terça-feira, 9 de dezembro de 2014

AS MINHAS FELICITAÇÕES AO PRESIDENTE GUEBUZA


 Categoria: Opinião Publicado em 05 fevereiro 2014
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Por Egídio G. Vaz Raposo
Guebuza2006
O grande desafio de Armando Guebuza foi não ter conseguido um diálogo formidável entre as elites que permitisse gerar a confiança sobre as suas decisões. Há escassos meses do Presidente Guebuza deixar o poder, sinto-me compelido a reconhecer nele algumas qualidades excepcionais, que marcaram diferença na sua governação. 

Se quiséssemos dividir os três presidentes do Moçambique independente de acordo com o TEMPO e os factores que DENOMINARAM a governação, diríamos o seguinte:
• O Presidente Samora governou no tempo de guerra – no clímax da guerra fria e da bipolarização mundial, da guerra civil e do isolamento ideológico regional, da euforia da independência e dos sacríficos que o povo tinha que consentir para defender a independência nacional.
• O Presidente Chissano governou no tempo de Partidos Políticos – Da emergência da democracia multipartidária, da experimentação dos primeiros modelos de participação política multipartidária, da proeminência dos partidos políticos como interlocutores de vários projectos de sociedade. 
• O Presidente Guebuza governa no tempo do cidadão – da institucionalização efectiva de mecanismos de participação contra-hegemónicos, das tecnologias de informação e comunicação e da sofisticação da crítica à governação.
Em termos comparativos, o Presidente Guebuza governa no tempo mais difícil da história deste país, ante a falência da promessa de partidos políticos, da falência dos modelos de governação neolibeirais e excludentes, da falência dos mecanismos de participação pública hegemónicos e acima de tudo da promessa de um futuro melhor. 
• O escrutínio sobre os governantes nunca foi tão cerrado como o foi durante a governação de Armando Guebuza
• Os mecanismos de crítica, de denúncia e de protesto nunca foram tão sofisticados, documentados, factuais e eficazes como o são agora. E a tendência promete ser ainda mais acirrada com o avanço e cada vez acesso democratizado e não censurado das tecnologias de comunicação e informação
• Ante a frelimização do social (que inclui a supremacia do partido Frelimo sobre o Estado, suas instituições e actores), a destituição da “incerteza eleitoral” como característica da competição partidária, da instrumentalização da violência como estratégia política para a privatização do campo político pelos dois partidos beligerantes, assiste-se o agigantar de uma necessidade catártica de purgar o sistema político moçambicano de maus hábitos e devolva à política, a responsabilidade de resolver os problemas do povo. 
Resultante do seu estilo próprio de governação centralizadora, Guebuza chamou a si a responsabilidade de oferecer aos moçambicanos aquilo que faltou nos últimos trinta anos: inclusão económica. Um ideário cuja semente foi lançada com o programa de “sete milhões” e que se revelou mais criador de problemas que soluções. Não irei debater aqui os méritos e deméritos desta iniciativa porque a minha intenção é mostrar porquê devemos parar e apreciar alguns bons feitos passíveis de serem continuados na próxima geração de governantes.
1. Guebuza é o Presidente que mais ouviu os cidadãos. Através da Presidências Abertas, ele foi até à localidade e posto administrativo aconselhar-se pelo líder comunitário e conceder audiência a cidadãos para quem seria impensável serem ouvidos pelo Administrador! Este Presidente tem o mérito de pelo menos ter ouvido de forma cíclica, permanente e metódica os cidadãos aos mais variados níveis. Criou espaço para a inclusão de opiniões de todos. Ora, se estas opiniões foram tidas em conta, este é outro problema.
2. Guebuza foi o presidente que mais deixou-se influenciar pelos cidadãos – Armando Guebuza é o primeiro presidente que mais respostas deu aos cidadãos ao longo da sua governação. Enquanto Samora podia levar 4 horas num comício popular a explicar e “incutir no povo” os valores da revolução e do homem novo, Chissano preocupou-se mais em arrumar a casa para a participação política de todos os partidos políticos e lançou bases para relações institucionais patrimonialistas entre políticos, Guebuza irritou-se e irritou cidadãos, numa interacção crítica jamais vista. No seu último mandato, não houve se quer um único discurso em que não aproveitou a oportunidade para “responder” aos seus “críticos”. E por sua vez, não houve se quer uma única semana em que Guebuza não apareceu nas redes sociais ou na mídia tradicional como o vilão responsável pela pobreza de todos moçambicanos e do subdesenvolvimento do país. Quando em 2009 tentou ignorar, o povo obrigou-o a responder e até hoje, ele é o cidadão respondão. Eu prefiro um presidente que me responde que aquele que me ignora. E como todos defeitos que ele tenha, precisamos reconhecer que ele respondeu sempre a sua maneira provocadora e irritante as críticas.
3. Guebuza foi o Presidente que tomou políticas tendentes a tornar a sua governação mais transparente e um funcionalismo público verdadeiramente ao serviço do povo, com o alastramento dos serviços básicos da saúde, educação, tecnologias de comunicação e informação, infra-estrutura.
• Armando Guebuza será conhecido como o construtor. O rácio de obras terminadas não tem comparação com os dois últimos presidentes juntos. A magnitude de realizações ultrapassa qualquer outra governação, principalmente nas infra-estruturas que também contou com o forte empenho de parceiros de cooperação internacional. A sua tentativa em tornar o governo mais aberto também abriu espaço para a denúncia, descoberta de falcatruas, corrupção e todo comportamento desviante e até criminoso que impera no funcionalismo publico! 
Chegados até aqui, importa fazer algumas perguntas.
• Será que Guebuza fez tudo bem? 
Não. Longe disto. Guebuza colocou o país num nível muito alto de risco mas também do potencial de catapultar o desenvolvimento. Cabe o próximo presidente resolver os problemas e atear o rastilho para o desenvolvimento, com uma sã política de redistribuição, participação pública, combate a corrupção etc.
• Teremos nós todos como cidadãos ajudado a governação?
Nem todos. Muitos cidadãos intelectuais preferiram enveredar pela lei do menor esforço, tendo abdicado de trabalhar para si e para os seus. A adulação é um mal que enferma a maioria das nossas cabeças e ela ajuda a sujar a imagem de todo um sistema político nacional. As pessoas podem escolher não ser aduladoras. Podem escolher ajudar o sistema por outras vias, à luz da sua integridade intelectual, moral e política. Dizer verdades, ajudar com saídas e criticar sempre que for necessário. Mas para isso é preciso estudar, conhecer os dossiers e reflectir.

