sexta-feira, 6 de março de 2015

Minha geração, geração de Ouro

Tenho orgulho de ser fruto de um determinado tempo, que ainda que me tenha feito passar por óbices, moldou em mim a coragem e ousadia de luta e busca incansável do bem para o corpo e a alma.

Tenho orgulho de pertencer à aquela geração, que foi atirada ao sistema de educação mais aberto e sem limites,  pese embora com aulas por baixo de frondosas sombas de várias árvores e sob pressão fisica e psicológica da varra da professora Carolina, que me ajudou a esboçar um plano estratégico para minha vida.

Só daquela geração que comia Pirulito, Matoritori, Pão Colorido, Mahanti, Thintsivas, sem falar do bonus estatal composto por arrofada, que recebiamos um dia sim um dia não, pois a professora também tinha que levar para casa.

Faço parte desta geração com orgulho, uma geração que esperava o final do ano para comprar roupa nova, para tomar refresco e comer carne; sou da geração que nas festas só tinha direito de Maheu e uma bacia ou alguidar cheio de arroz e carne de vaca e quando calhasse com com outros adolescentes desconhecidos ou mais espertos, pegavam nas minhas mãos, apertavam-nas e começavam a comer sob meu imponente olhar e com lágrimas a cair.

Sou daquela geração que não tinha nenhum parente com viatura e que a única forma de irmos na boleia, era na condição de acompanhar os meus vizinhos ao cinema eles ficavam lá dentro a curtir e eu e alguns amigos guarneciamos o carro, ou então os acompanhavamos as festas, e ficavamos também a guarnecer o carro e com direito a um prato de comida que podia voar no espaço, caso cruzasse com indisciplinados nos becos, que podiam encher-nos de bofetadas e se punham em fuga, eles sabiam que o carro não podia parar para os perseguir, era o tio João é que devia acelerar ou então a malta deitava-se na bagageira para escapar para sova;

Sou daquela geração que das poucas oportunidades que tinha de passear e sair para almoçar com meu pai, iamos as barracas e lá tinha a honra de comer carne para descansar as verduras que vinham da machamba da vovo Ngelina, lá nas Mahotas.

Sou fruto de Jambalau, Papaia e Cana Doce lá na Rua 22 no bairro de Hulene. Sou fruto de Nthlatu (papinha de farinha de milho), e Arroz Arrefogado (Arroz Fugado), Tapioca e de todos Xiquentos que escapavam dos ratos do meu bairro.

Sou da geração dos filmes nos quintais das casas dos vizinhos que tinham tido a sorte de adquirir o aparelho de TV e o respectivo Video e, pagavamos não só para ver o filme mas para aturar o mau cheiro provocado por peidos apropositados dos Magarices, Xilhamalissus, Bayanos, Mbandzenis e outros tantos outros indisciplinados da minha época.

Sou daquela geração que no dia em que comia carne e tomava refresco, toda vizinhança tinha que saber que a sorte tinha caido no seu estômago e que também tinha soboreado aquilo que os outros, poucos diga-se em abono da verdade, comiam com frequência. Eu sou daquela geração que suas progenitoras tiveram a sorte de ganhar a vida com trabalho honesto, primeiro na machamba, depois com negócio no mercado e mais tarde com emprego nas casas de cooperantes no centro da cidade.

Tenho orgulho da geração que faço parte, porque tinhamos um sonho, ser pilotos, por viamos os aviões aterrar no Aeroporto de Mavalane, queriamos ser enginheiros inspirados pela vida folgada de alguns, poucos, que viviam no bairro; queriamos também ser Luck Dube, Piter Tosh, Bob Marley, inspirados pelos nossos irmãos que tinham estado na terra do Rand; queriamos ser Milli Vanili, UB 40, porque nos irmãos além das motos MZ´s tinham trazido da ex-RDA, LP´s , cassetes e vidios para os nossos míseros momentos de lazer.

Sou daquela geração que viu ficou no muro a ver seu vizinho Mankeu, curtindo todas garotas do quarteirão, porque seu padrasto que era militar, levava para casa bolachas e sardinhas e as meninas sabiam que com ele podiam variar a dieta.

