sábado, 14 de fevereiro de 2015

A VIDA NO CAMPO


Alcunhas


por JOEL NETO

Aqui chamam-se apelidos, e eu ponho-me com a minha mãe a fazer listas.Há os antropomórficos (Barbado, Carrapicho, Fininho, Fuso, Rasteiro) e os que, não sendo zoomórficos, são pelo menos zoológicos (Besouro, Choco, Formiga, Gatinho, Porca Amarela). Uns podiam ser apelidos mesmo, nomes de família a sério (Branco, Camurça, Galão, Poeira), e outros só se o funcionário do registo estivesse com os copos (Bambela, Bilhoco, Sobica, Xairela, Xidoca, Zabela, Zaranza).

Alguns hão-de vir da profissão de um pai ou de um avô (Cabreiro, Bispo) e outros dos vegetais cultivados lá em casa (Batatinha, Sarralha). Nuns casos a origem é a geografia (Das Bicas, Da Serra, Varedas) e noutros ainda a dinastia, tantas vezes matriarcal (Da Aninhas, Das Bernardas).

Há os que falam de singularidades de expressão (Jadeu), de ausência de expressão (Mudo) e mesmo de excesso de expressão (Ligeiro).

Há diminutivos (Cachinha, Casquinha, Estacinho, Estevinho, Zanguinha) e há pronomes possessivos (Nosso). Há, como seria de esperar, aqueles que lembram idiossincrasias infelizes (Cara Suja, Chorica, Valhaquinho) e até aqueles cujo nascimento é melhor nem lembrar (Peidão, Cagão).

São as alcunhas da Terra Chã. Podia escrever-se a biografia de um lugar a partir apenas das suas alcunhas. Um romance inteiro só imaginando as origens delas.

Falham-me as grafias de várias. Não sei se Sobica é com "o" ou com "u". E Besouro, dizendo-se "Bisoiro", talvez devesse escrever-se Bisoiro também.

De qualquer modo, chamar Rasteiro a um homem não é a mesma coisa que chamar-lhe Anão. E a profusão de diminutivos faz-me crer que sempre houve nisto uma certa ternura.

Sobre o tal bispo, não sei nada, mas vou tentar saber.

Por mim, ainda não tenho apelido. Talvez um dia me chamem Nosso.
Artigo Parcial



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