De tudo quanto se pode falar sobre Guebuza, uma coisa retenho: Ele nunca quis lançar Moçambique à guerra, à miséria ou aos caos político. Foi e é como cada um de nós, alguém que sempre pensou que com a ajuda de cada um de nós pudesse elevar Moçambique aos patamares de desenvolvimento desejados. Ninguém concorre para o poder para fazer o pior que seu antecessor. Ninguém corre para o poder para só roubar, matar e destruir. Corre para lá para ajudar a construir o país. A pergunta que se segue é: Será que nós demos a ajuda necessária a Guebuza? Fomos íntegros, verticais, verdadeiros, estrategas, sinceros e lúcidos?
Porquê a proposta de transição de Guebuza está sendo posta em causa?
Uma análise etnográfica leva-nos a concluir que o “grande problema” de Armando Guebuza foi o de ter descentralizado o poder geográfica e etnograficamente. 
Desde o tempo de luta armada de libertação nacional, a direcção da Frelimo foi sempre controlada por indivíduos provenientes da região sul de Moçambique. Até a assinatura do Acordo Geral de Paz em 1992 a esmagadora maioria dos dirigentes do topo, nomeadamente ministros, vice-ministros, directores de sectores chave do aparelho do estado, governadores provinciais era essencialmente pertencente a região sul de Moçambique. Os anos que se seguiram o AGP testemunharam o nascimento de organizações etnocêntricas como SOTEMAZA (Associação de amigos e naturais de Sofala, Tete, Manica e Zambézia) e ASSANA Associação de Amigos e naturais de Nampula, que na verdade congrega todos macuas (Nampula, Zambézia, Cabo-Delgado e Niassa) entre outras. A principal razão para o surgimento destas organizações tinha a ver com o sentimento de exclusão que as elites dirigentes sentiam. Estas organizações por pouco se transformavam em partidos políticos se não fosse a rapidez do Partido Frelimo, que percebeu da necessidade de integrar e acomodar as lideranças e seus principais actores através da co-optação e inserção económica. Não admire que foi a partir de 1998 que muitos dos actuais dirigentes do norte começaram a despontar na governação de Joaquim Chissano.

