11:52 18.04.2015


Caiu-me uma chuva de recordações. Na SIC, ouço - o António Costa, vai falar sobre o Mariano Gago. Desconfiança imediata - o que é que aconteceu ao Mariano Gago? Morreu. E disse uma frase que nunca me imaginei dizer - morreu o “meu” ministro? Não é suposto um jornalista falar assim, e não me venham com cumplicidades, o “meu” ministro nunca me pediu uma peça, nem interferiu numa reportagem, nada.

Sentia sinceramente que ele tinha um objetivo que eu só podia admirar, a obra ficou à vista. Deixámos de ter show off de pseudo ciência e passámos a ocupar um lugar que até pode ser pequeno, mas é digno e importante na Europa dos investigadores. Acredito que muito se lhe deve, se temos  hoje empresas a trabalhar para a investigação espacial. Até ainda temos o Ciência Viva, e quem já viu os olhos dos miúdos num Pavilhão do Conhecimento imagina o potencial que ali está, a marca que pode deixar, semente de futuros sucessos. 

Passámos a olhar para a ciência como algo que dá frutos e importantes, mas que tem que prestar contas pelos recursos que consome.

Acabou com o POSAT, o satélite português, felizmente, mas estamos na Agência Espacial Europeia e noutras tantas instituições onde jovens portugueses vão aprender a fazer parte deste movimento que nos empurra sempre para a frente, para saber mais e fazer mais. 

Convidou-me para as reuniões do Livro Verde da Sociedade de Informação, e pensei que era só para uma vez: Não sei se por não ter doutoramento, ou por ter incomodado algumas vozes acomodadas ao status quo, não fui convidado no ano seguinte, devia ser uma quinta ou sexta-feira quando recebo um telefonema, uma voz de urgência a sublinhar a importância - Lourenço, o ministro descobriu que te excluíram, podes vir no fim de semana ao Livro Verde?

Como é que se diz que não a uma coisa destas?

Quando decidi acabar uma série de programas sobre o bug do ano 2000 com uma entrevista com o Ministro responsável dei com uma barreira de silêncio, um dia vi pela TV que estava no Parlamento. Imediatamente apanhei um táxi até à bancada de imprensa e entre alguma mímica e dois bilhetes trocados pelos funcionários da Assembleia lá dei comigo a tomar café com o Sr. ministro. Disse-me, preto no branco, o que ninguém me queria dizer - não te posso dar a entrevista já, ainda não tenho os dados todos. Ficou ali mesmo combinado que a entrevista seria tão tarde quanto possível, antes da emissão do tal programa, e não foi só tarde no dia. Era meia-noite quando na RTP estava toda uma equipa de estúdio para gravar a entrevista que terminaria a série de programas sobre o bug do ano 2000, e fez-se.

Lembro-me de trocar mensagens de correio eletrónico às 4 da manhã e ter resposta quase imediata. Tenho muitas histórias, até embaraçosas, não é suposto estar de microfone na mão ao lado de uns quantos jornalistas à espera de um Ministro que antes de responder seja o que for abre um abraço franco - há quanto tempo não nos víamos.

Mas a minha história favorita é a que me contou, a mim e a muitos outros, sorriso rasgado, com um brilho no olhar como se tivesse sido ontem. Adorava recordar como introduziu uma nova tecnologia em Portugal. Vinha do CERN, contava que chegou à fronteira num carrinho minúsculo com o porta bagagens carregado de caixotes com cartões perfurados, sim, era assim que se transmitiam dados, com cartões perfurados, e teve que explicar a um guarda de fronteira o que era aquilo. Explicou, ensinou a um guarda provavelmente pouco mais que analfabeto que passou da desconfiança à sede de saber,  e passou a fronteira com a sua carga, provavelmente o primeiro programa de computador a entrar no país. Ao que parece ficaram amigos. Esta história da qual já confundo os detalhes diz mais do homem, da sua capacidade de iniciativa do seu amor pela ciência e pela transmissão de conhecimento do que todas as pequenas anedotas que tenhamos compartilhado. 

Deixou-nos cedo, mas com obra feita que ainda marcará o país por muitos anos, por mais serviços que fechem por falta de verba para apostar na Ciência. Tenho a certeza de que podia fazer mais,  mas que foi uma daquelas vidas que valeu a pena para todos nós, os que cá estão e os que ainda virão.