domingo, 19 de abril de 2015

O que motiva a ira dos negros?



Moeletsi Mbeki * 
13 ABRIL DE 2015
A liberdade pouco tem feito, para unir uma nação mais do que nunca, dividida pela economia.
Após a introdução da democracia em 94 e o facto de a população branca da África do Sul ter mantido a sua riqueza, este facto desperta muita zanga em certos círculos da população negra. No entanto, estes não são os únicos círculos zangados com o desfecho de uma África do Sul livre.
Um outro mote da zanga em outros círculos da população negra é o rápido crescimento dos negros super-ricos e que, há apenas alguns anos, eram os líderes na luta contra o apartheid. Estes super-ricos são os beneficiários dos esquemas de enriquecimento rápido do governo do ANC – Empoderamento Económico Negro e Acção Afirmativa de emprego no sector público - desenvolvido para beneficiar os líderes, suas famílias e favorecer pessoas do mesmo círculo. 
O terceiro e mais potente motivo da zanga e em outro círculo de negros é a política do governo, que têm levado à África do Sul, a desindustrialização, ao aumento do desemprego, incompetência e a corrupção que impera na prestação de serviços aos negros pobres.
Não se trata apenas dos diferentes círculos de negros que estão zangados. Há pois, círculos de sul-africanos brancos que também estão zangados. No artigo “O declínio das relações entre as raças ”(City Press, 22 de Março 2015), Tim du Plessis descreve as suas frustrações com a exigência de Mondli Makhanya de que ele e outros brancos deviam arrepender-se e retractar-se dos seus pecados do passado por se terem beneficiado do regime do apartheid.
Com tanta raiva no país, a África do Sul, de acordo com alguns observadores, é uma pilha de folhas secas e galhos à espera de uma chama para iniciar a conflagração que irá resultar em revolução.
Aos líderes revolucionários do país - Julius Malema, Liv Shange e Irvin Jim, para citar alguns - A África do Sul está madura para uma revolução socialista negra. Mesmo para os negros reformistas que agora estão sentados confortavelmente - Jacob Zuma e a liderança do ANC - a África do Sul está madura para outra mudança que se chama de “Segunda transição”.
Voltando às exigências eloquentes de Makhanya sobre o que os sul-africanos brancos devem fazer para aplacar a zanga dos negros, devo lembrar-lhe do que, o estudante norte-americano e bem-sucedido em relações internacionais Henry Kissinger disse aos egípcios no início das negociações para terminar a sua guerra com Israel em Outubro de 1973. Henry Kessinger aconselhou aos egípcios que não esperassem ganhar na mesa de negociação o que haviam perdido no campo de batalha.
Durante 30 anos - de 1960 a 1990 - organizações lideradas ou apoiadas pela maioria dos negros sul-africanos e africanos no continente quer através da Organização de Unidade Africana, ANC , Congresso Pan Africano (PAC), travaram uma guerra contra o governo do Partido Nacional de branco. Cada lado infligiu baixas no outro.
No entanto, em nenhum momento os movimentos negros de libertação foram capazes de libertar um único metro quadrado de território do regime do apartheid. O objectivo da guerra é desalojar à força o território ou de uma parte do território do inimigo e assumir os territórios conquistados, bem como a população residente, e estabelecer uma nova administração.
A nova administração deve ser capaz de administrar o território, em linha de conta com os objectivos do movimento de libertação. Isso nunca aconteceu na África do Sul durante o período da luta armada.
Muito tem sido dito pelos dirigentes do ANC e PAC sobre suas conquistas na luta contra o regime do apartheid. Em 1990 o ANC admitiu que, nunca libertou territórios na África do Sul. O ANC tranquilamente redefiniu a sua antiga luta armada apenas como propaganda armada.
O conselho de Kissinger aos egípcios aplica-se em igual medida aos negros sul-africanos como Makhanya, que desejam impor “condições de rendição” dos sul-africanos brancos 21 anos após o fim do apartheid. Só se pode ditar condições a um adversário que foi derrotado militarmente.
A história é muito mais simples do que Makhanya vê.
