domingo, 22 de setembro de 2013

Samora Machel - 1977

Samora Machel - 1977

Samora Machel: “Os portugueses saem de Moçambique porque têm a consciência acusada!...” SAMORA Machel efectuou uma visita pelas capitais dos países nórdicos. Acompanhado por vários elementos do seu Governo, designadamente pelos ministros dos Negócios Estrangeiros, Joaquim Chissano, e pelo da Economia, Mário Machungo, o Presidente de Moçambique e da FRELIMO esteve na Suécia, antes de se deslocar à Finlândia e por último à Dinamarca.
O enviado especial de «O PAÍS» em Copenhaga, Carlos Amorim, teve oportunidade de registar declarações de interesse de Samora Machel sob pontos em foco na actualidade.
COPENHAGA (por telex) -"Alguns brancos mudam de nacionalidade para serem portugueses, que é para serem contratados pela República Popular de Moçambique como estrangeiros, mas, na realidade, eles não querem sair de Moçambique. Nós chamamos a esses elementos oportunistas económicos. Ouviram? Então expulsamos esses indivíduos. Ë verdade!"
A afirmação de Samora Machel deu-nos azo a colocar um pedido de esclarecimento:
"O PAIS" - Depois de quase dois anos de independência em Moçambique, ainda continua a regressar a Portugal uma grande maioria de indivíduos de raça branca, portugueses ou não. Não é verdade?
Samora Machel — É muito grave, isso! Tiveram uma situação de privilégio em Moçambique. Eram patrões. Tiveram essa situação pelo facto de serem brancos, como superiores de raça. Nunca se identificaram com nenhuma cultura moçambicana. Estiveram em Moçambique como autoridade. Quando nós proclamámos a independência, pode imaginar o que foi! E muitos deles participaram ao lado do fascismo. E outros, sobretudo os milionários, financiaram a guerra colonial. Permitiram o prolongamento da guerra em Moçambique. Eles saem porque têm a consciência acusada e abandonam Moçambique precisamente porque estabelecemos igualdade entre todos. É por isso que continuam a fugir para Portugal. Nas residências havia discriminação. Havia zona de pretos, de mulatos, de chineses, de indianos e nós destruímos isso. E eles recusam a viver com
— Na sua deslocação à Dinamarca foi-lhe prometida mais ajuda por parte deste País? Qual é a ajuda que pensa conseguiu?
S. M. — As conversações ainda continuam. Ainda não chegámos a qualquer conclusão. Mas, numa primeira fase, expusemos a situação de Moçambique, as nossas propostas e pensamos que o Governo dinamarquês, neste momento, está a considerar as mesmas, para então dar a resposta. Mas desde já estamos convencidos que o Governo dinamarquês vai aumentar substancialmente a ajuda a Moçambique e vamos estabelecer uma cooperação económica. Relações luso-moçambicanas: boas
— Qual a sua opinião sobre as relações futuras entre Portugal e Moçambique?
S. M. — São boas.
— Poderá adiantar-nos algum nome para o futuro embaixador de Moçambique em Portugal?
S. M. — Já foi escolhido, mas não podemos anunciar já o nome. Até Junho ou Julho estará lá, em Portugal.
— Qual é a razão da necessidade de um Governo "marxista" em Moçambique?
S.M. — Isso significa o desenvolvimento histórico do nosso Povo e a tomada mais alta de consciência, bem como a liberdade que o Povo moçambicano tem de escolher o que quer ser. Ë por isso que nós escolhemos essa via, que é a mais indicada, mais correcta, mais conveniente para o desenvolvimento mais rápido, para sairmos da miséria, da fome, da nudez, da pobreza e da ignorância. Só essa via é que é capaz de libertar o nosso Povo.
Zimbabwe: só luta armada
— Se a solução pacífica falhar, na Rodésia, qual será a vossa atitude?
S.M. — Não há solução pacífica possível, porque no Zim-babwe o que existe hoje é a guerra. Existe a luta armada. O , que há é a tendência de essa luta transformar-se numa guerra popular e revolucionária, portanto o derrubamento completo do sistema colonial naquele País. Só intensificando a luta armada será possível encontrar a solução que não será pacífica.
— E qual seria então o custo, digamos, da parte de Moçambique e da parte da Rodésia?
S. M. — Pois de Moçambique não há custo nenhum! Não é Moçambique que faz guerra, mas sim o Zimbabwe. Avaliamos desta maneira não Moçambique ou outro país, mas sim o Povo do Zimbabwe, que luta contra o colonialismo e sobretudo contra o regime ilegal de lan Smith. Quais serão as consequências? Será a transformação, ali, numa guerra racial que depois não parará os minoritários brancos que estão lá. Essa é que será a consequência.
— Em que circunstâncias têm existido incursões de forças rodesianas a Moçambique?
S.M. - Desde 1965 que tenho incursões de forças rodesianas a Moçambique. Á partir do momento em que declararam a independência unilateral, os rodesianos fizeram incursões, lutaram ao lado dos portugueses.
«Há pretos que se sentem mais portugueses do que moçambicanos»
Voltámos atrás. Surgiu a interrogação: são ou não expulsos portugueses de Moçambique — esta a questão colocada.
S. M. — Se nós expulsamos ou não portugueses? Seria útil se compreendesse a situação colonial. Uma situação estranha em todas as colónias. Durante a colonização, todos nós que estamos aqui éramos portugueses, éramos considerados portugueses. Portanto quando proclamámos a independência, criámos uma lei da nacionalidade. Há brancos, filhos de portugueses que não se sentem portugueses. Há indianos nascidos em Moçambique, que os pais se sentem portugueses e os filhos não são portugueses. Há chineses nas mesmas circunstâncias. Há pretos que se sentem mais portugueses do que moçambicanos. E desses todos, particularmente esses pretos, nunca conheceram Portugal, não têm nenhum vínculo com Portugal, não conhecem a cultura portuguesa, mas o que eles querem, agora, porque nós necessitamos de técnicos portugueses, e esses técnicos portugueses são contratados, e há vantagens económicas, então esses pretos mudam de nacionalidade.

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