terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

“A inclusão não deve ser avaliada por um grupo pequeníssimo no Governo” - Manuel Tomé

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A sua voz fez-se ouvir durante anos através do jornalismo e a sua acção enquanto político fizeram com que se tornasse uma referência na sociedade moçambicana. 
Em entrevista ao programa MOZEFO,  Manuel Tomé defende não só a criação de mais espaços de discussão de ideias em Moçambique, como também a sabedoria do povo.
Cristiana Pereira: Que potencial viu no MOZEFO que o fez tomar a decisão de integrar a Comissão de Honra?
Manuel Tomé: Eu acho que tenho, nalguns momentos, dificuldade em separar a capa de jornalista, político e cidadão. Para mim, é um privilégio muito grande fazer parte do MOZEFO e as razões que me fizeram aderir a este projecto é porque este é um espaço muito privilegiado para a produção de ideias. Este espaço permite o choque de opiniões, o cruzamento de conhecimentos através do debate, sendo que é um instrumento muito importante na produção de ideias, decisões que são importantes e necessárias para o desenvolvimento  do país. Aquilo que é a minha experiência quer como jornalista quer como político quer ainda como cidadão é que está condenado à estagnação.  Tudo isto me fez pensar que seria uma forma também de contribuir para o desenvolvimento do país participando no MOZEFO, interagindo com diversos sectores da sociedade e produzindo ideias que podem ser utilizadas pelas instituições públicas e também pelo sector privado.
Tomás Vieira Mário: Existe um mosaico partidário que não se reflecte na sociedade em termos de diversidade de projectos e diversidade de doutrinas para produzir o tal choque de que fala.
Manuel Tomé: Eu acho que tem razão em determinada medida mas isso corresponde à nossa fase de crescimento como país, sociedade e como um regime multipartidário onde há muitos partidos que em princípio deveriam responder a um quadro de ideias diferenciadas. Se reparar nos problemas que nós temos, vai depressa concluir que todos nós estamos interessados em resolver esses mesmos problemas. É, por isso, que não há muita diferenciação quando nós falamos nos problemas da pobreza, emprego, crescimento da economia ou dos transportes. Por isso, não há uma grande diferença, haveria se provavelmente estivéssemos a falar em termos ideológicos mas não se trata do caso só de Moçambique mas no mundo inteiro, os partidos são cada vez menos ideológicos e mais pragmáticos. Portanto, eu não vejo que seja um problema grave. O que eu acho é que os partidos têm que ir ganhando cada vez mais relevância com experiência que ganham nas eleições com o aperfeiçoamento nas formas de organização do partido e também com o crescimento do próprio debate interno. Todos os partidos têm relevância à medida das suas capacidades e da sua relevância.
Cristiana Pereira: Afirmou que ‘os partidos podem crescer com o MOZEFO’ e que ‘os partidos devem ganhar mais relevância’. Pode aprofundar um pouco esse pensamento?
Manuel Tomé:  Estando no MOZEFO, naturalmente os partidos não participam de forma institucional, mas participam através dos seus membros e no cruzamento de ideias, ganhando também conhecimento. Um fórum de debate é um fórum que produz conhecimento e põe ao dispor dos participantes conhecimentos que saem de cada um. Como é que os partidos ganham maior relevância? Incluindo o meu. Tem que ganhar cada vez maior relevância. Nós não chegamos a um ponto em que somos perfeitos, não somos impecáveis. Nós temos sempre fraquezas a corrigir e virtudes a fortalecer.
Cristiana Pereira: Às vezes, diz-se que os partidos têm muito peso na sociedade, nas empresas, nas instituições. Haverá esse risco ou não?
Manuel Tomé:  Eu não acho que isso seja um risco. Os cidadãos podem decidir que têm a forma de promover as suas ideias em partidos políticos. Não vejo que haja algum problema. O que acontece muitas vezes é que os partidos políticos assumem com demasiada força esta ideia de que conquistaram o poder. Quando se conquista o poder é para servir o cidadão. Portanto, é aquele partido que mostra que tem as melhores ideias, o melhor projecto, que é o escolhido. Esse projecto é para servir a sociedade. Aí é que, às vezes, as coisas podem falhar porque em alguns casos podem cometer -se erros quando um determinado partido ganha as eleições e começa a servir a si próprio. E isso é que não é correcto. As pessoas que assumem o poder têm que ter espírito de missão, é uma espécie de sacerdócio para servir os outros e não para se servir a si próprios.