Uma das principais actividades destas organizações foi a promoção de estudos superiores dos membros e filhos provenientes das regiões centro e norte de Moçambique. Tais actividades ancoravam-se na crença segundo a qual a exclusão da participação económica e política do país tinha a ver com seu baixo nível de instrução científica e incapacidade técnica, daí que era preciso a longo prazo resolver este problema de uma vez. Lembro-me de autênticas vagas de bolsas de estudo para Portugal, Brasil, Alemanha, etc. promovidos por estas associações. Mesmo para casos internos, estudantes destas províncias que pudessem ingressar em universidade beneficiavam de ajuda financeira suplementar. Dentre algumas pessoas cito de memória nomes como Francisco Mucanheia, Hélder Mueia, Margarida Talapa, por um lado, Pedro Comissário, Inácio Chire por outro como representativos desta narrativa. Também importa realçar a emergência da Nguiana na altura dirigida pelo actual presidente que guardavam em lume brando as ambições dirigistas.
O advento de Armando Guebuza como Presidente da República trouxe à baila dois principais debates: Nas vésperas da reunião do comité central antecedida pela reunião de quadros o nome de Armando Guebuza despontou de forma surpreendente visto que já na altura pairava uma quase-certeza de que a sucessão iria marcar a transição do poder da região sul para o centro ou norte e da geração de luta armada de libertação nacional para a que se seguiu, com as candidaturas de Lucas Chomera, Hélder Muteia, Eduardo Mulémbue.
Contrariamente aos nomes propostos pelo então poder dirigido por Joaquim Chissano, a proposta de Armando Guebuza acabou vingando depois de alianças entre as elites conservadoras do partido que viam nas quatro propostas como inoportunas e “fracas”, ante ao desafio de fortalecer o partido que por pouco perdia nas eleições de 1999. Por outro lado, a eleição de Armado Guebuza também alimentou esperanças de que aquela seria a última vez que a Frelimo elegeria um candidato a presidente proveniente do Sul de Moçambique antes que as elites provenientes de outras regiões provassem o poder presidencial.
E esta crença foi se alimentando ao longo de toda a governação. No primeiro governo, quatro ministérios nevrálgicos estavam nas mãos das elites a norte do Rio Save: Defesa, Negócios Estrangeiros, Interior, Planificação e Desenvolvimento e Primeiro-ministro eram pessoas provenientes de diferentes regiões a norte do paralelo 22. A confiança política gravitou em torno de três figuras principais, nomeadamente José Pacheco, Aires Aly e Aiuba Cuereneia e recentemente Filipe Nyusi, Alberto Vaquina e ao nível do Partido, ao Filipe Chimoio Paúnde. Pela primeira vez um cidadão de etnia Sena (Augusto Jone) ascendeu a uma pasta ministerial de relevo depois de um outro que se encontrava na Presidência da República (Francisco Madeira). Mesmo perfazendo 18% da população moçambicana, a segunda maior a seguir os macua, os senas nunca tiveram um lugar ao sol nas governações anteriores a Guebuza. Os macuas, ndaus, Macondes, yaos, lomue, tewe, shonas, xanganas, matswas, nyungues, ngonis, lolós, chopis, changanas e tantos outros participam activamente na governação deste país a diferentes níveis. A representação de todas as províncias na comissão política foi também outra conquista marcante na governação de Guebuza. Com isso tudo, Guebuza estava a cumprir o desiderato de integração e inclusão étnica na sua governação, acompanhado de decisões políticas elencadas na primeira parte deste texto. Esteve sempre claro que Armando Guebuza preparou e preparava-se para fazer gravitar o poder presidencial para o norte do Rio Save. E fê-lo em prejuízo da sua própria etnicidade e das elites locais. Num sistema político de partido dominante caracterizado pelas relações politicas clientelistas, a promoção de uma elite dirigente diferente significou a marginalização da outra; ou pelo menos a falta do diálogo entre elas levou a que alguns deles se sentissem marginalizados.
Nunca em momento algum da história deste país a governação foi etnográfica e geograficamente tão representativa e pela primeira vez que etnias a norte de Save foram incluídas na governação. Os governadores das mais variadas etnias foram quase que em bloco promovidos a ministros no primeiro mandato. Secretários provinciais da Frelimo quase que em bloco promovidos a governadores e tudo isso em prejuízo das elites acomodadas em Maputo e convencidas de serem as mais aptas a governar o país. A valorização de heróis nacionais provenientes de outras partes de Moçambique à norte do Save e a reposição da verdade foram aspectos que comoveram e animaram as populações do centro e norte de Moçambique: Joaquim Marra, finalmente reconhecido na sua terra, Caia, Sofala e Francisco Manyanga “descansando em paz” em Mutarara são alguns destes exemplos. Em Niassa e Cabo- Delgado, heróis locais foram reconhecidos pelos seus filhos e o tributo prestado pela nação não lhes faltou. Por outras palavras, na sua governação, ele fez reflectir o elemento central da ideologia da Frelimo, a materialização e efectivação da chamada UNIDADE NACIONAL. Não era possível realizar tais operações sem “ofender profundamente” o ego e orgulho de outras elites.
A reacção quase que instintiva da elite baseada em Maputo é demonstradora da sua vontade de resgatar este poder “perdido” há aproximadamente uma década. E nota-se claramente uma matiz regionalista nos nomes que dominam o abaixo assinado reportado por um órgão de comunicação social, uma lista que inclui uma minoria de “outros” para serem usados a favor de uma agenda que não é sua. Nota-se a mesma matriz nas propostas que se avançam. Se por um lado abundam “páginas de candidatura” de ilustre figuras, mesmo que elas não se pronunciem a este propósito, estas figuram pecam por não esclarecer se estão a favor ou contra aquelas páginas, se de facto desejam candidatar-se e vão candidatar-se ou não. Um comunicado de imprensa ajudaria a clarificar as águas. O silêncio a este pronunciamento deixa a impressão de que concordam e anuem os “movimentos”.
A descentralização do poder de Guebuza ajudou a eliminar o mito segundo o qual só está perto do poder quem se sedear em Maputo. Por outro lado ajudou a eliminar o mito de que só as grandes urbes é que têm direito de acolher e de conviver com o seu Presidente. Interessantemente durante a Governação de Guebuza assistimos ao crescimento assinalável da auto-estima dos cidadãos e a um renascimento cultural sem precedentes. Por exemplo, Guebuza impôs que só os grupos culturais locais visitados deviam exibir-se e barrou a importação de grupos das cidades para os programas culturais.
O papel da mídia 
Em estudos de mídia existe aquilo que se chama agendamento, que consiste na capacidade da mídia influenciar na selecção e promoção de temas que ela julga relevantes para a agenda pública, isto é, se uma notícia é coberta com frequência e de forma destacada, o público pode considerar a questão como mais importante. A consequência do agendamento é que o que não é noticiado perde utilidade, é esquecido, logo, irrelevante. Paralelamente a este conceito de agendamento existe o que se considera “framing”.

