sábado, 6 de dezembro de 2014

Como será a agricultura do futuro?

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 As mudanças climáticas estão a provocar áreas de tensão no regime de chuvas, temperatura ambiental, disponibilidade de solos aráveis e na disponibilidade de água. Os biocombustíveis competem com as culturas alimentares na ocupação dos solos mais férteis.
Que situações poderão resultar destes factores novos e dinâmicos?

Recentes estudos arqueológicos demonstram que a agricultura nasceu há cerca de 12 mil anos. Uma fracção de tempo na longa história da evolução da raça humana. Muitas teorias foram avançadas sobre as motivações desse passo gigantesco que permitiu sair da condição de caçadores e colectores, e adoptar hábitos mais sedentários. Desde então, a humanidade não parou de cruzar outras fronteiras no campo da produção agrícola, nem sempre por caminhos isentos de controvérsia.
Os primeiros que, por exemplo, tentaram adoptar a irrigação artificial devem ter passado por loucos varridos perante os vizinhos.
Fertilizar os campos com esterco não deve ter sido, igualmente, uma prática de fácil aceitação: manusear sujidade e misturá-la com sementes, implicou derrubar tabus e barreiras culturaiscolossais. O mesmo se pode dizer de uma centena de tecnologias de melhoramento genético e lavoura que hoje nos parecem naturais e óbvias, mas que no passado causaram prurido.
A primeira enxertia pode ter surgido por acaso, experimentação ou teimosia, há cerca de 3.000 ano, segundo estimativa dos historiadores. Mas o consumidor comum talvez não tenha a mínima noção de como essa “ideia louca” influenciou a domesticação das fruteiras como a mangueira, videira, oliveira, cajueiro, figueira, laranjeira, etc.
A criação de galinhas (com o nome científico Gallusgallus) é uma das práticas mais comuns em qualquer sociedade. Mas o processo de domesticação passou por várias etapas. São originárias da Ásia, e a partir daí espalharam-seeadaptaram seaosdiferentesclimas. Maisrecentemente, a produção de frangos e ovos tornou-se uma indústria com uma importância gigantesca na economia moderna. Nos meios rurais a galinha é fonte proteica (carne e ovos), reserva económica e moeda de troca. No meio urbano, os frangos e ovos, apesar de serem consumidos por todas as classes, representam os concentrados proteicos mais baratos e acessíveis para a classe média e baixa. Pode-se dizer com alguma segurança que não existem substitutos para o frango e ovo (barato, fácil de transportar e conservar).
Mas há uma história sobre o frango que o consumidor nem sempre sabe. O frango é abatido aos 35 dias. Nessa altura ainda é um pinto. Um pinto gigante. O que nos é dado a consumir, na realidade, é um pinto com apenas 5 semanas de vida, gigante. Para se chegar a esse ponto foi preciso um trabalho apurado no campo de melhoramento genético e de formulação de rações de engorda.
Nos últimos tempos, somos confrontados com uma avalanche de técnicas de manipulação genética que nos colocam na fronteira de certos princípios sociais, éticos, culturais, legais e científicos. É possível manipular a coloração, a resistência a pragas, o tamanho dos frutos, sua consistência, e até o ciclo vegetativo. É possível acrescentar- -lhes características inimagináveis.
A globalização pôs a nu possibilidades imensas de fontes alimentícias praticadasporcomunidadesisoladas. Descobrimosquelagartos, serpentes, algas, ratos, formigas, rãs, morcegos, larvas, besouros, escaravelhos, lagartas, aranhas, abelhas, gafanhotos, cães, gatoseanimaiseplantasselvagens de diferente ordem fazem parte da dieta de certas comunidades.
Se qualquer delas for adoptada em massa, como aconteceu com a vaca, o porco e o frango, poderá significar uma mudança radical nos hábitos alimentares da Humanidade.
E não se trata de nenhuma utopia. Há casos recentes e bem concretos. Por exemplo, a avestruz. Há 50 anos podia parecer bizarro ter uma criação de avestruzes. Mas hoje há milhares delas espalhadas pelo mundo inteiro, aproveitando-se a carne, os ovos e as penas.
Também há 50 anos, ninguém pensava em criar massivamente crocodilos. Hoje é prática comum, não só para peles como também para carne (a carne da cauda é muito apreciada).
A explosão demográfica e a urbanização vão certamente resultar no crescimento abrupto da demanda e surgimento de novos hábitos alimentares, essencialmente urbanos. As mudanças climáticas estão a provocar áreas de tensão no regime de chuvas, temperatura ambiental, disponibilidade de solos aráveis e na disponibilidade de água. Os biocombustíveis competem com as culturas alimentares na ocupação dos solos mais férteis. Que situações poderão resultar destes factores novos e dinâmicos?
Para além da engenharia genética, a tecnologia não pára de surpreender. Por exemplo, concentrados proteicos e energéticos vivos já são produzidos laboratorialmente: isto é, carne que não provém necessariamente de um animal conhecido. Imagine um hambúrguer totalmente produzido em laboratório! Os alimentos vegetais “artificiais” também estão a ser testados em laboratório. Imagine-se agora a chamada “comida inflável” que já foi testada em Israel e há quem ache interessante ver uma pílula transforma-se em refeição do tamanho que queremos; novas técnicas de fertilização e combate às pragas são anunciadas; e métodos revolucionários como a hidroponia e aquaponia, que consistem cultivar plantas sem solo – só em água com nutrientes, reclamam um espaço como formas de promover a sustentabilidade e a racionalidade de recursos.
No meio de tudo isto, a única coisa certa é que a agricultura vai continuar a desenhar novas fronteiras, nas dimensões territorial, demográfica, científica, económica, tecnológica, política e social.
O resto continuará encoberto num manto de incertezas e mistérios. Resta-nos acreditar que as fronteiras da agricultura do futuro nos manterão nos limites da dignidade, alimentação saudável e sustentabilidade ambiental.

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