou de
lhe atribuir a devida hermenêutica.
Afonso Dhlakama é agora
um homem que faz contas de
como levar a Frelimo a uma situação
igual à de 2013, quando
aprovou, ao som de tiros, a Lei
Eleitoral. Em entrevista ao
de Moçambique Moçambique ,
Dhlakama mostrou-se portador
de uma estranha esperança de
que a Frelimo vai recuar, se
bem que a opinião pública esteja
a exigir de volta o depósito
de fé que havia feito no homem.
Há uma certeza que Dhlakama
prefere partilhar: se a solução
for violência, será mais dura do
que a de Sadjundjira. E assegura
que a Renamo vai governar
ainda este ano. Eis, a seguir, o
que perguntámos, e o que
Dhlakama respondeu.
de Moçambique Moçambique (Canal)
– A bancada parlamentar
da Frelimo reprovou o
projecto-de-lei de criação das
autarquias provinciais. Depois
do encontro que teve
com Nyusi, onde acordaram
o envio do projecto, e sendo
Nyusi agora também presidente
da Frelimo, não acha
que foi traído?
Afonso Dhlakama
(Dhlakama) – Houve, de facto,
um encontro de nós os dois.
Coloquei-lhe a questão de que
tínhamos de governar as províncias
onde ganhámos, depois
daquela fraude que houve. Ele
disse “está bem”. A Renamo
devia fazer um anteprojecto
e submeter à Assembleia
da República. E nós mandá-
mos o anteprojecto. Organizei
a equipa tecnicamente e eu
também trabalhei no projecto,
seguro de que, embora não
tenha havido um acordo por
escrito, estávamos a tratar um
assunto do interesse nacional.
Canal – Mas foi reprovado.
Dhlakama – A bancada
maioritária no parlamento
chumbou o projecto porque
faltou boa vontade. Se ele lavar
as mãos agora, e disser que há
separação de poderes e que ele
não controla a bancada maioritária,
aí vamos ver. Mas também
quero recordar aos moçambicanos
que nunca a Renamo submeteu
um projecto que tenha
sido aprovado pela Frelimo.
Canal – Houve a Lei Eleitoral,
senhor presidente.
Dhlakama – A Lei Eleitoral
foi aprovada depois de
muita violência e toda aquela
situação de Sadjundjira. Isso
para dizer que a Frelimo, de
forma livre e de boa-fé, sem
empurrões e violência, nunca
aprovou um projecto da Renamo.
Talvez seja por isso.
Canal – Mas, senhor presidente,
perguntei-lhe se não se
sente traído e politicamente
derrotado depois dessa situação?
Dhlakama – Eu não me sinto
traído como as pessoas pensam.
Nem me sinto enganado.
Quem se enganou a si mesma
é a Frelimo, porque todo o peso
está com eles, porque ninguém
esperava. Chumbou um projecto
não da Renamo nem do
Dhlakama, mas de mais da
metade da população de Mo-
çambique. Porque Nampula,
Niassa, Zambézia, Sofala,
Manica e Tete estão naquele
projecto. Mais da metade da
população de Moçambique.
A bancada da Frelimo chumbou
mais da metade da população
de Moçambique. A isso
chama-se brincar com o povo.
Canal – Mas, então, e agora?
Dhlakama – Não há nenhuma
coisa perdida. Claro que o povo está muito revoltado e
aborrecido desde aquele dia. A
partir daquele dia, começaram
a ligar para mim, a perguntar
se podiam começar a partir
as coisas, fechar as estradas e
correr com os governadores e
administradores. Eu disse que
não. Não façam isso, acreditem
em mim, sou o vosso trabalhador,
sou o vosso lutador.
Sou o vosso porta-voz. A única
coisa que garanti ao povo é que
a Renamo vai governar ainda
este ano as seis províncias.
Canal – Mas como, senhor
presidente?
Dhlakama – Eu acredito
ainda que a Frelimo ainda vai
voltar atrás. A maior parte da
população não apoia o projecto
de governação de Nyusi nem o
programa da Frelimo. Vai haver
instabilidade e todos os investidores
vão abandonar o país. Se
Nyusi tiver bons conselheiros,
então é bom que ele saiba que
é o momento de reflectir com
o partido em que ele já é presidente.
Ele não ganhou eleições.
É preciso uma negociação com
a Renamo. É preciso um acordo
entre as duas partes, e esse
acordo entrar na Assembleia
da República, para esse acordo
ser ratificado, à semelhan-
ça da Lei Eleitoral. Porque se
a Frelimo pensa que enganou
a Renamo e que isto vai ficar
assim, estão todos enganados,
porque podem acontecer questões
mais complicadas. Eu
quero continuar com o trabalho
de democracia. Mas tudo
vai depender da Frelimo. Se a
Frelimo quiser brincar, seremos
obrigados a governar à força.
Canal – O que é “governar
à força”, senhor presidente?