Framing ou enquadramento refere-se à construção social de um fenómeno social, muitas vezes por canais da comunicação social, movimentos políticos ou sociais, líderes políticos, ou outros actores e organizações. É um processo inevitável da influência selectiva sobre a percepção do indivíduo dos significados atribuídos a palavras ou frases. O aspecto mais importante a reter na definição deste termo é a construção social e com ela a contingência inerente. 
A mídia moçambicana é maioritariamente dominada por uma elite maputense que mantêm um relacionamento perdulário forte com a elite política e económica local. Corolário disto é que ela está instintivamente a ser arrastada para uma guerra de elites com matizes etnográficas e paroquial que pouco contributo traz a construção de um projecto de sociedade. 
Até agora, as críticas que se fazem aos pré-candidatos, tirando a questão da legalidade, são todas elas discutíveis. Seja pelo mérito das propostas dos candidatos avançados pela Comissão Política, seja pelo desempenho e percurso político de cada um, o debate em torno da sucessão não traz mais nada senão a proposta de substituição de um grupo de pessoas entendido como pertencente à actual linha e modelo de liderança unipessoal de Armando Guebuza pelo outro, entendido como mais instruído, apto e com “mãos limpas”; na verdade entendido como sendo o grupo pertencente a “elite maputense”.

Em poucas palavras, podemos dizer que o agendamento e enquadramento que o processo sucessório está a merecer revela uma correlação positiva entre a luta pelo poder (ou a perca do mesmo) e a etnicidade. Dito de outra forma, existe no seio de certos grupos étnicos do sul de Moçambique (changanas,chopes e bitongas e matswas para ser mais exacto) o sentimento de que é imperioso resgatar o poder que anda “perdido” e que corre o risco em parar em “mãos improprias”.
Na verdade, Armando Guebuza fez com que algumas elites políticas perdessem o poder e se sentissem marginalizadas, mesmo que tal tenha sido um compromisso assumido pelas mesmas elites há doze anos atrás. Eventualmente a luta pelo poder que assistimos não passa da consequência do medo pelo inesperado; pela continuação da exclusão; um apelo pela reintegração social e económica. 
O sucesso de qualquer sucessor de Armando Guebuza residirá na capacidade de encetar o diálogo entre as elites; entre as lideranças das principais lideranças políticas e na redistribuição mínima de oportunidades para o enriquecimento.

Para finalizar, importa dizer que é normal que um dirigente pretenda deixar o legado e influência sobre a liderança que lhe sucede. Aconteceu o mesmo com Joaquim Chissano. Acontece o mesmo com Armando Guebuza. Acontecerá com o que for a suceder. Aconteceu com Nelson Mandela (África do Sul) aconteceu com Benjamim Nkapa (Tanzânia), Quett Massire de Botswana.

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