domingo, 3 de maio de 2015

CARTA AO PRESIDENTE NUYSI (Portagens em Tete)

(Será que esta carta vai chegar ao conhecimento do PR?)

Caro Sr. Presidente da República De Moçambique;
Queira aceitar, antes de mais, as nossas cordiais saudações.
A presente carta é uma manifestação do sentimento das Organizações da Sociedade Civil de Tete, das comunidades, comerciantes e demais cidadãos sem voz e sem uma representação formal. Endereçamos a si esta carta porque entendemos que as novas taxas de portagens foram aprovadas por um Diploma Ministerial. O que significa que mesmo estando em Tete é com o Senhor Presidente que temos que interagir, pois a nível provincial ninguém tem a autonomia de Revogar a um Diploma Ministerial a não ser a si que o ratificou.
Excelência,
A presente carta reflecte as desvantagens e possíveis consequências que as novas taxas de portagens recém-instaladas na Província de Tete irão provocar na vida do cidadão. Antes de discorrer pelo assunto, é importante perceber o contexto socioeconómico em que a maioria de cidadãos da cidade e província de Tete se encontram. Ao analisar a questão precisamos ter em conta que a cidade de Tete é o principal centro económico e administrativo da Província, por isso será usada como base nessa análise.
Infraestruturas
A cidade de Tete e a sua periferia apresentam diferentes realidades em termos de infra-estruturas, serviços, e comércio, frutos de investimentos do sector mineiro. A zona cimento de Tete, com estradas alcatroadas, sistema de esgotos, urbanizada, é a herança do tempo colonial, o desenho das casas e o estado das vias atesta esta afirmação.
São poucas as áreas em que há um plano de urbanização de raiz. Quase que todas as áreas destinadas a habitação da cidade apresentam um padrão de ocupação desordenado que se reproduz a medida do seu crescimento. O que mostra a falta de um Plano Director. As intervenções são todas feitas sem um padrão.
Habitação
Apesar da existência de vários investimentos na província, maior parte das famílias residentes em Tete são pobres a considerar pela precariedade das habitações localizadas em sítios íngremes, pedregosos com precipícios e expostas à erosão, ao desemprego, sobrevivendo a base de biscates, aluguer da casa, da venda a porta de casa ou nos mercados de Kwachena, Cambinde e Canongola.
Condição Social
Muitas vezes estas famílias auferem a um salário mínimo ou menos, conseguido no emprego doméstico (limpeza, guarda e baba e entre outros). Os bairros de Tete têm quase as mesmas características. Estes bairros são desordenados e cresceram nas décadas 80 e 90 como resultado de migrações motivadas pela guerra dos 16 anos e busca de oportunidades e melhoria das condições de vida. Os arruamentos, as infraestruturas e serviços públicos são irregulares.
Excelência,
Apesar do rio Zambeze passar pela Província de Tete, saiba que maior parte de cidadãos de Tete não tem água canalizada. Os poucos que têm um sistema de água canalizada recebem água suja nas suas torneiras, alias há muitos cidadãos nos bairros de Tete em que não sabem o que é jorrar água das suas torneiras. Muitos de nós compramos o precioso líquido para satisfazer as nossas necessidades básicas, mesmo sabendo que o rio Zambeze está às nossas vistas.
Excelência,
Em Tete somente às casas feitas pelo regime português possuem um sistema de esgotos bem estruturado e as demais casas são feitas sem nenhum sistema sustentável de esgoto. Alias, a maioria das casas nos bairros de Tete têm um sistema de esgoto virado para a estrada, eis a razão de se ter águas negras a escorrer por todas as vias.
Famílias
Maior parte das famílias residentes nos bairros e arredores da cidade de Tete são constituídas de adultos e jovens, e muitos destes cresceram dentro do bairro, seus pais idos de áreas rurais, não valorizaram a escola para os filhos, talvez pela falta de preparação para a nova realidade, deixando-os a mercê de uma sociedade e um mercado de trabalho cada vez mais agressivo. Muitos vivem a fazer biscates por curtos períodos, sempre na incerteza do “amanhã”.
