sexta-feira, 8 de maio de 2015

A evolução da História e os seus frequentes paradoxos



OPINIÃO





08/05/2015 - 06:07


Também está em causa nestas eleições britânicas a possibilidade do reforço da corrente social-democrata na governação europeia.



1. Anteontem estudantes e professores universitários de Economia promoveram simultaneamente em setenta e nove cidades espalhadas por todo mundo uma reflexão crítica sobre o ensino desta área do conhecimento.

Esta iniciativa foi concebida por um movimento intitulado Post-Crash Economics que teve a sua origem na prestigiada Faculdade de Economia da Universidade de Manchester. Este movimento tem um objectivo claro: contestar os planos de estudo prevalecentes actualmente nas Escolas de Economia. O predomínio quase absoluto da teoria neoclássica e a excessiva valorização dos modelos matemáticos concorrem, nesta perspectiva crítica, para uma redução da capacidade de compreensão da realidade. A desqualificação do ensino da História Económica e a subalternização de múltiplas correntes do pensamento económico também contribuem para o empobrecimento da formação e lesam a qualidade da investigação prosseguida no âmbito desta disciplina. Dada a importância que os temas económicos têm no plano da discussão cívica e política as consequências resultantes desta orientação curricular projectam-se muito para além do espaço universitário. Por isso mesmo, este movimento pretende dar grande visibilidade às pretensões que o animam – clarificar o estatuto epistemológico da Economia identificando-a, sem margem para dúvidas, como uma ciência social, com todas as implicações daí decorrentes; incentivar o estudo da história do pensamento económico de modo a evidenciar o pluralismo que sempre o caracterizou; impedir a excessiva aproximação entre a formação em Economia e a formação em Gestão Empresarial.

Ao que parece a jornada de anteontem revelou-se muito proveitosa, já que permitiu o debate entre esta linha crítica e aqueles que, pelo contrário, advogam o predomínio do ensino da teoria neoclássica – que consideram o melhor paradigma de análise económica – e opõem as vantagens da formalização matemática aos riscos inerentes a um excesso de considerações ideológicas. Esta discussão reveste-se, desde logo, de grande utilidade porquanto chama a atenção para o carácter não monolítico da investigação e da teorização económicas. Hoje, aliás, sabemos que isso também acontece nas chamadas ciências exactas, ainda que de modo substancialmente diferente. No caso da Economia um dos maiores erros que se podem cometer é o de procurar assentar a validade científica da mesma numa visão muito redutora do homem e da sociedade. Nenhuma ciência social pode ser bem sucedida se se alicerçar numa concepção antropológica simplista e tosca.

Este debate acaba também por relacionar-se com uma discussão presentemente em curso no nosso país – a de saber se deve ou não haver uma entidade pretensamente extra-política e dotada de um estatuto de objectividade científica e de neutralidade axiológica incumbida de avaliar os projectos políticos partidários. À luz da reflexão crítica acima enunciada a resposta parece óbvia e definitiva: uma entidade dessa natureza pura e simplesmente não existe. Constitui uma impossibilidade epistemológica e, como tal, no caso de lhe ser atribuída existência formal não passaria de um exercício de mistificação política. Não se conclua daqui, porém, que tal desonera os partidos do dever de rigorosa fundamentação dos respectivos projectos eleitorais. Só que essa fundamentação terá que ser sempre referenciada a opções doutrinárias e políticas destinadas a um escrutínio de outra natureza. No fundo, o que está em causa é a capacidade de conciliar da melhor forma os contributos científicos colocados ao nível de uma racionalidade instrumental com aquilo que Max Weber designou como “ politeísmo dos valores “ e que caracteriza o mundo da política.

É claro que os defensores de um modelo de pensamento único, provenham eles da vulgata marxista ou da vulgata neoliberal, revelam uma grande dificuldade em conviver com esta situação. Para eles tudo é mais simples, já que não há qualquer diferenciação entre a realidade, a sua representação científica e o projecto político que preconizam. Não por acaso, no limite ambos apontam para o desaparecimento da própria dimensão política. No caso marxista ela seria substituída pela simples “administração das coisas”; no caso neoliberal tornar-se-ia supérflua dada a harmonização social espontaneamente garantida pelo funcionamento das forças do mercado. Sabemos a que desastres essas duas utopias conduzem.

2. A História, na verdade, quase nunca evolui linearmente e nela o paradoxo surge com inusitada frequência. Poucos meses decorridos sobre a derrota do movimento independentista na Escócia o partido nacionalista mais identificado com essa ideia está em vias de se tornar na força política charneira no Parlamento britânico. Como se isso não bastasse da sua futura intervenção política poderá, em grande parte, depender a permanência do Reino Unido na União Europeia. É que estes nacionalistas escoceses são também fervorosamente europeístas e conseguem insinuar que o preço que o Reino Unido poderia ter de pagar por um eventual afastamento da União Europeia seria o da sua própria desintegração interna. Curioso caso de um nacionalismo progressista empenhado na promoção do projecto de integração europeia.

Quanto ao resto, também está em causa nestas eleições, apesar das conhecidas especificidades britânicas, a possibilidade do reforço da corrente social-democrata na governação europeia. Uma vitória dos Trabalhistas contribuirá para fortalecer a linha de orientação programática que se tem vindo gradualmente a impor no quadro europeu.

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