Tomás Vieira Mário: Falou de inclusividade. Um dos eixos do MOZEFO é participação e inclusão, e também um dos temas no discurso presidencial. Qual é a interpretação de inclusão?
Manuel Tomé: O Tomás quando aborda este assunto faz a interpretação correcta, que foi a expressa pelo Presidente, que é a participação neste dever de cidadania que todos têm e não necessariamente a eliminação da oposição pela sua absorção pelo Governo. Se a oposição entra no Governo, deixa de haver oposição. A menos que à partida haja uma coligação partidária que, entrando em eleições, ao ganhar, tem um programa comum, não há problema nenhum já que estarão outros partidos na oposição mas, neste caso, não há nenhuma plataforma eleitoral ou coligação. Eu penso que não é por ai porque essa é uma visão demasiado estreita e não contempla a maioria dos cidadãos. Os cidadãos têm que sentir que participam nos processos. O Governo tem vinte e poucos ministros, a oposição teria quantas pastas? Quatro, cinco?
Cristiana Pereira: E haveria espaço para um independente ou para um ‘não alinhado’ dentro desse espírito de inclusão?
Manuel Tomé: O meu ponto continua a ser: a inclusão não deve ser avaliada por um grupo pequeníssimo no Governo.  Quando falamos do aparelho do Estado falamos em mais de uma centena de milhar de funcionários. Como é que esses funcionários são integrados? É por via do seu profissionalismo? Da sua competência? Se for esse o caso, correcto! É assim que deve ser. Então eu não estou muito preocupado com a catalogação das pessoas, se é de um partido, se é independente. O Presidente é que tem a prerrogativa de indicar as pessoas e sabe qual é a pessoa que está em melhores condições para fazer parte de um todo, tomando em consideração entre outros aspectos a sua competência, o seu profissionalismo, mas também a capacidade de fazer parte de uma equipa.
Cristiana Pereira: O MOZEFO pretende criar esse espaço de participação e de debate. O que é que se passa nos bastidores dos centros de decisão quando surgem propostas. De que forma é que são integradas?
Manuel Tomé: Eu não estou no centro de tomada de decisão mas posso falar da minha experiência. Os processos no Parlamento têm procedimentos que incluem processos administrativos, legais para se verificar a constitucionalidade das leis, o seu enquadramento, sustentabilidade. E ai é um processo um pouco mais complexo do que por exemplo numa comissão política onde chegam sensibilidades dos cidadãos, dos militantes na base e aquilo pode ser rapidamente transformado numa deliberação ou pode levar a uma discussão aprofundada e pode chegar-se à conclusão de que a complexidade do assunto é tão grande que terá que ser debatido ao nível de um comité central ou mesmo até de um congresso. No partido, as coisas são mais fáceis, na assembleia leva-se um pouco de mais tempo. É só irmos para o código do processo penal que se chegou à conclusão que se tinha que fazer a revisão e vejam o número de anos que este processo está a levar. Depende muito dos assuntos e de fóruns.
Cristiana Pereira: Foi durante muitos anos director da Rádio Moçambique e secretário-geral do Sindicato Nacional dos Jornalistas. Como homem dos media, que valor é que um grupo de media pode dar a um fórum como o MOZEFO?
Manuel Tomé: Eu acho que a Cristiana devia fazer essa pergunta ao Tomás Vieira Mário (risos). Os media têm um papel insubstituível e os jornalistas agregados nos seus órgãos de comunicação social ou de maneira independente devem jogar um papel muito importante neste processo de levar os cidadãos a cumprir o seu dever de cidadania. Este fórum MOZEFO pode e deve agregar outros meios de comunicação social porque no fim do dia o que nós queremos é que o fórum seja de facto agregador. Um espaco que demonstre que a cidadania está acima das rivalidades e o serviço ao povo está acima das vaidades individuais.
Tomás Vieira Mário: Há um raciocínio muito presente nos media em como a media moçambicana não está muito atenta a desenvolvimentos positivos, não está muito atenta a experiências de referência. Há casos que nos dão orgulho e que devem ser multiplicados, que pelo contrario a media está concentrada em cobrir pequenos workshops. Como é que acha que podemos abordar o assunto?
