sábado, 7 de março de 2015

O ruído do silêncio dopresidente


08.03.2015
DAVID PONTES
Não se pode ter razão dizendo uma coisa e fazendo o seu contrário. Cavaco Silva tem razão quando diz que "um presidente de bom senso deve deixar aos partidos as suas controvérsias político-partidárias que já cheiram a campanha eleitoral". Mas ao dizê-lo a propósito da polémica de Passos Coelho com aSegurança Social, o presidente fez o contrário daquilo que disse.
Complicado? Nem por isso. É verdade que o trabalho jornalístico que levou à revelação do passado contributivo do primeiro-ministro é matéria para a disputa político-partidária. Mas comopoderia ser de outra forma, depois das explicações erráticas de Passos sobre as suas falhas? Como é que num país onde alunos perdem as bolsas de estudo por causa das dívidas dos seus pais à Segurança Social, um primeiro-ministro pode desculpar-se de não ter pago porque "achava que era opcional"? E como é que se escuta agora o discurso do "vivemos acima das nossas possibilidades", vindo de alguém que se atrasou no cumprimento dos seus deveres fiscais porque se calhar na altura "não tinha dinheiro"?
Este caso, até pela forma como o primeiro-ministro agiu depois de tomar consciência das suas dívidas, é um enorme problema político para quem teve um discurso moral sobre a crise e tencionava avançar para as legislativas arvorando uma imagem de austeridade e de rigor.
Por isso, Cavaco Silva tem razão em querer fugir do caso, é esseequilíbrio que se espera de um presidente num país a caminho de eleições. Só que ao optar por classificá-lo como "controvérsia político-partidária" , implicitamente desvalorizando-o, o presidente entra na polémica tentando dar a Passos a tal "imunidade política" de que se queixou António Costa.
Não tendo nada a fazer neste caso, o melhor teria sido que o presidente da República recorresse à velha muleta do "não tenho declarações a fazer sobre o assunto" e optasse pela reserva do silêncio. De outra forma, parece estar a dizer que não devemos achar importante, que devemos aceitar como normal, uma sucessão de primeiros-ministros com passados atabalhoados (no mínimo) que só se revelam cidadãos exemplares quando chegam ao cargo.
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