Excelência,
Maior parte das famílias de Tete dependem para o seu sustento da machamba, biscates, pequenos trabalhos na vizinhança, muitas vezes em troca de comida e venda nas esquinas da cidade. Há igualmente muitas famílias sustentadas pelos filhos, este facto explica por que há cada vez mais jovens no negócio informal nas ruas, mercados informais e terminais de autocarros. A Província de Tete precisa de empresas que venham para ajudar o cidadão a sair da sua miséria. O povo de Tete não está interessado em alojar empresas que têm como objectivo sugar o pouco que o cidadão ganha do seu suor.
Excelência,
O Estado não pode empregar a todos e não há oportunidade de trabalho para todos, é por isso que há cada vez mais famílias a viverem de negócios em Tete. Muitos negociantes trazem os seus produtos de locais como Angónia, Zóbwe e outros pontos do país e do estrangeiro para sustentar e satisfazer os seus negócios. Na realidade maior parte dos produtos de negócio vem de fora, pois em Tete as indústrias de processamento são escassas. As taxas de portagens que foram impostas sobre o povo irão retardar grandemente os esforços individuais de muitas famílias pobres e aqueles que vivem na base do negócio.
Excelência,
No dia da sua investidura afirmou no seu discurso inaugural que “o povo era o seu patrão”. E com isso entendemos nós que o país é a nossa empresa, nós somos acionistas e vocês são os gestores desta empresa. Sendo assim não é justo que encareçam e dificultem a vida dos acionistas. A vossa missão é gerir da melhor maneira possível e que possam agradar a todos acionistas.
Portagens
Excelência,
Acreditamos que melhor que ninguém, o Senhor já viajou por muitos países africanos e até de outros continentes e por toda a parte há portagens. Na realidade as portagens são benéficas no processo de manutenção e reabilitação das vias. É importante clarificar que ninguém reclama da existência de portagens pois elas são importantes em muitos âmbitos.
Entretanto, o que nos leva a redigir essa carta é para alertar que as taxas das portagens implementadas desde o dia 23 de Março preocupam as comunidades residentes em Tete, preocupam às OSC, preocupam aos transportadores, às empresas e aos demais transeuntes que se fazem circular por aquelas vias. Excelência, nalgumas portagens uma viatura ligeira chega a pagar 350, 500 por cada passagem. Se um cidadão deseja circular ou fazer negócio usando uma camioneta do tipo Toyota Dina ou Mitsubish Canter chega a pagar 1100 de cada vez que este passa pela portagem. Não estamos a falar de taxas de camiões de grandes tonelagens porque o nosso interesse é a vida do cidadão comum.
Excelência,
Nenhuma viatura do governo paga a taxa de portagem. Nenhum governante paga a taxa de portagem. Essas podem ser algumas das razões que fazem com que o governo aprove as taxas sem ao menos consultar o povo. Acreditamos que os cargos de governação não são eternos e tarde ou cedo alguns de vós que aprovastes essas taxas haveis de sentir a dor de pagar 500 mts a cada vez que se passareis pela portagem de Mameme, ou os 350 mts a cada vez que passareis pela portagem de Changara.
Excelência,
As taxas aplicadas nas portagens de Tete assustam aos proprietários de viaturas. São taxas mais altas da África Austral. E a pergunta que muitas vezes nos fazemos é porque temos que pagar esse preço tão alto? É assim que se pretende combater a pobreza? Porque é que essas portagens todas têm de estar em Tete? Será que as nossas estradas são melhores que as de Manica? Que culpa cometeram os cidadãos que residem nesta parcela do país? Porque é que as portagens de Maputo não possuem as mesmas taxas que as portagens de Tete? Será que cidadãos de Tete são economicamente mais estáveis equiparados a cidadãos de Maputo? Será que as vias de Tete são melhores que as vias de Maputo? Será que há mais viaturas a circular pelas estradas de Tete que pela EN1?
