quinta-feira, 9 de abril de 2015

E ja vamos no sexto!

E ja vamos no sexto!
De acordo com o novo ministro da Educacao, a solucao panaceia para os seus problemas esta encontrada. Rever o Sistema Nacional de Ensino para ajusta-lo as novas dinamicas e necessidades do sector. Onde e que ja ouvi eu isto?
E nao se fica por ai, o sr. ministro "Unilurio" entende tambem que a luta dos 120 mil professores que temos - e ja agora de qualquer funcionario publico que eu conheca - pela formacao superior com o objectivo de aumentar o rendimento, ignora o profissionalismo. Ou seja, o "carreirismo" e um problema bicudo na educacao.
E com estas brilhantes conclusoes, que todo mundo ja sabia, ca vamos nos para o SEXTO programa de revisao da nossa burrice, certamente com mais fundos pedinchados ao Ban(c)do Mundial. Fazer o que?
No fundo, este ministro so nos motiva a revisitar certos episodios que ja vimos no passado, feitos por seus homologos. Pois se ha coisa que nunca consegui perceber destes "quadros" da FRELIMO e a propensao para cometerem sempre o mesmo tipo de asneiras. Tautologico.
Ficcionemos entao, premonitoriamente, o destino do Ministro "Unango - 400 mil ha reloaded" daqui a 365 dias. Certa vez, um general estava de partida e na cerimónia de passagem de pastas, o seu antecessor entregou-lhe três envelopes, com instrucoes precisas para que, quando lhe surgisse o seu primeiro grande problema, abrisse o primeiro envelope. Todos os problemas graves subsequentes deveriam, logicamente, seguir o mesmo procedimento.
Zeloso, o novo general pegou nos tres envelopes e enfiou-os cuidadosamente num cofre para que ninguem, senao o proprio, os violasse na hora certa.
Ate ao dia em que se deparou com o seu primeiro grande problema. E abriu o primeiro envelope. La encontrou uma mensagem laconica: "Culpar o seu antecessor!". E assim, foi a terreiro e desfez a reputacao do seu antecessor ate que a situacao acalmasse. E tao logo a vida lhe pareceu voltar à normalidade.
Mas foi sol de pouca dura. Ainda mal se refazia do embate e ja estava perante o seu segundo grande problema. Afoito, foi novamente ao cofre e abriu o seu segundo envelope. La estava escrita somente uma frase: "Remodelacao!". E assim fez. Mas o processo mostrou-se tao complicado, quanto moroso, que acabou agravando qualquer outro problema, ainda que insignificante a partida. Inumeros assuntos ficaram parados, a espera que a remodelação acabasse, coisa que na realidade nunca veio a acontecer.
Nao tardou por isso, que se deparasse com o seu terceiro grande problema. Ai nem pestanejou quando correu para o cofre para abrir o terceiro envelope. Abriu-o e leu-o estarrecido: " Prepare tres envelopes!"
Moral da historia:
A tendência para se remodelar no lugar de fazer o que tem de ser feito e antiga e nos acompanha desde os primórdios. E nada melhor do que um fragmento historico de Roma Antiga para a percebermos bem:
"...Treinamos muito, mas pareceu-me que cada vez que constituíamos grupos de trabalho solidos vinha uma remodelacao. E aprendi mais tarde que tendemos a apelar a reorganizacao sempre que um novo obstaculo nos impede de avançar. Mas que metodo fantástico de governacao e este, que cria a ilusao exterior de progresso, enquanto internamente gera a confusao, a ineficiencia e a desmoralizacao..."
(Gaius Petronious, 66 DC).

Qualidade de ensino em Moçambique: de pequenino é que se torce o pepino
"Não me culpai sozinho! Eu sou apenas o elo mais fraco de toda a corrente."
Isto não vai sair como eu gostaria, mas creio que a ideia vai ficar clara… Ignorai o meu pedantismo e tentai seguir o meu raciocínio.
Estou a conversar com alguém, um amigo, que me diz:
— Dizem que, em Moçambique, a qualidade do ensino é fraca, porque o professor é mal qualificado.
Depois de ouvir o meu interlocutor, eu penso com os meus botões e me digo: «mas isso é algo que eu também já sei, com suporte em evidência anedóctica.». E volto para ele e lhe pergunto:
— Mas… quem é que diz isso?
Ele (o meu interlocutor) responde:
— É um estudo!
Esta resposta gera em mim outra pergunta:
— Quem conduziu esse estudo?
E a resposta dele foi:
— Dizem que foi o banco Mundial!
Franzi o sobrolho e lhe perguntei, em rajada:
— Qual era o objectivo do estudo? Qual foi a metodologia usada nesse estudo? Que variáveis ou parâmetros de ensino foram consideradas? Quem esteve envolvido? Entre estes, haviam moçambicanos?
