quarta-feira, 15 de abril de 2015

Somos todos responsáveis

Somos todos responsáveis
14.04.2015
PAULA FERREIRA
Ainda não nos tínhamos recomposto do choque, e outra criança morria às mãos do adulto que tinha por missão protegê-la. À Bia e ao Henrique - a menina de quatro anos, e o menino de cinco meses - roubaram-lhes a vida sem que nada tivesse sido feito para os defender.
Teria sido possível mudar o curso das coisas? Eventualmente, não. Quando se entrega uma criança aos cuidados do pai, devemos poder partir sossegadas para o trabalho, confiando que o menino ficará bem. A mãe de Henrique confiou e enganou-se. Como a mãe de Bia, que deixou a filha entregue ao companheiro. A mãe de Bia, como a mãe de Henrique, vive na periferia de Lisboa e ganha a vida a fazer limpezas. As duas sofrem agora a dor da perda, da perda de um filho. Os agressores estão desempregados. Nada, porém, justifica agredir uma criança até à norte - Bia e Henrique morreram em casa, no local onde deviam estar mais protegidos.
No caso de Beatriz, a menina terá alertado para os maus-tratos que tanto ela como o irmão (internado em estado grave) sofriam. Os irmãos, graças a uma denúncia anónima, foram considerados crianças em risco pela Comissão de Proteção de Menores da área onde viviam, um bairro social em Loures. Insuficiente para evitar o pior.
Chegarão estes dois casos extremos para o Governo refletir e emendar os erros que tem cometido na organização das comissões de proteção de crianças e jovens? Como o JN noticiava na sexta-feira, há comissões em que cada técnico tem mais de 100 casos em mãos, nomeadamente as de Lisboa-Norte, que Loures integra. A agravar a situação, em vez de a resolver, o Ministério do Emprego e Segurança Social está a retirar técnicos, alguns altamente especializados, das comissões.
Com o sistema de proteção de menores numa situação "preocupante e emergencial", assim a classifica o sempre ponderado juiz Armando Leandro, iremos assistir a mais dramas como os de Oeiras e de Loures? A presidente do Instituto de Apoio à Criança, a magistrada Dulce Rocha, defendia ontem a criação de plano nacional para a proteção das crianças. Só com uma sociedade sensibilizada, e atenta aos sinais, as indefesas crianças podem ser defendidas. Mais ainda num país flagelado pelo desemprego, pela precariedade laboral, um país de "cofres cheios" e povo faminto. Os portugueses precisam de vencer a indiferença, tal como o anónimo que denunciou o caso de Bia. Infelizmente, não foi a tempo. Tentou, e o seu gesto vale por isso.

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