domingo, 15 de fevereiro de 2015

Um mundo antigo


15.02.2015
DAVID PONTES
De Roma, pela televisão ou através das palavras do enviado especial do JN, podemos testemunhar a cerimónia de criação de novos cardeais que integrou D. Manuel Clemente no segundo patamar da hierarquia da Igreja Católica. Todo o cerimonial, com o seu Latim ressoando no mármore do Vaticano, as vestimentas vermelhas dos clérigos, fala-nos de um mundo antigo, mesmo que a ocasião seja presidida por um Papa que tem conquistado corações pela sua "modernidade".
A tradição, o antigo, é um elemento importante da resiliência das instituições, da capacidade de manterem a sua identidade perante os desafios dos tempos. Da mesma forma, há assuntos que mesmo que nos pareçam inteiramente novos vêm de muito longe. E só olhando para o que já era é que poderemos tentar perceber o que será.
O conflito na Ucrânia está dentro dessa categoria. Os anunciados acordos com a União Europeia, a saída do presidente Viktor Yanukovych, a irrupção dos separatistas no Donbass têm pouco mais de um ano, mas a história a que reportam é muito mais velha do que a Guerra Fria, o statu quo antes da queda do muro de Berlim, que começou a nascer há 70 anos em Yalta.
A matéria de que é feito o conflito ucraniano é a da ancestral pulsão da Rússia de manter a sua influência na Europa ou, se quisermos ver do outro lado do espelho, da Europa retirar países à esfera do Kremlin. É também feita da tensão entre um modelo de democracia ocidentalizado e uma "democracia musculada"como a russa. Com uma vizinha Ucrânia integrada na Europa, a Rússia ficaria mais asiática e o regime de Putin sentiria muita dificuldade em manter o seu registo.
É um conflito com tensões tão poderosas que podem pôr em causa a estabilidade do continente e não admira, por isso, o empenho de Merkel e Hollande em conseguir, pelo menos, congelar o problema. Não é também de estranhar que o cessar-fogo que começava hoje às zero horas pareça tão frágil perante o rugir de ventos tão antigos.

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