quinta-feira, 5 de março de 2015

Antigo PR nas malhas da corrupção internacional: Como Guebuza vendeu o gás à ENI

Uma investigação sobre corrupção internacional levada a cabo pela Procuradoria de Milão, na Itália, está a colocar a nu as relações de promiscuidade com todos os condimentos para a corrupção entre os gestores de topo da multinacional italiana ENI (Ente Nazionale Idrocarburi), que está a explorar gás natural na Bacia do Rovuma, e o antigo Presidente da República e actual presidente do partido Frelimo, Armando Guebuza. Paolo Scaroni, antigo administrador-delegado da gigante italiana ENI, está a ser investigado pela Procuradoria de Milão, por corrupção internacional, por ter pago dinheiro ao ministro da Energia da Argélia, numa operação em que a ENI e a sua subsidiária SAIPEM (Società Anonima Italiana Perforazioni E Montaggi) eram partes interessadas na prospecção de hidrocarbonetos naquele país do Magrebe. Desde então, os telefones de Paolo Scaroni e seus colabores directos foram colocados sob escuta pela Justiça italiana. É aqui onde aparece o nome de Moçambique e de Armando Guebuza na teia da corrup- ção italiana, que encontrou um porto aparentemente seguro na gula do actual chefe do partido Frelimo pelo dinheiro fácil. Segundo o jornal italiano “Il Fatto Quotidiano”, que teve acesso ao processo de investigação do caso ENI/SAIPEM, incluindo as escutas telefónicas a Paulo Scaroni, que era o chefe da ENI, aquele gestor manteve vários encontros privados com Armando Guebuza, em que discutiram as taxas que o Estado moçambicano devia cobrar à ENI, incluindo outras trocas de favores, como a concessão de um terreno paradisí- aco a Paulo Scaroni no Bilene, a zona turística onde Guebuza também tem uma luxuosa casa de férias. O terreno é oferecido a Paolo Scaroni com a possibilidade de um DUAT (Direito de Uso e Aproveitamento de Terra) válido por 40 anos. Guebuza convida Scaroni a construir uma vivenda neste terreno. Segundo o ficheiro de investigação que está na Procuradoria de Milão, no dia 3 de Março de 2013 Paulo Scaroni telefonou ao filho, Alvise Scaroni, por volta das 9 horas e 42 minutos de Roma, tendo informado ao filho que lhe havia sido oferecido um terreno de sonho por Armando Guebuza, no Bilene. Menos de dez minutos depois, isto é, quando eram 9 horas e 56 minutos, Scaroni telefonou ao antigo director de opera- ções e actual administrador da ENI Claudio Descalzi, a falar- -lhe do paradisíaco terreno no Bilene que lhe havia sido oferecido por Armando Guebuza. Um pouco depois, por volta das 10 horas e 19 minutos, Alvise Scaroni, filho de Paulo Scaroni, telefona ao seu pai e voltam a falar do terreno oferecido por Guebuza. “O terreno está situado numa zona com acesso quer pelo mar, como por uma lagoa”. Diz que o terreno “é uma loucura e situa-se a 140 quilómetros da capital Maputo”. O filho responde que, tendo em conta o DUAT de 40 anos, a construção deve começar dentro de dois anos. Vinte minutos depois, liga para Scaroni a sua filha Clementina, advogada da CONSOB (Commissione Nazionale per le Società e la Borsa) – que é a autoridade do Estado italiano para seguros e mercados –, informando que “já enviou a coisa de Maputo”. Na descrição feita pelo jornalista italiano Marco Lillo, o referido terreno localizado no Bilene é uma espécie de língua de terra que se estende entre o oceano e um lago localmente designado por Uembje. Para além de águas de cor turquesa, o terreno é um paraíso de tartarugas marinhas e areia branca. O que deixa a imprensa italiana admirada é que a oferta do “pedaço do paraíso na terra” ao patrão da ENI não tenha sido feita por uma agência imobiliária, mas por Armando Guebuza em pessoa, sendo ele nessa altura o Presidente da República de Mo- çambique. As zonas de ocorrência de tartarugas marinhas são consideradas zonas protegidas pelo Estado moçambicano, mas, no caso, Guebuza ofereceu a zona a um “amigo” italiano para construir uma “villa”. Os investigadores italianos dizem que os encontros entre Paolo Scaroni e Armando Guebuza eram frequentes. Mas o que decidiu vários assuntos que se iriam materializar no futuro foi o encontro que aconteceu no dia 3 de Janeiro de 2012, no Bilene, quando Guebuza se encontrava de férias na sua luxuosa casa. É a polémica casa em que o asfalto termina exactamente na porta de Guebuza e o resto é só poeira. No referido encontro participaram Paolo Scaroni e Claudio Descalzi. Alegado acordo para a ENI não pagar impostos Entre finais de 2012 e princípio de 2013, a ENI chega a um acordo milionário com os chineses da CNPC (China National Petroleum Corporation) para a venda de uma parte da sua participação na Bacia do Rovuma. O Acordo viria a ser formalizado a 13 de Março de 2013. À luz do acordo, os chineses da CNPC compravam à ENI 