quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Há 220 portugueses com contas na Suíça que vão ser expostos

SWISS LEAKS – 

(Micael Pereira, in Expresso, 09/02/2015)
HSBC
O acervo é colossal. Uma base de dados de 106 mil clientes oriundos de 206 países e com um total de quase 90 mil milhões de euros em depósitos registados até 2007 na Suíça, no braço helvético de um dos maiores bancos do mundo, o HSBC.
O jornal francês Le Monde teve acesso à lista e decidiu partilhá-la com o International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ, www.icij.org), uma organização global de jornalistas de investigação com sede em Washington, nos Estados Unidos, que nos últimos anos promoveu outras fugas do género, sobre os segredos financeiros dos muito ricos: o Offshore Leaks e o Lux Leaks.
Entre os clientes do HSBC na Suíça estão 220 cidadãos portugueses, além de outros 391 indivíduos ou sociedades com ligações a Portugal.
Ao todo, são 969 milhões de dólares em depósitos (858 milhões de euros) distribuídos por 778 contas bancárias. Um desses clientes era titular em 2007 de depósitos de 161,8 milhões de dólares (143 milhões de euros).
LAGARDE
Entre os clientes do HSBC na Suíça estão 220 cidadãos portugueses, além de outros 391 indivíduos ou sociedades com ligações a Portugal
Nenhum dos nomes dos beneficiários portugueses foi divulgado até ao momento. Mas as revelações estão apenas no início. Só neste domingo é que começaram a ser publicados os primeiros nomes pelo ICIJ e por alguns dos jornais mais influentes na Europa.
O ICIJ publica informação sobre 61 pessoas, que inclui, por exemplo, Mohammed VI, rei de Marrocos, Abdullah II, rei da Jordânia, o designer de moda Valentino, a modelo Elle McPherson, o ator Christian Slater, o banqueiro Edouard Stern e o motociclista Valentino Rossi.
Segundo a descrição feita por vários jornais envolvidos na investigação, como o Le Monde ou o The Guardian, os documentos agora analisados e revelados permitem concluir que o HSBC prestava vários serviços duvidosos aos seus clientes: permitia levantar maços de notas em diversas divisas; vendia agressivamente serviços para evitar o pagamento de impostos nos países de origem dos clientes; ajudava esses clientes a esconderem contas-fantasma das autoridades fiscais dos nacionais; concedia contas a criminosos internacionais, homens de negócios corruptos e indivíduos de alto risco.
Toda a informação que está a ser publicada agora, na verdade, corresponde ao que ficou conhecido como a Lista Lagarde, por ter chegado em 2008 às mãos de Christine Lagarde quando a atual presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI) era ministra das Finanças em França. E foi partilhada com muitos governos, para que pudessem averiguar eventuais casos de fraude e evasão fiscal, incluindo os Estados Unidos, Espanha, Itália, Alemanha, Reino Unido, Irlanda, Índia, Bélgica e Argentina.
“Lagarde não falou comigo”, diz Teixeira dos Santos
Mas e Portugal ficou de fora? “Não houve contactos políticos bilaterais com França sobre o assunto”, assegura Fernando Teixeira dos Santos, ministro das Finanças entre 2005 e 2011.
“Recordo-me que essa lista foi abordada numa reunião do Eurogrupo ou do Ecofin [conselho europeu de ministros das Finanças], em que se falou da necessidade de partilhar informação, mas a ter havido uma cedência dos dados a Portugal isso aconteceu entre autoridades fiscais e não a nível político”, esclarece o antigo membro dos governos socialistas de José Sócrates.
A Lista Lagarde ficou famosa, sobretudo, por causa da Grécia. Foi aí, aliás, que ganhou esse nome. Christine Lagarde entregou em outubro de 2010 uma base de dados ao seu homólogo de Atenas com cerca de dois mil nomes de cidadãos gregos que estavam eventualmente a fugir aos impostos. O ministro das Finanças grego na altura, Giorgios Papakonstantinou, recebeu um CD com os dados mas nunca promoveu qualquer investigação.
“Não houve contactos políticos bilaterais com França sobre o assunto”, afirma Teixeira dos Santos, antigo ministro das Finanças
Em 2012, as autoridades em Atenas alegaram que a coisa foi ainda mais grave: Papakonstantinou tinha retirado da lista os nomes de três familiares. Entretanto , foi acusado de falsificação de documentos e abuso de confiança e vai a julgamento em 2015.
Num dos artigos publicados este domingo pelo ICIJ, o economista francês Thomas Piketty, autor de O Capital no Século XXI, sublinhou a importância destas revelações: “A indústria dos offshores é uma grande ameaça para as instituições democráticas e para o nosso contrato social. A opacidade financeira é um dos factores que explicam o aumento da desigualdade a nível global. Ela permite que uma parte significativa das camadas mais ricas da população beneficie de taxas fiscais muito pequenas, enquanto todos os outros tenham de suportar taxas de imposto elevadas para sustentar os serviços públicos, como a educação, a saúde e as infraestruturas, que são indispensáveis para o desenvolvimento da sociedade.”
Estima-se que haja sete biliões de euros (leu bem: um 7 com 12 zeros atrás) escondidos em offshores. Isto é, em contas bancárias cujos titulares são empresas sedeadas em paraísos fiscais e cujos beneficiários finais são apenas conhecidos por muito pouca gente dentro dos bancos. Esta avalanche representa 180 mil milhões de euros por ano em impostos que não entram nos cofres públicos.

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