Dhlakama – Governar à
força é sujeitar a administração
das seis províncias a momentos
difíceis. É criar desobediência e
tomarmos o poder. Mesmo que
a Frelimo active as Forças Armadas
e a Intervenção Rápida,
irá perder a batalha. Porque essas
forças em que eles confiam
são filhos do povo. Não há nenhum
general das Forças Armadas,
não há nenhum comandante
da PRM que vai acabar com
toda a população. Meu amigo
Matias, eu acredito que o Nyusi,
neste momento, não sabe o
que vai fazer, porque também
não sabe o que a Frelimo fez.
Canal – Acredita, senhor
presidente, que a bancada
da Frelimo tomou a decisão
sem o conhecimento de Nyusi?
Todas as quartas-feiras a
Comissão Política da Frelimo
se reúne na sua sede. Nyusi
é presidente da Frelimo. A
reunião foi na quarta-feira,
e o projecto foi reprovado na
quinta-feira. Acredita que a
bancada da Frelimo só decidiu
reprovar, sem conhecimento
do presidente da Frelimo?
Dhlakama – Meu irmão
Matias, estamos no continente
africano. Não quero responder
por Nyusi. Ninguém vai aparecer
para dizer que não sabia,
ou porque é o poder legislativo.
Portanto, quer a Frelimo, quer
o próprio Nyusi, faltaram ao
respeito para com todos e para
com a democracia. Faltou o
reconhecimento da maioria.
Ele sabe que a Renamo, governando
as seis províncias
durante cinco anos, isso será
um impedimento no futuro
para a Frelimo. Isso foi uma
decisão da Comissão Política,
principalmente dos antigos
conselheiros de Guebuza. Só
que a estratégia deles vai falhar,
porque não analisaram o que
vão fazer depois de chumbar.
Não sabem o que vai acontecer.
Canal – Mas, se calhar,
pensaram que iriam fragilizá-lo.
Pelo menos é essa a
ideia que fica.
Dhlakama – Pensaram que
Dhlakama ficaria fragilizado
e embaraçado. Eu não estou
embaraçado, Matias. Não fui
eu que chumbei. Eu estou encorajado.
Continuo na minha
luta justa pela democracia.
Canal – Senhor presidente,
disse que vai implementar o
seu projecto ainda este ano,
mesmo depois da reprovação
na Assembleia da República.
Quero pedir-lhe para explicar
bem aos leitores como
é que vai fazer isso, para as
pessoas ficarem preparadas...
Dhlakama – Meu irmão Matias,
aqui há duas possibilidades.
Você já me conhece e não
tenho nada a esconder. Há duas
possibilidades. Uma, é a Frelimo
sentir-se culpada e recuar e
mostrar a vontade de negociar
com a Renamo para estabelecermos
um acordo político a
ser ratificado pela Assembleia
da República. Outra coisa é a
Frelimo continuar renitente. Aí,
a Renamo vai propor a Dhlakama,
e Dhlakama vai concordar,
e dizer que já estamos cansados
e vamos escorraçar os dirigentes
da Frelimo nas províncias e
governarmos à força. Portanto,
por isso estou ciente e acredito,
Matias, que isso vai acontecer.
Canal – Senhor presidente,
quando fala de um acordo
escrito, faz sempre referência
à Lei Eleitoral. Mas é preciso
notar que a Lei Eleitoral é
aprovada num contexto… E
permita-me dizer, foi à porrada.
Ou seja, já estávamos
mesmo numa guerra civil. Só
assim é que a Frelimo aprovou
a Lei Eleitoral. Acha que
a Frelimo poderá aceitar, assim,
só em conversa?
Dhlakama – Matias, meu
irmão, aquilo que aconteceu
em Sadjundjira é inferior ao
que vai acontecer com a violência
da população. Em
Sadjundjira, Gorongosa
e Muxúngue, dispará-
vamos para os militares
da Frelimo. Foi
isso que fez com que
a Frelimo recuasse.
Se promovermos
violência, fecharmos
estradas, colocarmos
troncos, corrermos com
os administradores,
com governadores,
essa violência vai ser
mais caótica do que
a de Sadjundjira. Por
isso, não quero acreditar
que Nyusi e a Frelimo
estejam preparados para
isso. Porque o facto de continuarmos
a trabalhar não é porque
não vamos fazer isso. A Frelimo
precisa de olhar a quantidade
da população que mobilizo,
e tenho vindo a acalmá-la. Só
no último comício que fiz, no
sábado, em Zaburi, no posto
administrativo de Pebane, a população
perguntou: “Presidente
Dhlakama, porquê está a perder
tempo? Dê-nos ordem para partirmos
tudo”. Eu disse: “Vamos
dar uma oportunidade para a
Frelimo reflectir”. Como político,
a única coisa que te digo é
que nada está perdido. Mesmo
na Frelimo, nem todos estão satisfeitos
com o que aconteceu na
quinta-feira. Nem todos estão
satisfeitos com o radicalismo.
Canal – Falou de tempo
para a Frelimo reflectir. Qual
é o tempo que vai dar. Faço-
-lhe esta pergunta porque o
tempo que é tempo não espera
por ninguém. Daqui a
mais alguns dias já estamos
no meio do mandato. Quanto
tempo dá à Frelimo para reflectir?