Excelência,
Com todo o respeito, as nossas estradas não oferecem uma qualidade internacionalmente aceite. Todas as nossas vias são estreitas, e na maioria dos casos sem espaços para motorizadas, bicicletas e peões, são estradas cheias de buracos e onduladas e não há viatura que resiste muitos anos a usar estas estradas.
Excelência,
Se as vias são péssimas, então, o que estamos a pagar nas portagens? A outra questão que preocupa aos vários utentes das vias é a quantidade das portagens existentes. As 5 portagens se encontram num troço de 259 km segundo o Cartaz da Empresa Estradas do Zambeze, e as duas portagens de Changara encontram se a uma distância de menos de 3 km. Em média, em cada 50 km temos uma portagem. Em que país estamos nós, Senhor Presidente? Que país queremos construir? Que futuro desejamos deixar como herança a futura geração?
As portagens já estão a criar repercussões negativas na vida do cidadão e irá imediatamente encarecer a vida daqueles que vivem ao redor destas portagens e num futuro próximo da província e da região. A lógica é que os transportadores, quer sejam empresas ou particulares, não quererão assumir os custos. Isto significa que estes poderão encarecer os seus serviços de modo a recuperar o valor perdido durante a portagem e aos poucos será instalada a onda de aumento dos preços que culminará com o aumento do preço do produto final. Neste sentido, o cidadão que mal vive será obrigado a pagar a factura.
Excelência,
Qual é a importância económica da ponte Kassuende sobre a cidade de Tete? Nós cidadãos residentes em Tete ainda não percebemos o impacto da nova ponte sobre a vida social do cidadão de Tete. Tudo indica que a ponte veio mais uma vez encarecer a vida do cidadão de Tete. Se a ponte Kassuende tem algum benefício, de certeza que esse benefício não será para o cidadão, nem para a cidade de Tete.
Excelência,
É missão do Governo regular as parcerias público-privadas. Quando estas não se regulam, isto pode significar conivência e falta de interesse da parte do Governo para com o cidadão. Se cada empresa decidir as regras de funcionamento sem a intervenção do Governo este país não terá direcção.
Os preços aplicados às portagens desencorajam que um cidadão se faça transportar em sua própria viatura. Precisamos chamar a consciência de que esta via não possui nada de especial que justifique os preços aplicados. A via em questão é muito estreita e com péssimas condições de transitabilidade, incluído a existência de ondulações, buracos a falta de sinalização. As portagens precisam trazer benefícios ao cidadão e não encarecer a vida deste. A serem assim implementadas, as portagens só irão encarecer a vida do cidadão e aumentar a sua pobreza.
Excelência,
Iniciamos esta carta com uma apresentação socio económica de Tete para mostrar que o povo que habita nos arredores destas portagens encontra-se a viver na pobreza extrema e está sempre em tensão entre a fome e a sobrevivência. É um povo com uma saúde precária, educação instável, habitação lamentável e vive na incerteza do amanhã. Mais do que empobrecer a este povo, o governo precisa desenvolver parcerias benéficas para o povo. Não se combate a pobreza por palavras ou promessas, mas sim por actos concretos.
A subida dos preços de portagens tem muitos significados para o povo, entre elas, a falta de interesse da parte do governo para com seu povo, pois é o governo que regula a acção das empresas; Significa a falta de compromisso na agenda da redução da pobreza do cidadão. Significa também aversão ao real desenvolvimento das comunidades.
Precisamos reflectir profundamente sobre as taxas das portagens implementadas. Porque isto afecta a todos. É urgente que se encontre um meio-termo em todo este processo para que não haja um descontentamento generalizado. Não se pode assistir a este acto com um olhar indiferente e inocente, fazendo isso, nós a Sociedade Civil estaríamos a ser coniventes como aqueles que apoiam a esse projecto.
