sexta-feira, 15 de maio de 2015

“As instituições sul-africanas falharam na gestão da xenofobia”



Tomaz Salomão diz que as desculpas do rei zulu não o ilibam da violência e que é preciso analisar com atenção as desigualdades sociais na RAS
Quando a xenofobia eclodiu estava na África do Sul. Qual é a sua opinião sobre este fenómeno?
Este é um fenómeno inaceitável e condenável, que caminha para as esferas do crime. Esta é uma mensagem que deve continuar a ser dita quer na África do Sul, quer nos países vizinhos, no continente e no mundo. A mensagem de solidariedade que se verificou entre as pessoas deve ser transmitida pelo mundo de uma maneira consistente.
Testemunhámos a situação de um jovem moçambicano que, com a sua viatura, transportou pessoas de locais distantes para os centros de acolhimento sem nenhuma remuneração.
Sim, é verdade, o que mostra o aspecto de solidariedade de que ‘não tenho muito, mas prefiro compartilhar o pouco com os meus concidadãos’. Mas ouvi o discurso do rei zulu, em que se contorcia em justificações a dizer que não mandou ninguém atacar ou matar. Eu penso que o rei foi para ali tentar lavar a cara. O facto é que os seus súbditos entenderam e fizeram. Agora, se não tivesse dito isso, o rei, apercebendo-se da situação, devia imediatamente ter dito aos seus súbditos para pararem, porque a intenção não era aquela. Mas só entrou em discussões teóricas, dizendo que não tinha sido ele e a acusar os media que distorceram o seu discurso. Mas o que é importante não foi o que os media disseram, mas como os seus súbditos entenderam a sua mensagem. e não pode haver aqui um vaga de cidadãos sem um comando vindo de algum sítio. Penso que o rei percebeu que a casa estava a arder e na apreciação dos sul-africanos e do mundo ele estava a ser apontado como responsável principal da situação, daí que foi tentar justificar-se, pedindo desculpas. mas a verdade é que, em vez de ter pedido desculpas tardiamente, devia imediatamente ter dito aos seus súbditos, porque havia pessoas a ser mortas e feridas sem culpa nenhuma.
O Imbizo foi convocado depois de uma intensa negociação com o governo sul-africano...
Deve ter notado que o presidente Zuma foi a Durban depois de uma marcha que penso que começou bem, mas terminou mal. Porque os seguidores atacaram os participantes na marcha. O presidente Zuma foi a Durban visitar os campos, mas creio que uma das mensagens foi persuadir o rei que devia fazer qualquer coisa para se parar com a situação, que estava a sair fora do controlo. Creio que o rei não tinha noção das implicações do que estava a dizer e do que estava a fazer. Quando sente a pressão de instituições internacionais e internas, o rei apercebe-se que era o responsável por a casa estar a arder e nessa altura convoca o Imbizo.
O rei tem autoridade suficiente para que a mensagem se espalhe por toda África do Sul?
O rei é rei, ele tem a autoridade que tem. disse o que disse antes e as pessoas comportaram -se como se comportaram e fizeram os estragos. Mas em relação ao rei, não se pode ilibar do que aconteceu, apesar de se apreciar que veio a público pedir desculpas. Mas as desculpas não ilibam, pois ele sabe que os seus súbditos são violentos por natureza. Ele sabe que há determinadas coisas que não podem ser ditas, porque o comportamento das pessoas vai induzir àquilo que assistimos.
Há grupos que defendem que o rei deve ser levado à barra do tribunal?
Os sul-africanos é que sabem, mas o mundo está a olhar. e veja que o presidente Zuma vai ao Parlamento e diz ‘o governo e a polícia têm intervindo rapidamente; isto que está a acontecer deve parar; é condenável e inaceitável’, portanto, chama a si parte da responsabilidade do que está acontecer. A intervenção não foi adequada e imediata quanto devia ser e cria um comité interministerial. Estes ministros que foram apontados, em vez de tratarem o assunto de salvar as vidas, numa primeira fase, começam em discussões entre eles com o rei a procurar culpados. Foi preciso chamar-se atenção e dizer que “vocês estão a discutir e o que deve acontecer é que devem parar a violência no terreno e cumprir com as vossas responsabilidades”. Sobre levar o rei ao tribunal a África do Sul é que decide. Agora, há instituições para proteger os cidadãos e é preciso reconhecer que quando deviam agir não o fizeram e as coisas atingiram as proporções que atingiram.
Tivemos os ataques xenófobos em 2008 e voltamos a ter em 2015. Qual é a razão de fundo?
É sempre mais fácil atacar o elo mais fraco, e neste caso os cidadãos estrangeiros residentes na África do Sul foram o elo mais fraco. É preciso ir às causas mais profundas do problema além das histórias tradicionais, culturais, da atitude dos zulos que é conhecida na África do Sul. É preciso olhar para as coisas com frieza e análise, incluindo as desigualdades na África do Sul, que se agravaram nos últimos 20 anos.
Na resposta à carta de Mia Couto, o presidente da África do Sul diz que o país está de braços abertos a cidadãos legais.
As pessoas que se encontram na África do Sul ilegalmente está a ser-lhes dada uma oportunidade para se legalizarem. Seguramente, as instituições hão-de estar abertas para que isso aconteça.
Como resolver a situação dos sul-africanos que não querem trabalhar?
O governo tem que educar os seus cidadãos no sentido de que quando se fala de trabalho, o mesmo começa na terra. Ir trabalhar na farma é trabalho; trabalhar num jardim é trabalho. Correr o risco de ir para as minas e retirar o ouro, a platina, o diamante é trabalho; subir num andaime tem riscos, mas é trabalho. O governo sul-africano tem que incutir esta mentalidade nos seus cidadãos a partir da base, porque existe a mentalidade de que nós temos direitos e o governo deve proporcionar-nos educação, saúde, alimentação, mas o governo não produz isso. O que produz isso é uma economia em funcionamento, que gera novas oportunidades.

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