Sou da geração de Ntumbeleluana e Txo-Txo-Txo ( brincar as escondidas), onde aprendemos a fazer sexo nas capoeiras, árvores ou no meio da rua quando fosse alta noite. Nesta altura também os mais velhos nos usavam como cubaias, juntavam-nos aos pares e assistiam-nos, nós miúdos e miúdas, a fazer sexo inocentemente e sem prazer.

Sou daquele tempo em que quando Ntumbeleluana era feito a alta os mais velhos desapareciam, ficam escondidos na Massaroca da Igreja da vovó Munhanyisse, e fazia sexo protegidos pela santidade daquele local. Foram estes tempos marcados por GERALI.

Sou daquela geração que usava Xiphefu, o candeeiro convencional ficava no quarto dos meus pais. Curioso é que não apanhava gripe nem constipação, apesar de ter inalado fumo durante anos. Nesta época, além da luz do Xiphefu, confiávamos na iluminação pública, que intercalava com com a Lua e lá nos concentravámos de noite para fazer desenhos, consolidar as lições, aprender e ensinar a ler e a escrever.

Sou daquela geração que que tinha também como divertimento no perido nocturno, estudos em grupo com os meus irmãos e, às vezes, com primos quando nos encontrávamos na casa da minha avó no mesmo bairro. Sou da geração que, dos brinquedos feitos de barro, evoluiu para os convecionais, graças aos donativos feitos à minha mãe pelos cooperantes, seus patrões.

Sou da geração que sonhava em poder comprar um saco de arroz por mês para família, que não queria mais nada que um par de sapatilhas da Facobol, que vovó Machuvene vendia mas que várias vezes teve que ir a escola descalso ou de chinelos pipoca.

Sou sim e, vocês vão concordar comigo, de uma geração miserável sem nome, condenada ao fracasso, mas que não se deixou derrotar pelos seus tempos de desgraça, tristeza e solidão, alías, é por ter sido destes tempos todos que hoje sou o que sou e busco ser mais alguma coisa que acredito que posso ser.

Em alguns momentos de glória, fico cada vez mais identificado com todas gerações que passaram por privações mas que lutaram e entregaram o que tinham e não tinham para nós outros pudéssemos não apenas sonhar, mas e acima de tudo tivéssemos oportunidade de concretizar estes sonhos.

A minha geração pode se dar por contente e feliz por ter vivido problemas menos graves que as outras gerações que me antecederam, por isso, não me espantaria que a geração depois da minha não estivesse satisfeita, está a viver os desabores do seu tempo, que na verdade são resultado dos sucessos e fracassos das gerações anteriores.

Eu sou sim daquela geração que pariu jogadores, músicos, enginheiros, professores, ladrões, drogados, comerciantes, mecânicos, carpinteiros , prostitutas, boémios, etc. A minha geração produziu tudo e todos e preencheu as vagas que foram criados pela força divina, quer dizer cada um foi encaixado onde o destino deliberou uns, claro, com sorte ou azar em relação aos outros.

Eu percebo por que é que as outras gerações se orgulham de ter feito o que fizeram e, por que é que carregam os mistérios e os milagres das suas lutas e vitórias como troféus e medalhas de orgulho e felicidade.

Eu percebo e entendo porque eles se sentem injustiçados, quando por maldade são apedrejados e julgados sem oportunidade de defesa, acusados deste ou aquele falta do passado, alegadamente protagonizada conscientemente para fins que até os tais juizestem dificuldade de nomear.

Eu percebo a dor da geração que ousou escrever parte da nossa história, por isso julgada neste capítulo da vida, aliás, se esta geração não nos tivesse dado bases nada estariamos a discutir. Não acharia justo que meu filho me julgasse por aquilo que contei nos parágrafos acima, porque faz parte da minha epopeia, das minhas boas notas na escolas às orgias com meus amigos, este belo e o feio, o moral e o imoral fizeram esta minha história e ela não pode ser julgada tendo apenas em conta os erros e falhas.

Eu sou de uma geração humilde mas não inocente, uma geração que roubou plantas e laranjas na casa do falecido Vovo meu, que roubou mangas na casa de Luís nas Pinturas, mas tenho identidade, que não pode ser posta em causa por qualquer falha que eu tenha cometido no meu passado.

