quarta-feira, 15 de abril de 2015

O Mérito em se discutir as Regiões Autónomas


SEXTA-FEIRA, 3 DE ABRIL DE 2015


Sobre poucas coisas,
todos dizemos estar de acordo.
Porque para todas,
bastam os cemitérios.
Virgílio Ferreira


Contrariamente a muitos que ja li por aqui, eu não estou preocupado com a pouca perícia jurídica que se encerra na proposta depositada pela RENAMO na AR. Explico-me melhor, alguns legalistas, consideram, que aquele pacote deveria estar, logo à partida, totalmente de acordo com toda uma teia de decretos, ofícios e leis da República de Moçambique, antes da sua remissão ao parlamento.


Ora bem, eu acho que o assunto é muito mais político do que jurídico. O mínimo que poderá acontecer, caso o bom-senso prevaleça, é que as duas maiores forças políticas de Moçambique concordem em formar uma comissão "Ad-Hoc" , com prazo de vida curto, especializada em técnica jurídica e administrativa de forma a conformá-lo com a Constituição da República.


É que se a RENAMO e o MDM passassem sempre a apresentar propostas de lei amarradas aos preceitos jurídicos em vigor, num Estado de Direito que se reconheçe umbilicalmente ligado ao partido FRELIMO, então melhor seria que se filiassem antes neste último partido. Visto que, não sendo assim estaria esvaziado o conceito de oposição política e a substituição do debate por "parecer jurídico" tecnocrático de um grupo de eleitos por voto universal a cada lustro.


E como muito bem alertava o finado Cistac, aquém se atribui a autoria do projecto-lei da RENAMO, mas que todavia ainda estava por completar, a autonomia das províncias, leve o tempo que levar, e seja pela forma que se acordar, é algo experimental, porém inevitável. E por bastas razões. Eis alguns exemplos elucidativos.


As províncias de Maputo e a cidade capital com o mesmo nome, juntas arrecadam mais de 2/3 da receitas fiscais em impostos directos e indirectos, a que se acrescem os "royalties" dos megaprojectos directamente depositados no Tesouro moçambicano.


Ao se fazer a sua redistribuição, quase 80% do OGE é canalizado aos serviços centrais localizados na capital do país. Estamos a falar de algo que se aproxima aos 30% do nosso PIB. Somente 10-12% desta maquia é que são destinados aos orçamentos provinciais e distritais, sendo quase na sua totalidade, gastos com despesas de representação, administrativas e salários. Mas mesmo em relação a estes últimos, há situacoes em que os beneficiários acumulam estas regalias com outras centralmente atribuídas, pois estão em comissão de serviço em locais onde não há e-Sistafe.


Finalmente, uma ínfima percentagem do OGE é colocada ao serviço dos famosos "7 milhões", que alguns, inclusive Oscar Monteiro, dizem ter sido uma excelente ideia, porém "mal implementada", porque na sua visão, permitem drenar fundos que possibilitam a iniciativa local.


Não estou de acordo com eles. Porque considero que o fundamento do "centrão" prevalece sempre como um ferrete nos tais fundos locais. E o propósito é muito óbvio, um fundo de maneio para manter o sistema patrimonialista de livre-empresa que a FRELIMO vem criando desde 1984, onde, do dia para a noite, funcionários públicos mergulharam na empresa privada às apalpadelas. Sabemos hoje, pelas dívidas das Obrigações do Tesouro, quão penosas e desastrosas as mesmas tem sido para o erário público.


Por outras palavras, os famigerados "sete milhões" nunca passaram de uma extensão do orçamento dos serviços centrais localizados na cidade de Maputo. Em suma, nunca deixaram de ser uma "colonização financeira" do Sul em relação ao resto do país, antes do mais, uma colonização que se respalda no núcleo duro do partido FRELIMO cujo presidente era até 29 de Abril, de facto, o PR oficioso deste país, situação entretanto remediada com a ascenção de Nyusi para aquele posto, pondo fim a meses de disputa interna.


Olhando para o panorama actual das receitas provinciais, distritais e autárquicas, percebe-se por que não se está simplesmente a elaborar ao acaso em relação a isto.


Poucos são, do ponto vista regional e municipal, os impostos e os espaços jurisdicionais geridos autonomamente a esse nível, localizados acima do rio Save. Tirando o imposto sobre veículos, o predial, emolumentos e alguns DUATs e algumas posturas camarárias com relação ao lixo, pouco ou nada entra nos cofres autárquicos. E mesmo estes, disputam o universo arrecadatório com as direcções provinciais de finanças, que estão obrigadas a tranferir a receita para o Tesouro, se bem que muitas vezes não o cheguem a fazer, o que levanta outro tipo de interrogações quanto ao seu destino.


E as nossas municipalidades, não têm sequer autonomia de "per si" para fazerem aprovar impostos sem a luz verde da administração central. E muitas vezes até, como vemos nas cidades da Beira e Quelimane, tem de se submeter a um escrutínio prévio de Administradores Distritais com funções burocráticas excessivas e limitadoras ditadas pelo poder central.