28,57% da sua participa- ção na Área 4 (“offshore”), na Bacia do Rovuma. A ENI detinha 70% das participações. A ENI vendia assim perto de 30% da sua participação total. Como o assunto estava a ser tratado directamente com Armando Guebuza e não com o Estado moçambicano, aventa- -se a hipótese de Guebuza ter proposto à ENI “free tax”, num acordo em que, depois, os gestores da ENI teriam que “dar refresco” a Armando Guebuza. E nessa operação a ENI ficaria encarregue de inventar artimanhas com base no Direito Comercial Internacional para ficar isenta das taxas. Com este expediente, Guebuza apareceria como inocente e como estando a ser vigarizado pela ENI. “Africa Energy Intelligence” denuncia o plano Na sua edição de Março de 2013, a revista “Africa Energy Intelligence”, especializada em recursos de energia, denunciou que a multinacional italiana ENI pretendia evitar a tributação do Imposto Sobre Mais-Valias com a venda de parte das suas participações de gás natural à CNPC (China National Petroleum Corporation). Segundo a revista editada em Paris, a ENI pretendia explorar uma “brecha fiscal aparente”, e, com artifícios, não pagar nenhum tostão ao Estado moçambicano. Segundo a “Africa Energy Intelligence”, o truque da ENI consistiria em considerar que a CNPC não comprou directamente a sua participação na Área 4 da Bacia do Rovuma, mas que os chineses adquiriram uma participa- ção de 28,57% na subsidiária ENI África Oriental, cujo único activo é o bloco na Bacia do Rovuma. Até aí, Guebuza nunca se tinha pronunciado sobre o assunto, mas convivia com os gestores superiores da ENI. A bomba explode e Guebuza dá um jeitinho Com a réplica da revista francesa em Moçambique, o assunto começou a ganhar muito interesse público, principalmente entre economistas e fiscalistas moçambicanos. O presidente da Autoridade Tributária de Mo- çambique, Rosário Fernandes, homem considerado como sendo alérgico à corrupção, procurou perceber bem o assunto e, sem muitos holofotes, tentou compreender a operação. Foi quando se percebeu que afinal a ENI iria burlar o Estado em mais de um bilião de dólares, com o silêncio cúmplice de Armando Guebuza, que era Presidente da República. No seu estilo característico, Guebuza decide ficar longe do barulho e dá ordens à Autoridade Tributá- ria de Moçambique para actuar sobre a ENI, mas encarregou- -se ele próprio, Guebuza, de negociar. Por norma, quem devia negociar é o Estado, mais concretamente a Autoridade Tributária (que só tinha de aplicar a fórmula dos 32% sobre o valor total da operação), mas Guebuza tratou o assunto como se fosse privado e marcou o preço dos impostos directamente com os gestores da ENI. Foi assim que, no dia 14 de Agosto de 2013, quando Armando Guebuza estava em “presidência aberta” em Tete, mais concretamente no distrito de Changara, aceita receber os gestores da ENI em privado. Isso aconteceu cinco meses depois dos telefoneassunto, e, segundo, ele próprio, Guebuza, tratou de negociar “descontos”, coisa que não estava autorizado a fazer. Sobre um negócio de 4,2 biliões de dólares, Guebuza cobrou, em nome do Estado, uma taxa de 400 milhões de dólares, e pediu outra parte em espécie, ou seja, a construção de uma esta- ção de energia de 75 megawatts. Quanto o Estado devia cobrar? Em nenhuma parte do Código do Imposto de Rendimento de Pessoas Colectivas (CIRPC) está escrito que as empresas, querendo, podem pagar as taxas das mais-valias em espécie, como seja uma estação de energia, hospital ou viaturas. Fala de dinheiro. O que está escrito é mas em que Guebuza ofereceu o terreno ao patrão da ENI. No referido encontro de Changara, Guebuza recebeu Paolo Scaroni e Descalzi e negociaram a taxa de mais- -valias, para se livrar da acusação de conluio com a ENI. Imposto para inglês ver Como que a provar as rela- ções de amizade que Guebuza tinha com Paolo Scaroni, o então Presidente da Moçambique decidiu unilateralmente aplicar uma taxa leve à ENI, contrariando, primeiro, a norma segundo a qual é a Autoridade Tributária que devia tratar do 32% sobre o valor total da operação, com base na fórmula. Se Guebuza não se tivesse intrometido no assunto, o Estado devia encaixar nos seus cofres 1,3 bilião de dólares. Mas o Estado só recebeu 400 milhões, ou seja, menos de metade do que devia receber. Só Guebuza pode explicar aonde foram parar os restantes 900 milhões de dólares. Os investigadores italianos dizem que a última vez que Guebuza se encontrou com Paolo Scaroni foi em 3 de Dezembro de 2014, no Westin Excelsior, na Via Veneto. Esta é apenas uma pequena parte dos actos de Armando Guebuza, actual presidente do partido Frelimo e antigo Presidente da República de Moçambique, o homem que disse que ficou rico vendendo patos.

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