Eu solidarizo-me com a geração que vê seus feitos questionados e os seus opositores, como crentes fanáticos de qualquer ceita religiosa, acham e acreditam que a nossa liberdade teria sido possivel sem guerra e sem todos sacrficios feitos. Estes opositores, buscam a todo custo elementos para derrubar a nossa identidade, pois não imaginam o que reside nas costas das suas dúvidas cépticas, que não trazem nenhuma mais valia a construção ou enriquecimento da nossa moçambicanidade porque procura a todo custo destruir o que foi erguido com sacrificio.

Eu sou daquela geração que tem seus heróis, seus sonhos, suas canções e suas crenças e o orgulho de ser moçambicano e ser da geração que sou.

Gosto ·  · 
  • Vânia Pedro Eu também sou e sinto nostalgia desse tempo.
  • Natercia Cumbi tambem faco parte dessa gereacao,com orgulho.
  • Américo Matavele Magariço é um afamado mecânico da Rua 21. Kakakakakakakaka... Cada geração tem seus feitos, com ou sem erros. Não me lembro que tenha havido uma geração isenta de erros e dessas "escapadinhas" que descreves. O que não pode fazer uma geração, é voltar ao seu tempo, e tentar rectificar ou emendar o que tenha feito de imoral, de mau ou de feio. O que não pode fazer uma geração, é entregar as emoções que sentiu, o legado que construiu e a estrada que construiu só porque há alguém que acha actualmente que é má educação "furrar" para assistir jogos no "Dumai"; uma geração não pode ser combatida porque tinha prazer em ficar na rua a lançar piadas para Vovo "Mwamucavhene" ou para "Marhengwe"; o que uma geração não pode fazer, é sntir-se culpada porque "atacava" as mangueiras do Vovo Sidumo e da Tia Julieta; ou porque assassinou dezenas de pombos do velho Chivite, para assá-los no "Daradine". O que cada geração construiu, de bom ou de mal, é que foi com base nas vicissitudes da época; tudo o que foi feito, foi contingencial, a febre do momento, arreigada em crenças de uma justiça que talvez actualmente não seja mais válida. Mas de que cada geração prepara o caminho para a outra, isso é real. O que se quer, é que não voltemos ao passado, senão para minutos de nostalgia como o Lazaro Mauricio Bamo aqui o fez.
  • Lazaro Mauricio Bamo hahahah Americo Matavele pergunta ao Magariço se não conhece os filhos do Xibamo heheh vai te falar de mim dos meus irmãos hehehe o gajo agora é casado com Lucinha prima de João Nwa Nkava antigo guarda-redes de DUMAI, com ele fomos várias vezes ao Daradeni roubar arrame e mapswichas heheheh.
  • Olga Joao Não existe melhor coisa que ter orgulho de fazer parte de uma geração que tenha tido todo tipo de histórias para contar, embora de vez em quando ao retroceder no tempo sintamo-nos algo nostalgicos! Enfim eu orgulho-me de ser do tempo que recebia arrofadas e manteiga na escola, levava palmadas da professora jacinta e dos mulatos que sempre eram chefes de turma, que eramos aterrorizados pelo caniate,em que a professora França confiscava-me os baralhos de cartas... Enfim, tempos bons aqueles!
  • Natercia Cumbi O pernoca do Caniate eixx,nem me fale Olga,era mesmo famoso.
  • Olga Joao Natércia aquele gajo era o nosso pesadelo tornado realidade!
  • Ximbitane Na Lenha Snif, snif, snif.... Himmmm, hiimmm...
  • Natercia Cumbi Bota pesadelo nisso Olga.bjx
  • Lazaro Mauricio Bamo Que tal cada um de nós contar o que passou...sairia um grande livro da GERACAO DE OURO.
  • Lazaro Mauricio Bamo Haveria de certeza mais perfis Tavares. Eu acredito que uma volta ao passado nos permitiria valorizar as conquistas individuais e colectivas.
  • Olga Joao E como seria! Recordo-me que levei muita sova quando era matreca mas depois lutava sempre que fosse preciso! Agagaga...
