quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Espírito de diálogo com Dhlakama afirma Nyusi como Presidente


Ouvir com webReader
ACRESCIDA À PRÓPRIA PERSONALIDADE E À CIRCUNSTÂNCIA DE PERTENCER A UMA NOVA GERAÇÃO
XAVIER DE FIGUEIREDO *
Oinesperado encontro que em 7 de Fevereiro de 2015 reuniu Filipe Nyu­si Afonso Dhlakama foi especialmente facilitado pela atitude “mais com­preensiva e aberta” que o novo Presidente revela relativamente à resolução dos diferendos entre o Governo e a Renamo, que vê como condição para a criação de um salutar ambiente político interno.
A atitude de Filipe Nyusi é considerada reflexo da sua própria personalidade e da circunstância de per­tencer a uma nova geração; mas também produto do entendimento que tem de que a sua afirmação como chefe de Estado dependerá também da capacidade de apaziguamento que demons­trar, de modo a poupar o país de tensões.
Estão identificados na população moçambicana sentimentos de apreensão e temor associados a riscos de instabilidade política e mi­litar, normalmente encarados como “condição” para uma guerra civil como a que no passado provocou extensas devastações materiais e sofrimento humano.
Na preparação do encon­tro, a que se seguiu outro, 9.Fev, o qual vincou a ideia de se estar perante um processo, foram registados detalhes considerados reve­ladores do espírito de aber­tura mais amplo que Filipe Nyusi cultiva tendo em vista mitigar/resolver pendências geradoras de tensões com a Renamo.
Foi sua a sugestão para que o encontro, informal, tivesse lugar “em casa” de Afonso Dhlakama, consideran­do-se assim o HOTEL de Maputo em que o mesmo habitualmente se hospeda; o propósito foi o de o poupar de embaraços que eventualmente adviriam de um acto solene, mais facilmente in­terpretado como “capitulação”.
Riscos para Dhlakama
A abertura do diálogo com Filipe Nyusi expõe Afonso Dhlakama ao risco de se desa­creditar ante a ampla basede apoio que mobilizou e galvani­zou com um discurso conside­rado “extremista”; só poderá esvaziar o risco se no termo do processo puder apresentar resultados que não sejam vistos como “perdas”.
Também se considera, porém, que ao condescender na tomada de posse dos eleitos da Renamo para a Assembleia da Repúbli­ca e assembleias provinciais, Afonso Dhlakama anulou uma ameaça interna que se começa­va a perfilar, por via do eventual surgimento de casos individuais de rebeldia ao “boicote”.
2. Um desfecho positivo dos esforços de Filipe Nyusi no que toca a um entendimento com Afonso Dhlakama também terá reflexos no seio do próprio regime e da Frelimo, por tender a fortalecer uma corrente inter­na que advoga a retirada do anterior Presidente, Armando Emílio Guebuza (AEG), do cargo de presidente do partido.
Um movimento de pressão tendente a levar AEG a ceder a presidência do partido a Filipe Nyusi começou a ser notado logo após a investidura do novo Presidente. O leitmotiv respectivo é o de que a actual “bicefalia” de poder prejudica o processo de decisão política no Estado e não favorece a afirmação do novo Presidente.
O modelo de poder em Mo­çambique, em certos aspectos ainda “tocado” por realidades da época da Frelimo como partido único, revolucionário, sujeita o Estado ao escrutínio do partido em aspectos como organização, funcionamento e decisão. No actual quadro o fenómeno tem dado azo a casos de mal estar:
- AEG, na qualidade de pre­sidente do partido, interferiu na escolha dos novos gover­nantes; o Governo emana do partido, mas é chefiado pelo Presidente.
- Depois das reuniões do Conselho de Ministros, às terças-feiras, AEG convoca normalmente para a sede do partido os ministros para “brie­fings” apresentados como destinando-se a preparar as reuniões da CP da Frelimo, às quintas-feiras.
3. A escolha de Filipe Nyusi como candidato da Frelimo às elei­ções presidenciais foi promovida e apoiada por históricos da Frelimo, a maior parte dos quais antigos comandantes (depois generais), macondes oriundos deCabo Delgado, hoje em dia quase todos dedicados a negócios privados.
O que mais se evidenciou foi o antigo ministro da Defesa, Alberto Chipande, que parece ver o actual Presidente como um “pupilo” – que inclusiva­mente precisa da sua ajuda e protecção. O único veterano da Frelimo que defende o status da “bicefalia” é Mariano de Araújo Matsinha.
Foi da lavra de Alberto Chi­pande uma medida que levou à substituição de parte do pessoal da força de protecção de Fili­pe Nyusi, escolhido por AEG. Em seu lugar foram colocados outros sugeridos por Alberto Chipande. AEG reagiu com desagrado à iniciativa. Aparen­temente AEG não faz tenção de deixar a presidência da Frelimo noutro quadro que não seja no congresso ordinário de 2016. Além de pretender sair no mo­mento próprio e com a dignidade que considera devida, pretende manter nas suas mãos um ins­trumento de poder e influência.
Ainda na qualidade de Presiden­te da República mandou suspen­der a repetição de um programa semanal daRM, animado por comentadores do G40, porque alguns deles advogavam catego­ricamente que à sua retirada da presidência devia corresponder re­tirada igual da liderança do partido.
Ao novo Presidente também são atribuídos sentimentos de desconfronto em relação à “bicefalia”; correm rumores de que há cerca de duas semanas se juntou no Bilene a alguns macondes influentes para um retiro destinado a analisar a actual situação; foram aí feitos comentários negativos à “tute­la” de AEG.
4. Desde o momento da sua apresentação como candidato presidencial da Frelimo, geralmen­te acolhida com estupefacção por se tratar de um desconhecido, até ao presente, Filipe Nyusi tem vin­do a capitalizar política e pessoal­mente com um traço considerado distintivo da sua personalidade – simplicidade/humildade.
No dia do segundo encontro com Afonso Dhlakama, 9.Fev, Fili­pe Nyusi fez 56 anos. A efeméride só foi conhecida porque o aniver­sariante pediu ao seu interlocutor um abreviamento do encontro de modo a poder dispor de tempo para festejar a data com a família.
Nas tradições anteriores a tais efemérides era prestada importância de Estado.
* no Africa Monitor Intelli­gence
CORREIO DA MANHÃ  – 12.02.2015

Sem comentários: