sábado, 14 de fevereiro de 2015

A frágil estabilidade social


14.02.2015
DOMINGOS DE ANDRADE
Há um momento em que a frágil estabilidade de uma sociedade rompe e os setores vitais para o seu funcionamento começam a cair, como peças de dominó.
A nossa, sustentada em carregar com dinheiro os problemas, começou visivelmente a ceder em setembro, com a trapalhada na abertura do ano letivo, continuou com a reorganização judicial, teve um pico entre o final do ano e o princípio de 2015 com as urgências. E de nada vale a excelência da gestão, como a que é reconhecida ao ministro da Saúde. Porque, mesmo quando se esquece a voragem das notícias, há um momento em que os problemas voltam. Não porque saiam da mancomunação de jornalistas malvados, mas porque existem de facto, porque a corda foi esticada para lá dos limites.
O relatório da Procuradoria-Geral Distrital do Porto, que o JN tem desenvolvido nas duas últimas edições, é um regresso às dificuldades que a Justiça atravessa e que se julgavam ultrapassadas. A falta de funcionários "é verdadeiramente dramática", as condições dos tribunais são "indignas", os processos encalham. Para termos uma ténue noção da dimensão do caos, é preciso lembrar que a área de jurisdição da Procuradoria do Porto abrange 24% do território nacional, onde se concentram 3,7 milhões de pessoas.
Se a rotura na saúde toca a todos por igual, e a da escola preocupa aos pais muito na medida da necessidade de ter os filhos ocupados, a gravidade do que se passa na Justiça reduz-se, para o comum dos cidadãos, a dois ou três casos mediáticos. E esse centramento acaba por fazer esquecer todo um país real. São milhares de processos que se arrastam muito para além dos prazos da lei, com graves consequências sociais e económicas. Não faltam, de resto, inúmeros estudos internacionais que apontam os atrasos na Justiça como um dos principais e mais negativos fatores de retração do investimento estrangeiro.
Neste dominó social, as consequências das duras políticas de austeridade, que ultrapassaram claramente o mantra de "vivermos acima das possibilidades" que todos adotámos em silêncio, fazem cair peças todos os dias. São os idosos, que tentam sobreviver como podem. Os desempregados, que perderam essa condição nos números da estatística. As crianças, que resistem apenas com a refeição que lhes dão na escola. Ou as empresas em dificuldade, que esbarram com a ineficácia dos tribunais na execução de dívidas.
Este não é um discurso fatalista. É apenas a noção de uma realidade que ainda não está totalmente visível para todos. Mas só não damos conta dela se preferirmos assobiar para o lado.
DIRETOR-EXECUTIVO

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