sábado, 24 de janeiro de 2015

De Atenas a Alcains, Trancoso e Vila do Conde

De Atenas a Alcains, Trancoso e Vila do Conde
23.01.2015
AFONSO CAMÕES
Sendo eu beirão, digo aos meus amigos que também sou galego e do Porto. Pisco o olho a Margueritte Yourcenar e cito, de cor, que "o verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançámos pela primeira vez um olhar inteligente sobre nós mesmos: as minhas primeiras pátrias foram os livros. Em menor escala, as escolas". A força mítica da genial escritora põe Adriano entre duas escolhas: Roma ou Atenas? "Sim, Atenas continua bela"- diz ele a Marco António, futuro imperador - "e eu não lamento ter imposto as disciplinas gregas à minha vida. Tudo o que em nós é humano, ordenado e lúcido provém delas".
Desço aos alicerces da nossa construção civilizacional para lembrar que as eleições do próximo domingo, na Grécia, são quase tão importantes para Atenas como o são para as gentes de Alcains, Odivelas, Trancoso ou Vila do Conde.
Se as sondagens não se enganaram todas, pela primeira vez na história da jovem União Europeia uma tendência da esquerda não convencional - a que muitos chamam de populista e radical - deverá chegar, no domingo, ao governo de um dos estados-membros da União e da Zona Euro, em contraponto a um enorme crescimento dos neonazis na ponta direita do espetro político.
Alex Tsipras, líder do partido Syrisa e muito provável próximo primeiro-ministro em Atenas, antecipa que "a Grécia será o primeiro passo de uma mudança no sul da Europa - Portugal incluído - para recolocar as regras do jogo na União Europeia".
Ressalvadas as circunstâncias, o abalo político grego não deixará de ter réplicas por todo o continente, e também aqui: Grécia e Portugal vão no mesmo comboio, cabe a cada um escrever a sua parte. Sendo que numa União o futuro tem de ser escrito a várias mãos, ou regressamos à barbárie.
O discurso do grego alastrou como rastilho incendiado em pólvora por toda a península a sul dos Balcãs, no país mais castigado pela crise, onde a classe média e o funcionalismo público sofreram de forma mais severa a canga "austeritária" da troika.
Em jogo, depois do esforço titânico de vários anos para equilibrar contas, os gregos vão a votos e querem tudo: continuar no euro e o fim da austeridade.
Eles sabem bem o preço que estão a pagar: recessão, pobreza, desemprego. Valeu a pena? Que Roma (Europa) é esta que queremos?

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