segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Descentralização ou embuste?


15.02.2015
JOSÉ MENDES
Pela enésima vez, Miguel Poiares Maduro afirmou que Portugal é um dos países mais centralizados da Europa. É sempre um bom ponto de partida enunciar de forma clara o problema em mãos. Mas este gesto de humildade só se torna eficaz se for seguido de uma visão para o futuro e da estratégia adequada para a sua realização. E por muita boa vontade que o ministro vá manifestando, a verdade é que a sociedade ainda não percebeu o que quer este país ser em matéria de descentralização.
Com a publicação do Decreto-Lei 30/2015, que regula o regime de delegação de competências para os municípios e para as comunidades intermunicipais, está lançada a polémica. O governo adotou um caminho que não parece convencer ninguém, pelo que vale a pena recuar e olhar a questão de forma mais estruturada.
Antes de tudo, quando se diz que Portugal é centralizado pretende-se enfatizar o facto de mais de 10 milhões de pessoas, distribuídas por um território de mais de 90 mil quilómetros quadrados, serem governadas a partir de um centro de comando instalado em Lisboa e operado por personagens que acham que para lá da Golegã tudo é província. Esta separação, física e conceptual, entre governantes e governados configura uma brutal violação do princípio da subsidiariedade, algo que, num registo mais coloquial, se pode designar por "cancro nacional".
A tal visão que deve suceder ao enunciado seria algo como"Portugal quer ser um dos países menos centralizados da Europa". E, já agora, menos centralistas também. Mas essedesígnio não se vislumbra, nem no papel nem na vontade nem nos atos, pela simples razão de que aquilo que serve aos donos do atual sistema é que nada de substancial mude.
Ultrapassada, por omissão, a visão, o Governo lança-se à estratégia. E é aqui que se descobrem todas as fragilidades de um processo que não é credível. A resposta constitucional à centralização é a regionalização, pelo que este é o dossier que está a montante. É verdade que os portugueses se pronunciaram sobre esta matéria em referendo em 1998. Mas também é verdade que o modelo proposto na altura era apenas um, de entre muitas possibilidades. Há hoje condições para equacionar um processo de regionalização inteligente, racional, sem multiplicação de estruturas, que tenha por mote a aproximação dos processos de decisão às regiões e às suas populações. Qualquer estratégia de descentralização que pretenda mudar o estado de coisas neste país deve começar por aí.
Aforma clássica de tornear a opção da regionalização é endereçar diretamente os municípios. E aí entramos num mar de contradições. O Governo, depois de andar a fechar serviços públicos por grosso em boa parte do território, invocando que os municípios não têm escala, a procura é baixa e outros argumentos do género, vem agora propor contratos interadministrativos para a delegação de competências, num exercício em que parece apenas procurar atirar responsabilidades e custos para as autarquias.
Manuel Machado, presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e também da Câmara Municipal de Coimbra, foi lapidar relativamente a este processo agoraencetado pelo ministro Poiares Maduro. É apressado, carece de estudos de impacto e desconsidera por completo as limitações financeiras e de recrutamento das autarquias.
Opresidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, veio também já dizer que não aceitará qualquer nova competência sem que a questão do financiamento das autarquias seja devidamente tratada. E recupera um conjunto de questões em que o Governo tem atropelado os interesses da Autarquia portuense, do horário de trabalho aos transportes e aos impostos, para concluir que desconfia deste ímpeto descentralizador.
Com mais ou menos polémica, lá aparecerão uns quantos autarcas a aderir ao seu programa piloto. Os governos encontramsempre nos municípios, nas universidades e nas associações uns camaradas para alinhar no peditório a troco de qualquer rebuçado. Mas é preciso dizer alto e com todas as letras que há uma diferença semântica entre delegação de competências e descentralização. O que está a ser feito é um embuste. Assim, nada mudará.

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