Ele olhou fixamente para mim, ensaiou um sorriso que eu não sei caracterizar, engoliu em seco e disse:
— Hei! Todas essas perguntas?! Afinal o que importa não é a conclusão do estudo, para sabermos o que fazer? Essas perguntas todas já não são relevantes neste momento! O estudo concluiu que a má qualidade do ensino está associada com a fraca qualidade do professor. Vamos mas é ver como melhorar a qualidade do nosso professor. Quem fez o estudo é o Banco Mundial, pelo que não vejo motivo para questionar a conclusão a que se chegou. O Banco Mundial é uma instituição de créditos inquestionáveis. Não iam contratar um curioso qualquer para fazer o estudo. Certamente que contrataram autoridades credenciadas em pesquisa educacional. Por isso, não vejo por onde pôr em questão resultado do estudo referido aqui, que é o que tu estás a tentar fazer com as tuas tantas perguntas. O que nos resta para matéria desta conversa é saber o que o estudo recomenda. Fazemos isso e pronto…!
Eu olhei-o nos olhos para entender mais alguma coisa… e perguntei:
— O que fazes quando estás com dor de cabeça ou estás com febre?
Ele respondeu:
— Tomo uma aspirina ou um papacetamol, claro!
Eu disse:
— Não pensei que me fosses dar uma resposta dessas. Eu explico. A dor de cabeça e a febre não são consideradas doenças. São sintomas. Um sintoma é um provável indício de doença. A doença e o seu indício são duas coisas distintas, do mesmo modo que o pensamento é fisicamente distinto do objecto a que se refere. Um sintoma dá indicação preliminar do diagnóstico da provável doença. Para eliminar dúvidas, o médico requisita exames mais detalhados. A doença fica definitivamente diagnosticada quando se determina o órgão afectado, bem com o agente patológico e o mecanismo de infecção. Tomar uma aspirina ou um papacetamol alivia temporariamente a dor de cabeça ou a febre, mas não elimina a doença que ela (dor de cabeça ou a febre) indicia. Os sintomas só desaparecem definitivamente quando a sua causa fundamental—a doença—é identificada e tratada. Por analogia, o mau professor é apenas um sintoma de um problema mais sério que afecta a qualidade de ensino em Moçambique. As minhas muitas perguntas são para verificar se o estudo que conduziu à conclusão de que a má qualidade de ensino é consequência da qualidade o professor foi devidamente exaustivo, pois caso contrário as recomendações desse estudo não são fiáveis.
Vou parar aqui este conto da conversa que tive com o meu amigo, e dizer que o professor é apenas o elo mais fraco no nosso sistema de educação, tal como o polícia foi identificado por Tomás Timbane, como o «elo mais fraco no sistema de administração da justiça». Eu estou muito atento às movimentações que se estão a fazer no sector da educação, com vista a trazer melhorias substantivas na qualidade do nosso ensino.
O meu entendimento (baseado em evidência anedóctica) é de que a qualidade do ensino no nosso país degradou-se concomitantemente com a degradação de valores na nossa sociedade. Com efeito, há uma máxima que diz:
«O professor é o espelho da sociedade».
Só que este «espelho» não se produz por si. A própria sociedade é que tem que produzir o «espelho» que quer ter. E isto aplica-se igualmente a todas as demais profissões. Então vem a pergunta:
Onde se extrai a matéria-prima para a "fabrico" dos nossos «espelhos»?
Ocorre que a "mina" onde se extrai a "matéria-prima" para a produção dos nossos «espelhos» é a nossa própria família. A família é a célula da sociedade. O professor, antes de ser professor é um "filho" numa família. É nesta família onde ele é "filho" ( = filho biológico ou adoptivo, irmão, neto, sobrinho, cunhado, …), antes de ser professor, onde ele aprende a ser pessoa. Por sua vez, esta família está inserida numa comunidade que preserva um conjunto de valores de convivência social. Portanto, os primeiros intervenientes no "fabrico" do «espelho da sociedade» são os pais, auxiliados pelos vizinhos, pela comunidade.
E qual é a escola dos pais em Moçambique? A escola dos pais é, de novo, a própria família e a comunidade em que esta (família) está inserida. No nosso país, eu não conheço outra escola para educação dos pais, senão a família e a comunidade. Esta "escola" desempenha um papel crucial na formação do nosso professor, no "fabrico" do nosso «espelho». É nesta "escola" onde se faz a "extracção e o processamento" da "matéria-prima" requerida para a "fabrico" do espelho que a sociedade precisa para nele (espelho) se ver.
