quarta-feira, 29 de abril de 2015

Why, my south african brothers, do you kill mozambicans?

Por Adelino Timóteo Opinião  

Meus irmãos sul-africanos, não creio que vocês padeçam de suposta amnésia existencial, enquanto violentam os moçambicanos. Mas vejamos: em todo o vosso acto, com que golpeiam os moçambicanos, mais do que a dor que vocês nos causam, expõem-nos as sequelas do Apartheid, a luta em que estávamos irmanados, e de que vocês, infelizmente, se esqueceram. Nestes corpos que vemos massacrados pelas vossas mãos, expõem a memória cruel das mãos que vos chacinavam, da mesma forma que vós nos chacinais. Essas vossas mãos transformaram- -se para além do que se podia supor. E agora espelham semelhante carga inegável do mesmo ódio com que, em Fevereiro de 1981, um destacamento especial das Forças de Defesa e Seguran- ça (SADF) do regime racista da África do Sul lançou um ataque contra as residências do Congresso Nacional Africano na Matola, nos arredores de Maputo. Parecem aquelas mesmas mãos do Apartheid em incursões militares aqui em Maputo. As mãos xenófobas deixam nos moçambicanos impressões digitais cruéis, da mesma forma que as mãos racistas as deixaram no seu rasto de destruição no Choupal, por destruidoras que são. Ainda me resistem na memó- ria as imagens fotográficas, no jornal “Notícias” e na revista “Tempo”, dos rostos dos soldados sul-africanos, com rostos pintados de graxa, abatidos na Matola, depois de assassinarem os nossos e os vossos. Eu era miúdo. Lembro-me muito bem dessas imagens de terror, das tropas sul-africanas, dirigidas por Pieter Botha e Magnus Malan, a lançarem ataques contra o país, através de lança-granadas e armas ligeiras. Não são diferentes, porquanto mostram os corpos dos nossos concidadãos mortos pela vossa intolerância. Se as mãos do Apartheid nos assassinavam por alegado pretexto de perseguirem membros do ANC refugiados em Moçambique, e que lutavam contra o referido regime segregacionista, tornam-me impossível discernir o que preside ao vosso ódio, pois muitos destes a quem matais ressuscitaram de outras tantas mortes e golpes dos bóeres. Foram milhares de vezes que nós morremos, por servirmos a vossa causa. Morremos quando o Apartheid assassinou a professora da UEM, Ruth First, morremos na tentativa de homicídio contra Albie Sachs, na capital. Nós morremos milhares de vezes em “raids” do Apartheid contra a nossa indústria, na Matola. Ressuscitámos porque sabíamos que não havia tempo para morrer. A nossa missão era libertar-vos. Era uma causa prioritária e superior. Onde começa o humanismo está a ponta do fio para contar a história. E, nisto, o nosso internacionalismo, a nossa fraternidade, nunca pesou para o lado das contrapartidas. Sempre teve valores altos. Esta carga de violência com que vocês nos expulsam da vossa terra não difere em nada da forma como a Polícia racista vos confinava nos guetos, perseguia os nossos cidadãos indocumentados e os repatriava às sexta-feiras, através da fronteira comum da Ressano Garcia. Talvez haja na vossa amnésia uma forte cegueira. Mas quero recordar-vos que esses cidadãos que vós matais são os mesmos que acenaram com benevolência à nata de dirigentes do ANC no nosso país, entre os quais Lennox Lagu, Joe Slovo, Frenny Ginwala, Esop Pahad, Jacob Zuma. Estes a quem vós assassinais não têm tempo para morrer, porque revivem a amargura com que, depois dez anos nas masmorras do Apartheid, Zuma aqui chegou e encontrou acolhimento. Recordam-se do Zuma a conduzir um Volkswagen, sem ameaça de nenhuma ordem? O Thabo Mbeki e muitos jovens estudantes e combatentes na clandestinidade devem estar lembrados da forma como aqui foram acarinhados e passaram momentos de lazer, em cumplicidade com familiares de muitos dessas vítimas da vossa irracionalidade. Em Maputo, muitos guerrilheiros e comandos das células clandestinas do ANC e do PAC usufruíram da cúmplice protec- ção dos moçambicanos, que também se incorporaram na vossa causa. Talvez muitos de vós não sabeis que esses a quem vós matais eram aqueles que serviam os vossos líderes, em casas atribu- ídas pelo Estado moçambicano (alguns contam-me, em depoimentos, que, antes de fazerem o sorteio, chegavam a possuir chaves de três moradias deixadas por portugueses) no Triunfo, Sommerschield, Polana, defronte da Escola Internacional e nas avenidas “Mateus Sansão Mutemba”, “Julius Nyerere”, etc. Enquanto o Apartheid atacava o país, os valentes filhos desta terra a quem agora apedrejais baptizavam uma avenida de Maputo com o nome de Albert Luthuli, primeiro presidente do ANC. Essa herança de luta gerou matrimónio entre os dois Estados e os dois povos e sedimentou, através do calor e sangue comuns, como o forte e indestrutível betão que vós estais a destruir sem razão aparente. Há uma pergunta que me não cala no fundo da alma: Porquê, meus irmãos sul-africanos, matam moçambicanos? Why, my south african brothers, do you kill mozambicans?

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