Manuel Tomé: Isto tem a ver com a credibilidade dos meios de comunicação social.  Eles têm que conquistar a credibilidade através de um reforço da responsabilidade, da ética e da observância dos princípios de deontologia profissional. Acho que de alguma maneira às vezes, a concorrência é vista de uma maneira muito estreita e leva a que o sensacionalismo ocupe muito espaço nalguns meios de comunicação social e perde-se o foco. Esta valorização dos exemplos a que o Tomás fez referência, nós temos falta disso e provavelmente uma das razões deve-se ao seguinte facto:  se nós verificarmos os meios de comunicação social, em geral, é que quem sai à rua é o repórter júnior. Quem vai fazer reportagem é o repórter júnior. Os seniores já não saem à rua. Aqueles que vão estudando e concluem a licenciatura já não vão à rua, estes ficam nas redacções e são promovidos a editores  ou a chefes de redacção. Eu penso que temos que fazer um grande esforço para que aqueles que assumem a senioridade devem ir à rua fazer reportagens e o trabalho de investigação, já que é esse que credibiliza a comunicação social e, portanto, para a sociedade.  Portanto, isto é um apelo que eu faço. Na altura em que eu era jornalista em exercício, isso acontecia. O jornalismo é fazer a ligação entre os acontecimentos que têm autores na sociedade e de novo o público.  Os jornalistas não inventam os acontecimentos, eles captam a realidade, processam e passam-na ao público. Se eu posso fazer um apelo, é que os meios de comunicação social devem fazer este esforço para não retirarem de maneira descriteriosa os jornalistas seniores da reportagem.
Cristiana Pereira: Se fosse repórter hoje, qual é que seria o tema que escolheria para investigar?
Manuel Tomé: Eu hoje escolheria o desenvolvimento rural porque a maioria do nosso povo vive nas zonas rurais e o desenvolvimento aos poucos vai chegando e é preciso ter uma sensibilidade profunda sobre a diversidade do nosso país. Eu posso estar num lugar onde o mais importante é uma escola e ir para outro e ser água potável. Nós temos um país muito complexo, muito diverso e onde os problemas são também diversificados.  É preciso ter esta visão de maneira sistematizada e organizada para sabermos os recursos de que dispomos e para onde devem ir de facto. Este fórum MOZEFO é muito importante porque pode permitir que académicos e decisores estejam em debate com os destinatários das decisões, os camponeses, que são a maioria do nosso povo. Eu penso que temos que fazer este cruzamento entre o conhecimento científico e a sabedoria do povo. A ciência é conhecimento organizado e a sabedoria, a experiência acumulada, então essa gente que está no campo, que tem um conhecimento indígena, que nem sempre é aproveitada ao participarem num debate ao lado de um académico, de um político ou de um deputado. Penso que ele traria uma sensibilidade nova.
Cristiana Pereira: Fala-se muito dos recursos naturais e nos recursos energéticos. De que forma é que acha que esses recursos devem ser potenciados para o desenvolvimento rural? 
Manuel Tomé: Em primeiro lugar, eu penso que os recursos de que nós dispomos, particularmente os recursos energéticos, vão esgotar-se. Daqui a quarenta, cinquenta, sessenta ou setenta vão esgotar-se e este país não pode dar-se ao luxo de pensar que só esta geração tem direito a coisas. É esta geração e todas as outras que lhe seguirão. Esses recursos vão terminar e depois o que é que fica? Quando se esgotarem, a única coisa que vai fazer avançar o país é o conhecimento e ai nós temos que investir muito. E estes conhecimentos devem ser usados para gerimos de forma correcta esta questão dos recursos energéticos. Como é que nós fazemos para que a exploração seja sustentável e beneficie, em primeiro lugar, os cidadãos, e neste benefício aos cidadãos há sectores que deviam ser privilegiados, sendo o primeiro o da educação. Se nós investirmos como devemos na educação não vamos correr o risco de cada a cinquenta anos após o esgotamento dos recursos não termos como continuar a fazer crescer o pais. Nós conhecemos países que não têm recursos naturais. O Japão não tem recursos, Singapura não tem recursos e entretanto são países com economias muito fortes porque investiram muito no conhecimento.
Cristiana Pereira: Como já é tradição do MOZEFO, pode partilhar connosco qual é a sua visão do futuro de Moçambique.
Manuel Tomé: Não sei se é defeito de educação, eu faço parte de um conjunto de pessoas que criou projectos comuns, defendeu ideais que foram produzidos por muita gente que reflectiam os anseios do povo. E, portanto, aquilo que eu posso ver como futuro de Moçambique é um futuro de facto, brilhante. E eu acho que nós começámos um ciclo político que nos abre perspectivas muito fortes de num espaço relativamente curto Moçambique tornar-se um país onde os cidadãos se sintam felizes por nele viver. Acho que num futuro relativamente próximo, Moçambique será um país de prosperidade e felicidade para todos.

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