Mesmo a nível da tão elogiada administração fiscal há areia na engrenagem, pois todos os impostos colectados por bens, serviços e rendimentos indexados aos salários por conta dos megaprojectos - não olvidando, a segurança social - são canalizados centralmente por intermédio das Unidades de Grandes Contribuintes, o que constitui uma grande injustiça laboral. Não cabe na cabeça de ninguém, que uma repartição fiscal em Cuamba ou Montepuez realize o trabalho técnico de inspecção, colecta e depois remeta o "suor" do mesmo a um burocrata confortavelmente instalado em Nampula, cujo ofício é assinar uma nota de entrega ao Tesouro!


Por isso, há toda a lógica em se reclamar 50% dos "royalties" obtidos na exploração de recursos naturais no espaco de jurisdição autárquica, para comeco de conversa. Mas para tal, tem que se elevar o conceito muito para lá das urbes, onde vários juristas insistem em nos confinar. Chamemo-las "autarquias de categoria superior" ou o que quisermos, mas algo novo tem de ser feito e rapidamente a nível da administração do Estado para corrigir estas assimetrias regionais que nos acompanham desde 1975. E isso começa pela redistribuição da riqueza "de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades", conceito aliás, que tantas e tantas vezes, nos apregoaram os defensores do "pais UNO e INDIVISIVEL". Talvez por isso seja importante nos perguntarmos:


- Mas quem SÃO os que se opõem às "regiões autónomas" e porquê?


Fazendo um levantamento muito por cima consegue-se identificar facilmente três grandes actores.


Em primeiro lugar, as multinacionais extractivas e suas ansiosas chancelarias em Maputo. De um modo geral, estão contra as regiões autónomas pois, a alteração do ordenamento jurídico nacional poria em causa os contractos de exploração leoninos já rubricados com o Governo de Maputo e consequentemente a sua planificação fiscal internacional, com reflexos em Bolsa;


Em segundo lugar surge o empresariado nacional filiado na CTA e suas antenas regionais. De um modo geral, estão contra as regiões autónomas, por diversos motivos. Para começar, porque lhes reduz as verbas das Obrigações do Tesouro e outros subsídios e benefícios fiscais, responsáveis afinal pela "prosperidade" dos seus negócios. Além disso, reduz a sua influência em processos negociais com investidores estrangeiros, mas também com Bretton Woods. E por último, reduz os privilégios que algumas minorias raciais conquistaram nas ultimas décadas por conta de um posicionamento "don't ask, don't tell" perante as políticas de Guebuza em particular. Assim, mesmo muitas vezes sujeitos a rótulos raciais prejorativos por parte dos círculos radicais da FRELIMO, o seu dinheiro, nível intelectual e académico, e os contactos privilegiados que sempre mantiveram no exterior, são, juntamente com a sua fidelidade político-partidária, uma moeda de troca aceite para se tolerar a sua existencia;


E em terceiro e último lugar, surgem atrelados os funcionários públicos, que na sua maioria, manifestam-se contra as regiões autónomas, porque estas lhes vão retirar o poder causuístico que favorece a pequena corrupção que lhes compensa os salários de fome, fenómeno muito bem descrito num paper de João Feijó. Sendo uma boa parte da Função Pública membro ou simpatizante do chamado “Aparelho FRELIMO”, é natural que se manifestem publicamente de acordo com as orientações da sua liderança partidária, se bem que, em privado, muitas vezes tenham uma opinião diferente.


O medo da mudança também lhes apavora, sobretudo, por saberem que uma grande parte lá está não por mérito próprio, mas sim como consequência de uma complexa cadeia de favores políticos, raciais e até tribais, por mim escalpelizados em 2011 aqui. Sendo essa a única referência conhecida por sí para uma carreira bem-sucedida no Estado, é natural que muitos pensem que, no contexto provincial, estas mesmas dinâmicas sejam imitadas por membros ou simpatizantes da Oposição que actualmente estão excluidos delas.


Em suma, para que a RENAMO leve o seu projecto de Autonomia a bom porto, deverá encontrar os antídotos para eliminar ou circunscrever as ameaças que poderão surgir destes três importantes actores. E isso é algo que, quanto a mim, ainda está por ser feito. Pois, pelo que pudemos acompanhar na recente visita de Balói a França, logo após o assassinato de Cistac, a nossa Oposição noves fora sempre zero, no que tange a política externa, ou pelo menos ao nível da mass-media daquele país.


E quanto ao empresariado nacional, tirando uma mão cheia de carolas no Centro e Norte de Moçambique, tudo está abduzido e arregimentado pela FRELIMO. Não sendo isto, um motivo para a Oposição gastar suas munições por agora, é algo sempre a ter em conta, pois afinal, é por intermédio destes que a rede clientelista consegue manter o fluxo dos fundos que mantém a formidável máquina político-partidária da FRELIMO, que apostou num estilo demagógico e populista a que ja se denominou de "governação em campanha".


Por último, temos a Função Pública, faca de dois gumes, porém chave para o sucesso de autonomizacao da RENAMO. Seja pela quantidade e qualidade dos quadros da FRELIMO que preenchem o “Aparelho”, os quais, a RENAMO precisa reunir em torno do seu projecto para viabilizá-lo sem ser pela confrontação militar. Seja pela natural resistência a mudança deste, como sucederia em qualquer país do mundo.


Porque do grosso do seu eleitorado, estou certo, apoios nunca faltarão à RENAMO, por todas as razões que possam existir ( e até muitas outras).


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