sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Tempo de avançar

05 Fevereiro 2015, 20:10 por Leonel Moura | leonel.moura@mail.telepac.pt
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O habitual cinzentismo europeu deu lugar a um corrupio de sorrisos. Por estes dias, homens bastante tristes, como Jean-Claude Juncker, Martin Shulz, François Hollande e tantos outros, derretem-se perante o informalismo de Tsipras e Varoufakis que não se fica pela ausência da gravata. Há, nestes dois homens, uma genuína vontade de mudar as coisas. Para melhor. É claro que tanto salamaleque não significa rigorosamente nada. Um dia dá-se um sorriso, no seguinte uma facada. Se possível nas costas. De qualquer modo o ambiente mudou. Tipo primavera no inverno.

O que coloca algumas questões interessantes no contexto local. A começar pelo súbito e abrupto envelhecimento de Passos Coelho e do seu governo. Se já era desagradável ouvir os repetidos argumentos de que é preciso empobrecer, sofrer e viver abaixo das necessidades, agora é simplesmente insuportável. No momento em que se abre uma pequena janela de esperança, Passos Coelho insiste em fechá-la com estrondo e nenhuma elegância. Ninguém gosta de um desmancha-prazeres.

Aconteça o que acontecer vai-lhe sair caro. Porque se correr bem para a Grécia, o governo português fica marcado por tudo ter feito para que corra mal, nessa ânsia patológica de querer estar na linha da frente do servilismo à desastrosa política alemã. Mas se a Grécia soçobrar às mãos da Europa da austeridade, dos interesses e da política suja, essa derrota irá alimentar ainda mais a raiva das populações de vários países, incluindo o nosso, e levá-las precisamente a seguir caminhos similares ao da Grécia. Uma humilhação do povo grego e da sua escolha democrática poderá ter consequências desastrosas não só para os partidos do sistema, mas também para a própria Europa enquanto projeto comum. A implosão não é um cenário irrealista. Não é só a direita e o seu governo que não entenderam a mudança que já se operou. O PS também está com dificuldade em encontrar o registo certo. Ao fazê-lo pela negativa, nem Pasok nem Syriza, fica por saber o que é realmente o PS neste tempo em que tudo é possível. E sem uma definição clara e compreensível, muita gente irá preferir a ousadia da diferença.

O efeito Syriza tem contudo o maior impacto nos que se colocam à esquerda do PS. O regozijo de Catarina Martins, e outros, procurando colar-se o mais possível, tem um reverso. Mostra o fracasso do projeto do Bloco na sua incapacidade de congregar esforços e na redução a uma política que assenta sobretudo no ódio ao PS. Acresce o problema do carisma. Vivemos na era da imagem e do mediático. Uma parte do sucesso do Syriza deve-se à boa imagem de Tsipras, reforçada agora pela de Varoufakis. Ao que parece muitas mulheres na Europa andam perdidas de amores por estes dois gregos. Muitas de direita. Ora, infelizmente, a Catarina Martins falta charme. Coisa que não se compra nas farmácias. É irritante e na sua queda para a teatralidade soa sempre a falso. Mariana Mortágua poderia ser uma melhor escolha. Mas dada a K7, a diferença seria pouco significativa.

Enquanto o PC vive noutro planeta, as sucessivas dissensões do bloco vão tentando convergir. Não sem grande dificuldade. A extrema-esquerda raramente consegue ser mais do que um saco de gatos assanhados. Sobretudo por dois motivos. Filiação histórica em coisas que há muito foram parar ao caixote do lixo e nada têm a ver com o nosso mundo de hoje; e uma tendência doentia para o culto da personalidade, onde cada um se acha muito melhor e mais esperto do que todos outros. O "tempo de avançar", por exemplo, é uma boa iniciativa, mas não é certo que dure. Além de lhe faltar um rosto. Ana Drago é arrogante e insuportável. Daniel Oliveira e Rui Tavares não geram empatia.

Em suma, o efeito Syriza está a agitar o mundo político, mas também a revelar as fragilidades desse mundo. E diga-se. Não só na esquerda, mas também nalguma direita que nunca gostou de ver o país prostrado perante o "estrangeiro", nem de assistir à venda a pataco do pouco património que resta. Essa direita também vibra com o alvoroço provocado pelos gregos. Porque esperam que isso permita que Portugal volte a ser português.

Artista Plástico

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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