  • Natercia Cumbi Eu a cassula de uma familia de 7 irmaos em k cinco eram rapazes,todos bigs,nunca lutei pois todos passaram pela escola em k studei Maxakene khovo,era conhecida como a menina de muitos irmaos.Ninguem se metia comigo k eu ia logo keixar os manos ,eixx mimosa,ya nao rendi,kero comecar de novo(hehe).Olha k ate o terorrista do Caniate temia eles,pois a uniao dos meus manos fazia a forca.
  • Lazaro Mauricio Bamo eu tive que ser esperto para nao levar sova heheh
  • Anabela Adrianopoulos Eu sou da geração que não tinha professores doutores,mestres e poucos eram os licenciados...sou da geração k teve que ir dar aulas depois da 11a- pq eram poucos os professores pra tanta sede de saber,sou da geração k punha jam no cha pq nao havia açucar,e so comia xima amarela com repolho e carapau,todos os dias,nao havia taxis,chapas,tb nao tinhamos carros pessoais...sou da geração k acreditava nao só nos ideais da independencia,do socialismo,etc,mas também nos seus dirigentes..Tenho mais 20 anos que tu meu krido Lazaro Mauricio Bamo e com a tua idade nao tinhamos nem 1/10 do k voces têm hj...e somos todos da cidade...agora imagina os " la do mato" ...pouco ou nada mudou...talvez se pensasse mais neles do que agora...enfim...malgré tout..sinto-me orgulhosa de ser moçambicana e o resto k se lixe..ahahahh
  • Ximbitane Na Lenha Oh, Anabela Adrianopoulos, por ser filha de pessoas dessa geracao de que falas, somente para nao ser repetitiva nesses menus e quejandos... Ja madruguei na "bicha" (que agora insistem em chamar fila porque se plasmou usar esse nome em pessoas, nts) para comprar 1/2 de oleo porque o meu agregado familiar era de 3 pessoas. Ja chorei no talho da cooperativa por la ter sido mandada com os meus inocentes 6 anos para comprar febras de porco e de la sair com 1 kilito de gordura de porco (ah, valeram-me as lagrimas porque o chefe de quarteirao teve piedade de mim e deu mais 3kg, hehehehe, RIP Seu Ndimene)! O bom dessa experiencia eh que tivemos gordura para fazer torresmo e oleo... Ja carreguei os meus livros escolares (A Lila pula) em saco de plastico que rebentava no regresso. Ja levei lanche de toranja porque a papinha do Ndjinguititane servia apenas para o meu irmao mais novo... Inumeras vezes sai de casa calcada e voltei descalca porque as socas de madeira (MADEMO) quebraram-se na calcada de Maputo. Andei de Machimbombo, no 2, no 3 e no 4 (nessa altura nao havia pedofilos, a minha mae confiava a minha pessoa no motorista/cobrador e estes nao arrancava da paragem antes de eu e um colega chegarmos). Gritei HURRRRAAAAs e "cavalguei" o soalho dos cinemas Continuadores, Scala, Continental, Africa, Estudio 222 e Charlot, vendo filmes da URSS.
  • Lazaro Mauricio Bamo Anabela meu bem que bom ouvir o seu depoimento. Tas a ver que depois vem a Ximbi com a Geracao dela e assim se faz a vida e as historias. Quem mais conta. Sergio eh sim profundo e eh bom que as pessoas saibam que existem outros lutadores que venvenceram porque lutaram
  • Lazaro Mauricio Bamo Anabela meu bem que bom ouvir o seu depoimento. Tas a ver que depois vem a Ximbi com a Geracao dela e assim se faz a vida e as historias. Quem mais conta. Sergio eh sim profundo e eh bom que as pessoas saibam que existem outros lutadores que venvenceram porque lutaram
  • Homer Wolf Eu só sei que não sou da famigerada geração da viragem!...
  • Lazaro Mauricio Bamo Conta nos sobre a sua geracao Homer Wolf estou curioso hehe
  • Edgar Barroso Se eu contar sobre a minha geração aqui alguns podem chorar, outros se rirem, muitos bocejarem e um e outro vilipendiar-me. Enfim... 

    O que não se pode permitir é que as nossas origens e experiências de vida (tanto dos "antigos combatentes" como os da "new school") não tenham de ser criticadas ou "exorcizadas". Só se aprende errando, e todos erramos. Não há intocáveis, nesse processo.

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