sexta-feira, 8 de maio de 2015

Defendendo o direito à Saúde




Sexta, 08 Maio 2015

EM finais de 2013, Maria constatou que emagreceu muito rapidamente. Sentia-se fraca e sem força para trabalhar na machamba. Em Fevereiro, com quatro meses de gravidez, e vivendo numa zona rural, sem opção de transporte público, andou a pé 26 kilómetros até ao centro de saúde mais próximo. Era a primeira vez, em dois anos, que ía a uma unidade sanitária.


Maria pediu para fazer teste de HIV, mas a enfermeira respondeu que o centro estava cheio e que ela teria de voltar num outro dia. Sem fazer nenhuma pergunta nem exame físico, a enfermeira apenas receitou paracetamol. Logo depois, Maria retornou o seu dificil caminho para casa, com receio de insistir e sair sem explicação. Quando voltou ao centro de saúde três meses depois, o seu estado fisico tinha se agravado e deteriorado. Desta vez, a enfermeira fez o teste de HIV a Maria. Na sala de espera, um local público, revelou a Maria que o teste dera positivo. Foi recomendado a Maria que voltasse um mês depois para fazer análise do CD4. Maria saiu do centro de saúde humilhada, com medo, e sem saber a quem recorrer para pedir ajuda. Esta é apenas uma história, de muitas que se podem contar.

Apesar do significativo investimento que se faz no sector da Saúde em Moçambique, os indicadores de saúde continuam entre os piores do mundo. Os desafios são complexos e incluem a pobreza extrema e desigualdades, altas taxas de desnutrição e de doenças infecciosas, falta de recursos humanos e as longas distâncias que se têm de percorrer para chegar a uma unidade sanitária.

Há cada vez mais reconhecimento de que é essencial fortalecer a responsabilização dos serviços perante as comunidades locais e os utentes ao procurar respostas para as falhas da prestação de serviços.Para maximizar o impacto dos esforços, tanto do Governo como dos parceiros, necessita-se de maior foco no aumento da participação cívica, no respeito pelos direitos humanos e na exigência de serviços de saúde de qualidade.

A Constituição de Moçambique (2004) reconhece o direito aos cuidados de saúde, assegurando que todos os cidadãos gozam dos mesmos direitos sem discriminação de cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, nível escolar, posição social ou género. A Carta dos Direitos e Deveres dos Utentes, adoptada em 2006, reafirma e aprofunda-se sobre a centralidade dos direitos humanos nos serviços sanitários, realçando a dignidade humana, a igualdade, a ética e a solidariedade como valores fundamentais. A carta aborda especificamente questões respeitantes a não-discriminação, confidência, privacidade e direito a apresentar sugestões e queixas (e a obter uma resposta oportuna nesses casos.) Adicionalmente, o MISAU tem desenvolvido um leque forte de políticas e protocolos.

No entanto, o impacto destas leis e políticas continua sendo minado devido à sua limitada disseminação e aplicação, altos índices de analfabetismo, dinâmicas de poder e uma cultura de silêncio (as pessoas vulneráveis vêm os serviços de saúde como um favor e não um direito) que impedem aqueles cujos direitos foram violados de procurarem a reparação.

Neste contexto, a Namati Moçambique está empenhada neste trabalho em colaboração com parceiros locais desde Janeiro de 2013, tendo sido formalmente estabelecida em Julho de 2014. A Namati tem como objectivo melhorar a qualidade e o acesso aos serviços básicos de saúde, onde a nível da base o trabalho é dirigido por um núcleo de defensores de saúde. Em parceria com o MISAU, a Namati visa:

· cultivar um maior envolvimento cívico aumentando os conhecimentos dos pacientes e dos provedores sobre políticas-chave, protocolos, legislação e direitos e deveres relacionados à saúde;

· desenvolver uma estratégia para a reparação efectiva de injustiças e geração de lições que informarão e fortalecerão a política do Ministério da Saúde e implementação no âmbito da Qualidade e Humanização dos Serviços de Saúde;

· colaborar com os profissionais da saúde como agentes-chave de mudança na promoção da igualdade e justiça social no sector da Saúde;

· envolver, apoiar e galvanizar os comités de saúde da aldeia e comités de co-gestão para defender e promover o direito à saúde;

· influenciar as políticas e práticas através de advocacia baseada em evidências aos níveis local, nacional e internacional;

Até ao momento, a Namati encontrava-se a trabalhar nos distritos de Namaacha e Marracuene, bem como nas cidades de Maputo e Matola. Trabalhamos em parceria com a Médicos Sem Fronteiras, a Fundação Ariel, e o Centro de Prática Jurídica (CPJ) da Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane.

Através das suas activiades a Namati já alcançou vários resultados, entre eles:

· Melhoria em termos de qualidade (redução dos atrasos dos provedores de saúde em algumas unidades sanitárias, redução de queixas relacionadas com suborno, redução de estigma e discriminação em algumas unidades sanitárias, melhoria em termos de adesão aos protocolos do MISAU).

· Melhoria em termos de acesso (advocacia para mais frequência da brigada móvel e alocação do pessoal fixo para as zonas rurais com fraco acesso, melhoria em termos de número e tipo de serviços oferecidos nas zonas isoladas, permanência da ambulância nas zonas periféricas, redução de tempo de espera nas unidades sanitárias).

· Melhoria em termos de infraestrutura (conseguimos água canalizada num centro de saúde, melhoria em termos de privacidade nas consultas, advocacia para a construção de uma casa mãe espera e para casas de banho para os pacientes em três hospitais onde não tinham nenhuma em funcionamento).

· Melhoria em termos de equipamento e suplementos médicos (medicamentos essencias, diagnostico para HIV, tuberculose e diabetes, macas, camas, redes mosquiteiras, redes nas janelas nas salas de internamento).

A saúde é um direito humano. Tome acção.
ELLIE FEINGLASS -Directora executiva da Namati

Sem comentários: