quinta-feira, 9 de abril de 2015

Sexo depois dos 50 anos no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos


09/04/2015 - 22:27


Mulher a quem justiça portuguesa reduziu indemnização depois de ter ficado quase inutilizada para a função sexual não se conforma.



O Tribunal Europeu dos Direitos dos Direitos Humanos recebeu uma queixa da portuguesa que viu o Supremo Tribunal Administrativo reduzir-lhe o valor de uma indemnização por ter ficado impedida de ter relações sexuais com normalidade na sequência de uma operação. Justificação dos juízes: o sexo após os 50 anos já não tem o mesmo valor.

O advogado da queixosa, Vítor Parente Ribeiro, sustenta que os magistrados violaram vários artigos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Alegando que a decisão dos juízes conselheiros do Supremo discrimina esta mulher “em função do sexo, da idade e de ter sido mãe”, sustenta que a sentença revela o “desprezo pelo direito ao sexo” e o “desconsidera” como “elemento essencial a um casamento feliz”.

Para reduzirem em 30 mil euros o valor da indemnização estipulada pela primeira instância por danos não patrimoniais, os juízes do Supremo Tribunal Administrativo alegaram, entre outros argumentos, que a vítima de negligência médica “já tinha 50 anos e dois filhos”, isto é, “uma idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança”.

Sem mais hipóteses de recurso em Portugal, depois de o polémico acórdão do Supremo Tribunal Administrativo ter transitado em julgado no final de Fevereiro, a mulher, hoje com 69 anos, decidiu recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Antes disso, a procuradora-geral-adjunta junto deste tribunal ainda tentou arguir a nulidade do acórdão, mas os juízes mantiveram-no na íntegra.

Na exposição de motivos da queixa agora apresentada, a defesa considera que os juízes conselheiros ignoraram que o homem e a mulher “são, pela sua natureza, seres sexuais” e que não levaram em conta “vários estudos científicos” que demonstram que “uma larga percentagem de mulheres tem uma vida erótica mais satisfatória entre os 50 e os 60 anos do que antes”.

Foi depois de ter sido operada a um problema ginecológico trivial, na Maternidade Alfredo da Costa, há 19 anos, que esta empregada doméstica ficou com uma incapacidade permanente de 73%, por lhe ter sido parcialmente lesado o nervo pudendo, durante a intervenção cirúrgica.

“Pode ter relações sexuais, mas com muita dificuldade”, refere a decisão de primeira instância, que estabelecera uma indemnização de 172 mil euros, para compensar o facto de ter ainda ficado com dificuldades em sentar-se e andar e passado a sofrer de incontinência urinária e fecal. Ficou ainda provado que a mulher, que era casada na altura, passou a sofrer de “perda de sensibilidade e inchaço na zona vaginal”, além de sentir dores e mau estar constante.

“O facto de não ter relações sexuais e, nessa parte, ter visto a sua vida conjugal terminada, faz com que se sinta uma pessoa diferente das demais, diminuída como mulher”, reconheceram os juízes, notando que o quadro depressivo motivado pela irreversibilidade da situação a fez ponderar o suicídio.

O caso andou pelos tribunais anos a fio, com a maternidade a argumentar que os factos tinham prescrito e a alegar até que os problemas não haviam sido provocados pela cirurgia mas pelos dois partos que ela fizera e por uma intervenção às hemorróidas a que se submetera.

Em Outubro de 2013, porém, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa condenou a instituição a pagar os 172 mil euros, acrescidos de juros.

Apesar de reconhecer a incapacidade e o sofrimento causado, o Supremo Tribunal Administrativo baixou a compensação para 111 mil euros. Entre outras razões, por considerarem os juízes que a operação “mais não fez do que agravar uma situação anterior já difícil”, dado que a empregada doméstica já antes padecia de “dores insuportáveis e sintomas depressivos”. E a indemnização por danos não patrimoniais passou de 80 mil para 50 mil euros.

A sentença foi noticiada pelo New York Times, que citou um professor de Direito da Universidade Católica, João Gama, numa comparação com o caso de um homem de 55 anos que passou a sofrer de problemas de erecção depois de a sua próstata ter sido indevidamente removida. Recebeu uma indemnização de cem mil euros. "Os tribunais valorizam as vidas sexuais dos mais velhos se forem homens e ricos", observou o docente.

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