Nem o ANC nem o PAC travaram uma guerra com a intenção de derrotar o governo de minoria branca. O objectivo da luta de libertação sempre foi a luta pela inclusão da população negra no estado e nas instituições económicas da África do Sul capitalista. Estas eram instituições foram estabelecidas pelos britânicos em 1854, quando foi implementada a constituição não racial no Cabo, e em 1902, quando as repúblicas Boeres foram esmagadas pelo exército britânico numa guerra real e quando o sistema capitalista actual da África do Sul foi consolidado pela administração estabelecida por Sir Alfred Milner nas repúblicas boers.
A questão que Makhanya deve então colocar-se é: Os movimentos de libertação negra alcançaram os seus objectivos de integração no sistema capitalista da África do Sul? A resposta a esta questão pergunta é sem dúvida, Sim.
A segunda questão que Makhanya deveria ter-se colocado é: quem, entre os negros foi incorporado no sistema capitalista da África do Sul? A resposta a esta questão aborda as questões que Makhanya e Du Plessis tentaram resolver, mas não conseguiram responder.
O povo negro foi incorporado no sistema capitalista na África do Sul séculos antes de 1994.
Os mestiços foram incorporados como escravos por volta de 1657; os indianos como trabalhadores da indústria açucareira já em 1860; e os africanos como lavradores, trabalhadores domésticos e mineiros desde os meados do século 19. Muito pouco mudou desde a incorporação inicial dos trabalhadores mestiços, indianos e africanos.
O que mudou fundamentalmente foi a posição do que eu chamaria de elite política negra.
Estes eram profissionais negros que lideraram as lutas desde a metade do século 19 contra a sua exclusão por motivos raciais nos benefícios da sociedade capitalista na África do Sul. A luta pela incorporação da elite política negra já foi vencida, não militarmente, mas através de eleições que foram acordados com os representantes dos brancos. A elite política negra controla agora o governo da África do Sul.
Esta elite usa o controlo que tem sobre o estado para adquirir uma multiplicidade de benefícios para si mesma e que são permitidas nos termos da Constituição - e às vezes não são permitidas. A Constituição não dá à nova elite política poderes para decidir como é que o branco ou, neste caso os negros sul-africanos devem viver ou, o que devem pensar.
A Constituição define quais são os direitos dos cidadãos, como devem ser aplicados, como é que o governo, deve ser constituído e como deve funcionar. Isso parece simples, mas muitas vezes não é compreendido por muitos políticos e analistas políticos que imaginam que, os políticos têm todos os tipos de poderes e que na realidade não têm.
A Constituição não confere à elite política negra o direito de esmagar pela força aqueles que ameaçam os benefícios que goza em parceria e sobretudo com a elite económica branca. De qualquer modo, nem todos os brancos são membros da elite económica; muitos são apenas os funcionários da elite.
Não havia brancos na estrutura de comando que esmagou o protesto dos trabalhadores das minas da Lonmin em Marikana em 2012. Esta estrutura de comando incluía Cyril Ramaphosa, da direcção da Lonmin, o então ministro do Interior Nathi Mthethwa, a Ministra das Minas Susan Shabangu, o Comissário Nacional da Polícia Riah Phiyega e a Polícia da AS que ordenaram aos comandantes de campo, no 16 de Agosto daquele ano, que levassem carros mortuários como equipamento essencial para o “controlo de multidões”.
O que tudo isto nos diz é que, não há contradições inerentes entre os sul-africanos negros e brancos.
A dinâmica mais importante nos dias de hoje na África do Sul é a emergência e o crescimento rápido da diferenciação social entre os negros, e a incorporação da elite política negra nos altos escalões do sistema económico e social herdado em 1994.
No entanto, essa dinâmica também acciona o crescente conflito no país entre aqueles que têm e aqueles que não têm. Os que não têm continuam em grande parte a ser os trabalhadores negros que continuam pobres, tal como o foram durante séculos, mas os que têm hoje, representam a verdadeira dimensão do aspecto democrático não racial e não sexista da África do Sul.
Para onde irá a África do Sul com esta dinâmica dos que têm e dos que não têm? A resposta resumida é: é muito cedo para dizer.
* Vice Presidente do Instituto de Relações Internacionais da África do Sul, Universidade de Witwatersrand, Joanesburgo.
Autor de “Os arquitectos da Pobreza: Porque é que o Capitalismo Africano precisa de Mudar” e editor de “Advogados para a Mudança: como superar os desafios em África”

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