Por duas ocasiões, deixei ficar aqui o meu pensamento sobre a educação em Moçambique. Numa dessas ocasiões, asseverei—guiado, com já o disse, por intuição informada pela evidência anedóctica—que o nosso sistema de educação em Moçambique é pedante. Hoje é a terceira vez que volto a reflectir sobre o assunto educação, com enfoque no ensino. Faço-o na forma de divertimento intelectual, para interacção com pessoas interessadas. A razão do meu interesse pelo tema é profissional: eu sou praticante de educação! Nesta qualidade, tenho questões para colocar. Não ao professor. Nem ao Governo. Mas à sociedade. São seguintes:
1. Afina qual é essa sociedade que avalia professor que a serve, e chega à conclusão de ele (o professor) é mal qualificado?
2. Onde obteve esta sociedade, que tem maus professores, a formação que se julga ter para avaliar o professor?
3. Quais são os requisitos para se ser professor em Moçambique?
4. Quais são os critérios de selecção de candidatos a professores?
5. Em que ambiente decorre a formação do professor?
6. Quem é o instrutor do professor e em que condições trabalha?
7. Após a formação, que condições de trabalho o professor encontra na escola onde vai trabalhar?
8. Que perfil tem o aluno que é entregue ao professor para este ensinar?
9. Como é que os pais/educadores desse aluno olham para a educação do seu filho/educando?
10. Já agora, só de passagem por outros sectores, os médicos, enfermeiros, policias, engenheiros, advogados, magistrados, … que temos são bons?
Esta lista de questões ilustra que um estudo para a avaliar a qualidade de ensino é complexo, se for para produzir resultados sérios, para informar as acções a tomar para a solução do problema. De modo que a mim me parece leviano dizer-se que a qualidade de ensino em Moçambique é fraca por causa do professor que é mal qualificado profissionalmente. Posso concordar parcialmente com esta conclusão. Porém, do meu argumento anterior (aqui, acima) decorre a ideia de que a má qualidade dos nossos quadros não está só na educação, mas também em todas os domínios de actividade profissional. Tenho em mim que a má qualidade de quadros no nosso país é consequência de um problema complexo e muito mais sério, que começa nas nossas casas. Aquela máxima de que «de pequenino se torce o pepino» encerra a chave da solução desse problema. Uma sociedade que se quer organizada de forma sistemática tem que ter um sistema de transmissão de valores plenamente funcional. Onde existe um sistema de transmissão de valores que funciona em pleno, há um padrão de comportamento, de maneira de pensar e de agir, e até de fazer coisas como escrever. Por exemplo, os povos holandês, cubano, russo, …, têm cada um uma caligrafia típica que os identifica de forma única.
Qual é o nosso (nós moçambicanos) sistema de transmissão de valores, se é que temos? Temos uma caligrafia que nos identifica como moçambicanos? Temos um padrão claro de maneira de ser e de agir que nos identifica como moçambicanos? As pessoas que nos visitam dizem que somos um povo hospitaleiro, afável e blá, blá, blá, … Sabemos quais são os rasgos dessa nossa hospitalidade, afabilidade, etc.? Como cultivamos essas qualidades como "valores" vistos por outros como definindo a nosso modo de ser e estar? Um estudo sério para a avaliar a qualidade do nosso ensino tem que considerar estas questões todas, em adição às colocadas anteriormente.
Para o que segue, importa repetir aqui a minha definição de educação:
Educação = Formação + Instrução.
A formação privilegia a transmissão de valores, ocorrendo preferencialmente no meio social, isto é, na família e na comunidade. A instrução privilegia o desenvolvimento de habilidades de organizar e exprimir o pensamento e de executar tarefas. A educação consiste na integração deste duas componentes. Basta que uma destas componentes seja fraca, para que a educação seja de fraca qualidade.
Portanto, bons quadros formam-se a partir de pessoas bem formadas no meio social, a partir da família e da comunidade. Então a fraca qualidade dos nossos quadros começa com a fraca formação que recebemos no meio familiar e na comunidade. O meio familiar é a primeira escola de formação dos nossos professores, polícias, magistrados, advogados, médicos, etc. A escola formal ( = centro de instrução) está no fim da cadeia de transmissão de valores. Ao repensarmos o nosso ensino com vista à produção de bons quadros ( = professores, enfermeiros, médicos, polícias, engenheiros, …) temos que pensar no papel crucial da família e da comunidade no nosso sistema de educação. É na família e na comunidade onde a máxima «de pequenino se torce o pepino» melhor se aplica.
