domingo, 8 de março de 2015

Atentado contra Cistac também apontado contra entendimentos Nyusi/Dhlakama.

Pesquisa e análise
1 . As reacções ao assassinato de Gilles Cistac por parte de embaixadas em Maputo destinaram-se a “confortar” o Governo e o Presidente, Filipe Nyusi, em particular, face a uma facção interna alegadamente implicada numa ocorrência interpretada como tendo visado prejudicar as suas políticas de entendimento com a Renamo.
As embaixadas dos EUA e França, assim como a representação da União Europeia, tomaram posição através de comunicados públicos – em geral de condenação e clamando por um apuramento de responsabilidades.
Registaram-se, porém, diligências mais discretas de outras embaixadas junto das autoridades, nomeadamente dos países nórdicos.
A reunião convocada pelo MNE, Oldemiro Baloi, com corpo diplomático, 04.Mar, foi por sua vez uma iniciativa ditada por previsões/ilações internas segundo as quais o atentado e suas repercussões poderiam embaraçar o Governo/comprometer a imagem do Presidente e gerar desconconfianças no êxito dos seus esforços de estabilização política.
A atitude das embaixadas também não foi estranha a um ambiente interno de condenação do sucedido. Entidades como o CIP (Centro de Integridade Pública), IESE, (Instituto de Estudos Económicos e Sociais), WLSA (Mulheres e Leis na África Austral), OMR (Observatório do Meio Rural), pronunciaram-se em relação ao caso.
2 . Gilles Cistac, era considerado uma figura-chave no processo político e jurídico aberto com o entendimento entre Filipe Nyusi e Afonso Dhlakama (AM 913), nos termos do qual a Renamo se obrigou a apresentar à Assembleia da República (AR) um ante-projecto tendente à criação de regiões ou províncias autónomas.
A saber:
- Era de parecer de que a actual constituição de Moçambique não impede a criação de regiões ou províncias autónomas; baseava-se em argumentação estritamente jurídicoconstitucional.
- A Renamo estaria a contar com o seu contributo técnico para a formulação do ante-projecto a submeter ao parlamento.
- O Presidente, Filipe Nyusi, também contaria com os seus préstimos para o aconselhar em relação a reformas constitucionais.
No seguimento dos seus pronunciamentos favoráveis à criação das regiões ou províncias autónomas, Gilles Cistac passou a ser objecto de críticas da parte de comentadores, assim como de ameaças nas redes sociais, algumas das quais de cunho rácico – umas e outras apresentando-o como ligado à Renamo (assessor jurídico).
A qualidade de “persona non grata” que adquiriu nos referidos meios da Frelimo e do regime, tinha antecedentes.
Algumas entrevistas e declarações de circunstância acerca das tensões políticas que o país conhece desde Out.2013, já tinham dado azo a reacções de desdém, agravadas pelo facto de ser visto como um “traidor”.
3 . Entre os rumores que circulam em meios políticos e liberais de Maputo acerca da autoria do crime e a que interesses o mesmo aproveitou, a mais insistente é que aponta para uma ala da Frelimo, vulgo radical, contrária a um diálogo em condições de igualdade com a Renamo e à criação das regiões ou províncias autónomas.
A referida ala é vulgarmente conotada com o ex-Presidente, Armando Emílio Guebuza (AEG). Em meios que o dão como inclinado a exercer de forma tranquila a actual faceta da sua vida política, líder da Frelimo (AM 918), considera-se “desajustada” a sua alegada implicação em acções de conspiração.
A má reputação de AEG parece provir, em parte, do G-40, um grupo informal de influência e pressão, com ele identificado. Tem acesso a grandes meios de comunicação social e a agremiações da sociedade civil. Secundou as críticas à ideia da criação das regiões autónomas, a que acrescentou desabonatórias insinuações acerca de Gilles Cistac.
Os animadores do G-40, jornalistas e professores, eram conselheiros de AEG como Presidente. Gilles Cistac, considerando-se alvo de acções de assassinato de carácter por parte dos comentadores do G-40, em especial Edson Macuácua e Gabriel Muthisse, chegou a apresentar queixa contra os mesmos na Procuradoria Geral da República.
A intensidade das especulações/rumores comprometendo a referida ala da Frelimo com o atentado que vitimou Gilles Cistac, gerou embaraços presentes em factos como um comunicado da Comissão Política do partido, repudiando as “acusações gravíssimas” ou comentários públicos de figuras do G-40 alvitrando outras hipóteses.
4 . A alegada ligação do atentado a interesses da ala radical Frelimo é vista como “excessivamente óbvia” – argumento duplamente invocado para a considerar tão improvável como provável. Em caso de improbabilidade, as alternativas apontadas consistem em implicar a Renamo ou o crime organizado.
O facto de ter sido um branco o autor dos disparos certeiros que provocaram a morte a Gilles Cistac é usado para admitir um de ambos os cenários. Para uma acção do interesse da Renamo, o branco seria um sul-africano (boer) contratado; no caso de se tratar de um ajuste de conta do crime organizado, seria um paquistanês ou libanês.
Decomposição breve de ambas as hipóteses, conforme as especulações:
- Gilles Cistac aproximou-se da Renamo em fins de 2014, na esteira do seu afastamento do regime e da Frelimo; recentemente a Renamo havia descoberto que o fizera movido por motivações ocultas.
- Gilles Cistac estaria a efectuar investigações destinadas a identificar agentes e objectivos dos raptos ocorridos no país.
5 . Gilles Cistac, francês de nascimento, chegou a Moçambique em 1993, como o estatuto de cooperante.
Trabalhou nos ministérios da Administração do Estado, Defesa Nacional e Turismo e também no Tribunal Administrativo e no grupo parlamentar da Frelimo na AR.
Em 2010, por proposta de AEG, foi-lhe atribuída a nacionalidade moçambicana.
O motivo aparente da sua clivagem com o regime, em 2014, foi uma recusa do Governo em propô-lo para o Tribunal Africano dos Direitos do Homem. A decisão terá sido baseada em argumentos relacionados com aspectos considerados controversos da vida e da personalidade de Gilles Cistac.
(in Africa Monitor de 5/3/2015)

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