Sendo assim, vimos por meio desta pedir o seguinte:
• A Sua Excelência que revogue o Diploma Ministerial nº 25/2015 de 23 de Janeiro e pedimos que se faça uma auscultação aos residentes de Tete sobre o impacto destas taxas;
• Que sejam diminuídas as quantidades das portagens e as taxas das mesmas;
• A assembleia da República que se pronuncie, pois a questão destas portagens irá a curto e longo prazo contribuir para o agravamento do custo de vida da cidade, da província, da zona centro e do país no geral;
• Pedimos a Empresa Estradas do Zambeze que proponha ao governo taxas justas e que não ganhe rendimentos prejudicando ao cidadão moçambicano;
Saudações calorosas Tete, Abril de 2015
Plataforma da Sociedade Civil da Cidade de Tete
1.AAAJC- Ass. de Apoio e Assistência Jurídica as Comunidades; 2.ASA- Ass. Para Sanidade Ambiental; 3.Ass. 25 de Setembro; 4. Ass Arca da Esperança; 5. ACAMO; 6.Aceagrarios; 7. Ass. 1 de Maio; 8.ACVN- Ass. Dos Camponeses do Vale do Nhartanda; 9.AJK- Ass. Juvenil Kubvuma; 10.Ass. De Mulheres Paralegais; 11.ADELT; 12.Ass. Mãe; 13. APITE; 14.AMCP- Ass. De Mulheres Credito e Poupanças; 15.AKK- Ass. Kumaliza na Kubonera, 16.AJM- Ass. Juvenil Mussequere; 17.AKA- Ass. Kuthandiza Azinji; 18.AJGTO- Ass. Juvenil G.T.O; 19.CESC – Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil; 20.DH- Liga dos Direitos Humanos; 21.FAA- Fundação Apoio Amigo, 22.NAFT- Núcleo das Associações Femininas de Tete; 23.Organização dos Camponeses de M’padué; 24. Parlamento Juvenil; 25. Pedras de Massingir; 26. UPCT- União Provincial dos Camponeses de Tete;




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Carlos Nuno Castel-Branco O equilíbrio orçamental não virá da tributação adicional da população - mais IVA, mais IRPS, mais taxas de portagens, etc. Isso criará mais pobreza e reduzirá as receitas fiscais. O orçamento do Estado tem de ser equilibrado mas também, fundamentalmente, tem de ser um instrumento económico e social para ajudar a promover desenvolvimento alargado e abrangente. Então, também por razões de eficiência e eficácia, em vez de tributar a pobreza dos pobres é necessário tributar o grande capital (onde as reservas fiscais ociosas, geradas por incentivos redundantes, se localizam) e redireccionar o investimento público com base em análise social e económica sólida. Tributar os pobres é como ir prospectar petróleo no candeeiro da casa de que nem tem energia eléctrica. Vão lá para onde os poços de petróleo se localizam. Injectar mais dinheiro no orçamento sem redireccionar a despesa pública, em especial o investimento, é como tentar encher um balde sem fundo. As duas coisas, mobilizar a receita ociosa das suas grandes reservas e redireccionar a despesa pública, devem ser feitas simultaneamente. Este movimento de Tete deveria ser massivamente apoiado pelas pequenas e médias empresas e pela população de todo o país - para obrigar a mudar a política fiscal e de despesa pública. Não se esqueçam que o endividamento público é um dos factores mais importantes a determinar e estruturar um sistema financeiro especulativo e inacessível à pequena e média empresa. Esse endividamento não se combate com a tributação dos pobres, mas com a mobilização das grandes reservas fiscais ociosas e com a reestruturação da despesa pública. Mobilizem-se, unam-se e lutem contra a austeridade (tributação dos pobres é uma forma de austeridade) e pela justiça social, económica e fiscal.

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