Quer dizer, se a preparação do professor não começar no meio familiar e na comunidade, não se pode esperar milagres na escola formal, tampouco nos dias de hoje em que as tecnologias de informação e comunicação permitem que todos (crianças inclusas) tenhamos acesso a tudo. O uso das tecnologias de informação e comunicação fora de controlo parental, ou com controlo parental deficiente, rouba a infância das crianças e a atenção que os pais deveriam dedicar aos seus filhos. Usar 'gadgets' anima, mas cria preguiça mental, imobiliza o intelecto, cria dependência. Um professor, engenheiro, médico, …, a quem lhe foi roubada a infância, será criança na idade adulta. A infância é uma fase de desenvolvimento do ser humano que não pode ser evitada. A formação de bons professores começa com a formação de bons pais, de pais responsáveis e diligentes com a educação dos seus filhos. Pais capazes de saber seleccionar e oferecer brinquedos aos filhos com base no critério de idade. Os brinquedos são meios de instrução da criança e tem funções definidas em função da idade da criança. O que ocorre em Moçambique é que os pais roubam a infância das crianças, por lhes oferecer "brinquedos" não adequados para a sua idade. São exemplos de tais "brinquedos" os 'smart phones', as 'play stations', os programas televisivos não classificados para crianças (e.g. telenovelas e filmes), entre outros.
No âmbito de repensar a qualidade de ensino em Moçambique, é, pois, necessário pensar-se, também, na formação dos pais, bem como no lugar e papel da família, da comunidade e das nossas tradições no nosso sistema de educação formal. Como disse acima, actualmente o nosso sistema de educação privilegia a instrução em detrimento da formação do indivíduo para ser pessoa. Esta componente de desenvolvimento humano está praticamente ausente no nosso sistema de educação. Um sistema com este tipo de desvio é pedante, pelo que produz pedantes aos montes. Pedantes são quadros com muitos conhecimentos teóricos (lêem muito!) e, por isso, excelentes na argumentação e na retórica, mas não incapazes de criar ou inventar. Não são produtores de obras, nem de novo conhecimento. São quadros cuja capacidade intelectual está limitada ao que aprenderam nas carteiras da escola e nos livros que leram, mas que têm aversão pela aventura de fazer coisas que nunca foram feitas por ninguém; têm pavor de serem ridículos. Pedantes são quadros excessivamente prudentes, e que se gabam da sua prudência excessiva, ignorando completamente que a prudência excessiva é inimiga do progresso. Entre os negros, por exemplo, dificilmente saem praticantes bem-sucedidos de desportos extremos, porque as brincadeiras perigosas são reprimidas na infância. Os pais têm medo que a criança se fira seriamente. A criança começa a aprender a ser pedante por essa altura. Todo o potencial de desenvolver os seus múltiplos talentos fica atrofiado com esse pedantismo. A narrativa da nossa criança passa a ser dominada por expressões negativas do tipo «não faz isso!», «não faz aquilo!». Pior, nunca se explica por que não se deve/pode fazer isto ou aquilo. E a criança evolui numa pessoa que carrega tais limitações por toda a sua vida, impedida de explorar exaustivamente o seu potencial desde a tenra idade. Eis uma das razões para os negros não serem donos de patentes de seja qual for engenho que encerra grande risco no seu uso (e.g. arma de fogo e motor de motocicleta).
Esta situação tem que mudar! A componente de desenvolvimento humano tem que entrar no nosso sistema de educação, devendo incluir a formação dos pais dos alunos de hoje, que serão os profissionais do futuro. A meu ver, só esta forma holística de olhar para educação, incluindo a componente de desenvolvimento humano que não descura a família, é que vai permitir romper o ciclo vicioso da mediocridade em que nos encontramos actualmente, no qual ficamos todos nos acusando uns aos outros, sem que ninguém tenha razão.
Em suma, bons professores, enfermeiros, médicos, engenheiros, cientistas, economistas, gestores, polícias, detectives, magistrados, advogados, carpinteiros, pilotos, escriturários, mainatos, sapateiros, pedreiros, marceneiros, comerciantes, enfim, profissionais de todos os ramos de actividade humana, que amem as suas profissões e se esmeram por oferecer produtos e/ou serviços de elevada qualidade, e estejam orientados à satisfação dos utentes dos seus produto/serviços, e não ao lucro (pois este depende de quem paga!), só será possível formar se o nosso sistema de educação valorizar que «de pequenino se torce o pepino». Isto implica definir e incluir formalmente o papel da família, da comunidade e das nossas tradições, incluindo as línguas nacionais e as diversas expressões culturais, no sistema de educação formal do nosso país. Tenho a consciência de que esta não tarefa. Mas é assim mesmo: tudo o que é bom é difícil fazer, é difícil conquistar; mas não impossível, felizmente.
Se o estudo que concluiu que «a qualidade de ensino em Moçambique é fraca» não considerou os diferentes contextos de ensino no país, então esta conclusão e as recomendações que dela decorrem são de validade muito limitada e, até, questionável.
Disse o que pude, pedante. Perdoai-me. Eu também sou produto deste mesmo sistema sobre o qual estou a reflectir. Não posso ser melhor «espelho» de uma sociedade que não me "fabricou" com os melhores materiais.
Muito obrigado, pela vossa atenção!

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