terça-feira, 10 de março de 2015

"MATAR O PROFESSOR" - Por Joaquim Tomo


O epíteto é uma tese. É também um emblema, na dimensão de "Matar o Cão Tinhoso" de Honwana, ou "Matar Suhura" de Momplé. Ambos prémios nacionais da escrita.
"Matar o Professor" é um símbolo poético. É uma premonição, um vaticínio. Se tu matas um irmão és logo um fracticida. Se matas um pai és logo um parricida. E se matas o professor és quê? Caberá o arquétipo de casmurro?
A filha do professor Cistac entende que os algozes do pai são "Burros" (a letra maiúscula é nossa).
Lembrei-me dos anos da escola a secundária. Os alunos maus eram designados burros. Os burros eram solidários. Cometiam barbarismos sórdidos: desde desaparecimento do livro de ponto, até emboscadas ao professor. Nalgumas vezes vi colegas recalcar desejo de o matar.
Matar o professor é um desejo que nimba o coração de indivíduos rudes e sem paciência com a ciência. O indivíduo rude, entanto que aluno, pensa assim do bom professor: "este homem está a complicar a minha vida", "está a ensinar coisas complexas e não dá para perceber nada", "melhor encontrar-se uma solução". Vimos todos o sistema nacional de educação a soçobrar, e hoje a instituição estranha-se consigo própria (perdoem a redundância), com seminários palavrosos e sem intenção verdadeira. O professor é morto aqui, em atmosfera doente, de uma educação que anda a trouxe-mouxe.
Matar o professor é um reduto dos fracos de espírito. Matar o professor é uma premonição. Um sinal de decadência geracional. Embora se circunscreva a um caso isolado, este homicídio é nacional, cultural, e civil. É tipo obra de feitiçaria, as potestades do ar e os demónios territoriais produziram obra espiritual, a nossa decadência, cujo reflexo chegou-nos como um símbolo singelo.
Não há espaço para o ódio entre os moçambicanos. Tu não podes odiar a ti próprio. O nosso irmão que abateu Cistac, sob o encanto de Caim, fê-lo por nós e em nosso nome. É Moçambique que matou o professor. Os moçambicanos mataram Cistac. Pelo que, apontar a culpa à um irmão moçambicano é mesmo que dar o tiro no próprio pé.
Eu peço, desde já, desculpa a todo o mundo, sobretudo ao povo francês. Peço-o também em nome dos meus irmãos. Perdoem-nos por matar o vosso filho. Tenham misericórdia de nós. Os criminosos fizeram isso em nosso nome, para talvez evitar certos problemas, e acabaram dando-nos outro problema maior. Que Deus nos perdoe, e nos ajude a resolver este assunto internamente, sem mais ódio, e nos ajude a sermos um povo que ama a justiça e ama ao próximo.
O livro ideal para esta geração seria "Nós Matámos o Professor".
Posto isto, estamos numa decadência de fazer bradar os céus. Imperceptível decadência para uns, mas realística para outros, como eu.
Ardente adepto somos do professor Cistac, qual Moisés vindo do Sinai com toda a verdade. E ganhámos um fantasma em nossas noites desde aquela terça feira. Toda gente vê Sistac, peão humilde, livros na mão, a andar para casa. Aquele brilho nos olhos na aula do direito Admimistrativo, a ensinar os melhores filhos de Moçambique a doutrina diáfana. Fomos ingratos, e essa fica a nossa sina: Os Burros vão brilhar livremente, o professor, que ia a ensinar está morto!
A única forma de apagarmos a sina (que é também maldição) será reescrevermos, todos, uma nova história (de amor, e não de ódio), com o título "A ressurreição do Professor". E esta obra ganhe um prémio nacional, como as de Luís Bernardo Honwana e de Lília Momplé. Se isso acontecer, afectará os nossos corações e da nossa posteridade, e seremos novamente Grande Nação Moçambicana!
Desculpem-me por escrever assim tanto. Tinha mesmo de o fazer, para honrar o meu professor Cistac, e alertar o meu país.
(com a devida venia)
Gosto ·  · 

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