ACRESCIDA À PRÓPRIA PERSONALIDADE E À CIRCUNSTÂNCIA DE PERTENCER A UMA NOVA GERAÇÃO
XAVIER DE FIGUEIREDO *
Oinesperado encontro que em 7 de Fevereiro de 2015 reuniu Filipe Nyusi e Afonso Dhlakama foi especialmente facilitado pela atitude “mais compreensiva e aberta” que o novo Presidente revela relativamente à resolução dos diferendos entre o Governo e a Renamo, que vê como condição para a criação de um salutar ambiente político interno.
A atitude de Filipe Nyusi é considerada reflexo da sua própria personalidade e da circunstância de pertencer a uma nova geração; mas também produto do entendimento que tem de que a sua afirmação como chefe de Estado dependerá também da capacidade de apaziguamento que demonstrar, de modo a poupar o país de tensões.
Estão identificados na população moçambicana sentimentos de apreensão e temor associados a riscos de instabilidade política e militar, normalmente encarados como “condição” para uma guerra civil como a que no passado provocou extensas devastações materiais e sofrimento humano.
Na preparação do encontro, a que se seguiu outro, 9.Fev, o qual vincou a ideia de se estar perante um processo, foram registados detalhes considerados reveladores do espírito de abertura mais amplo que Filipe Nyusi cultiva tendo em vista mitigar/resolver pendências geradoras de tensões com a Renamo.
Foi sua a sugestão para que o encontro, informal, tivesse lugar “em casa” de Afonso Dhlakama, considerando-se assim o HOTEL de Maputo em que o mesmo habitualmente se hospeda; o propósito foi o de o poupar de embaraços que eventualmente adviriam de um acto solene, mais facilmente interpretado como “capitulação”.
Riscos para Dhlakama
A abertura do diálogo com Filipe Nyusi expõe Afonso Dhlakama ao risco de se desacreditar ante a ampla basede apoio que mobilizou e galvanizou com um discurso considerado “extremista”; só poderá esvaziar o risco se no termo do processo puder apresentar resultados que não sejam vistos como “perdas”.
Também se considera, porém, que ao condescender na tomada de posse dos eleitos da Renamo para a Assembleia da República e assembleias provinciais, Afonso Dhlakama anulou uma ameaça interna que se começava a perfilar, por via do eventual surgimento de casos individuais de rebeldia ao “boicote”.
2. Um desfecho positivo dos esforços de Filipe Nyusi no que toca a um entendimento com Afonso Dhlakama também terá reflexos no seio do próprio regime e da Frelimo, por tender a fortalecer uma corrente interna que advoga a retirada do anterior Presidente, Armando Emílio Guebuza (AEG), do cargo de presidente do partido.
Um movimento de pressão tendente a levar AEG a ceder a presidência do partido a Filipe Nyusi começou a ser notado logo após a investidura do novo Presidente. O leitmotiv respectivo é o de que a actual “bicefalia” de poder prejudica o processo de decisão política no Estado e não favorece a afirmação do novo Presidente.
O modelo de poder em Moçambique, em certos aspectos ainda “tocado” por realidades da época da Frelimo como partido único, revolucionário, sujeita o Estado ao escrutínio do partido em aspectos como organização, funcionamento e decisão. No actual quadro o fenómeno tem dado azo a casos de mal estar:
- AEG, na qualidade de presidente do partido, interferiu na escolha dos novos governantes; o Governo emana do partido, mas é chefiado pelo Presidente.
- Depois das reuniões do Conselho de Ministros, às terças-feiras, AEG convoca normalmente para a sede do partido os ministros para “briefings” apresentados como destinando-se a preparar as reuniões da CP da Frelimo, às quintas-feiras.
3. A escolha de Filipe Nyusi como candidato da Frelimo às eleições presidenciais foi promovida e apoiada por históricos da Frelimo, a maior parte dos quais antigos comandantes (depois generais), macondes oriundos deCabo Delgado, hoje em dia quase todos dedicados a negócios privados.
O que mais se evidenciou foi o antigo ministro da Defesa, Alberto Chipande, que parece ver o actual Presidente como um “pupilo” – que inclusivamente precisa da sua ajuda e protecção. O único veterano da Frelimo que defende o status da “bicefalia” é Mariano de Araújo Matsinha.
Foi da lavra de Alberto Chipande uma medida que levou à substituição de parte do pessoal da força de protecção de Filipe Nyusi, escolhido por AEG. Em seu lugar foram colocados outros sugeridos por Alberto Chipande. AEG reagiu com desagrado à iniciativa. Aparentemente AEG não faz tenção de deixar a presidência da Frelimo noutro quadro que não seja no congresso ordinário de 2016. Além de pretender sair no momento próprio e com a dignidade que considera devida, pretende manter nas suas mãos um instrumento de poder e influência.
Ainda na qualidade de Presidente da República mandou suspender a repetição de um programa semanal daRM, animado por comentadores do G40, porque alguns deles advogavam categoricamente que à sua retirada da presidência devia corresponder retirada igual da liderança do partido.
Ao novo Presidente também são atribuídos sentimentos de desconfronto em relação à “bicefalia”; correm rumores de que há cerca de duas semanas se juntou no Bilene a alguns macondes influentes para um retiro destinado a analisar a actual situação; foram aí feitos comentários negativos à “tutela” de AEG.
4. Desde o momento da sua apresentação como candidato presidencial da Frelimo, geralmente acolhida com estupefacção por se tratar de um desconhecido, até ao presente, Filipe Nyusi tem vindo a capitalizar política e pessoalmente com um traço considerado distintivo da sua personalidade – simplicidade/humildade.
No dia do segundo encontro com Afonso Dhlakama, 9.Fev, Filipe Nyusi fez 56 anos. A efeméride só foi conhecida porque o aniversariante pediu ao seu interlocutor um abreviamento do encontro de modo a poder dispor de tempo para festejar a data com a família.
Nas tradições anteriores a tais efemérides era prestada importância de Estado.
* no Africa Monitor Intelligence
CORREIO DA MANHÃ – 12.02.2015
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