Dhlakama – O povo quer
agora. Não estou a falar do
próximo ano. Eu diria que
daqui a dois meses. Estou
a incluir negociações.
Não vamos inventar ou
iniciar nada. É ver o
que falhou, e corrigirmos.
Se houver
boa vontade, será
dentro em breve, e
não precisaremos
dos dois meses. Porque
eu quero acreditar, meu amigo
Matias, que Moçambique não
é uma ilha. Moçambique não
é Magude e Matalane onde ele
[Nyusi] andou aí com crianças.
Há Moçambique também a partir
do rio Save para o norte. É
preciso que haja um acordo. Essas
populações acima do Save
serão governadas pela Renamo.
Canal – Desde a reprova-
ção do projecto, na quinta-
-feira, já falou com o presidente
da Frelimo?
Dhlakama – Ainda não falei
com ele. Espero dentro em breve
falar com Nyusi. Acredito que temos que falar, depois de
tudo isso. Senão o país vai parar.
As pessoas não sabem o que
vai acontecer. É preciso que a
gente fale. É preciso acalmar os
corações das pessoas, porque
não sabem se dentro de dias vai
haver guerra ou não. Depois de
a Frelimo ter reprovado o nosso
projecto, no dia seguinte come-
çou a movimentar blindados e
material para Muxúnguè, para
a Gorongosa e cá na Zambézia.
Mas é preciso deixar claro que
aquilo não intimida a Renamo.
A Renamo não tem receio de nada. Porque no dia do combate
os militares da Frelimo
vão abandonar aquele material
nas nossas mãos, como aconteceu
em Sadjundjira, em 2013.
É isso que a Frelimo tem de
saber. Não tem forças capazes
de lutar contra a Renamo.
Canal – Não acha que a Frelimo
está a emitir uma mensagem
de que quer uma confrontação
com a Renamo?
Dhlakama – Não é a Frelimo
toda. São alguns radicais
da Frelimo que pensam que
podem conseguir alguma coisa
com a guerra, roubando, fazendo
e desfazendo. Mas muitos
não querem guerra, porque a
guerra não é feita pelos filhos
da Frelimo. São filhos do povo
que estão a morrer. Jovens
que são tirados das escolas
para morrerem, no lugar de
terminarem os seus estudos.
São jovens inocentes, filhos
de pobres, que são levados
para morrerem nas matas para
defender um regime caduco.
Canal – Senhor presidente,
não acha que essa situação
fará com que as pessoas deixem
de acreditar no senhor?
Dhlakama – Não. Muito
pelo contrário. Eu saí muito
reforçado como político
e como líder. Porque tenho
argumentos. Fiz aquilo que
os civilizados fazem, submeter
um anteprojecto. Mas a
Frelimo não quis entender o
Dhlakama. Fiz o que os países
civilizados fazem, e a Frelimo
não quis. Esse já não é meu
problema. Quem está fragilizada
é a Frelimo. Chumbar
aquele projecto não significa
fragilizar ou desacreditar
Dhlakama. Muito pelo contrário.
É fortalecer a liderança
de Dhlakama, porque agora
é ou à força ou negociação.
Canal – Assim, colocadas
as questões nestes termos,
em que mãos reside o futuro
do país?
Dhlakama – Está nas mãos
de todos os moçambicanos. Se
deixarmos nas mãos de Nyusi,
pode não decidir nada. Está
nas mãos de todos, de Dhlakama
e de todos os moçambicanos.
Mesmo você, Matias,
como jornalista, o futuro está
nas suas mãos. Se escrever
bem este artigo e as pessoas
puderem entender o que vai
acontecer nos próximos dias,
o futuro está nas suas mãos,
porque vai fazer a sua parte.
Canal – Senhor presidente,
pode-se dizer que a maioria
dos seus seguidores estão desapontados,
e isso nota-se nas
redes sociais e nas conversas
de café. As pessoas estão à espera
de acções e não de conversas.
O que pode dizer a essas
pessoas neste momento?
Dhlakama – Meu irmão,
é preciso dizer às pessoas
que nada está perdido. Quero
aproveitar o “Canal de Mo-
çambique” para dizer que não
há nada perdido. Meu irmão
Matias, vou pedir-lhe para
escrever bem essa parte. Não
há nada que esteja perdido.
Estamos habituados. A Frelimo
nunca aprovou nada de
forma livre. A Lei Eleitoral,
foi preciso violência na Gorongosa.
Ao fazermos aquilo,
queríamos usar vias civilizadas.
Mas, como chumbaram,
quero tranquilizar o povo de
que não perdemos, o povo é
soberano. Eu, Afonso Dhlakama,
como porta-voz do povo,
estou a pedir calma, porque
vamos fazer com que a Frelimo
entenda dentro em breve
o que deve fazer. Porque o
projecto será implementado
ainda este ano, e vamos estabelecer
uma administração da
Renamo nas seis províncias.
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