segunda-feira, 3 de junho de 2013

Um País de porcos

Elisio Macamo
O tempo fugiu-me. os debates das questões continuam acesos e eu não disponho de tempo para participar. Aproveito o intervalo de provas (provas interessantes sobre a noção de estetica em Kant; eu sou apenas chefe de bancada) para postar um texto com uma reflexão sobre a experiência de discussão destas dez questões. Agradeço a todos que participaram. Foram intervenções muito instrutivas. Não vou pod...er comentar grande coisa porque a intensa presença dos últimos dias custou-me caro. O texto, para variar, volta a ser longo.

Um País de porcos

Calma, não se chateiem, mais adiante explico o título!
Nos últimos dois dias discuti várias perguntas que coloquei aos meus amigos do Facebook. A intenção era de saber um pouco mais sobre a ideia do político que os meus amigos têm. O político é coisa muita complicada. A geração a que pertenço foi moldada pela cultura marxista do pós-independência que, em minha opinião, enfatizou muito a supremacia dos fins sobre os meios partindo do sólido princípio segundo o qual a realização dos objectivos revolucionários justificava os meios. Os excessos que todos nós conhecemos não foram, portanto, necessariamente uma expressão da maldade das pessoas que desenharam esse projecto revolucionário. Foram uma consequência das convicções políticas sobre as quais assentava o projecto, o que, naturalmente, não diminui a responsabilidade individual e colectiva pelo que aconteceu. De qualquer maneira, o projecto tinha uma forte coerência, o que nos permitia tornar o mundo intelegível de forma muito fácil.
Entretanto as coisas mudaram muito. Esse projecto pertence ao passado. Os pressupostos filosóficos sobre os quais ele assentava foram abandonados por alguns dos que o forçaram sobre todos nós. Existem outras referências, muitas vezes dispersas e fragmentadas que se insinuam na esfera pública por meio de noções normativas (direitos humanos, transparência, participação, boa governação, integridade, governação inclusiva, etc.). Trata-se, na verdade, de armas de arremesso que têm na mira os adversários políticos, sobretudo na sua forma negativa (violação dos direitos humanos, falta de transferência, corrupção, etc.), e que sugerem uma falsa coerência política porque os discursos dentro dos quais essas noções são integradas são baseados em narrativas simples que contam uma única estória, nomeadamente a estória dos bons e dos maus, do preto e do branco.
Curiosamente, há fortes elementos da cultura política do projecto revoluccionário, que se manifestam sobretudo na insistência doentia no povo como o objecto de tudo quanto a gente faz, mas também na expectativa de que o Estado resolva todos os problemas. A coisa atinge proporções ridículas quando, no êxtase da indignação em relação ao que vai mal, se evoca uma imagem sanitizada de Samora Machel (alguns até chegam a dizer que no tempo de Samora os dirigentes eram os primeiros em sacrifícios e últimos em benefícios... esqueceram-se das lojas dos dirigentes...), curiosamente até por gente com simpatias pela Renamo, em plena ignorância das razões pretensas da chamada guerra pela democracia. Sempre suspeitei que houvesse uma certa desorientação política por parte das novas gerações, uma desorientação própria dos tempos actuais, tempos sem projecto político, sem convicções políticas fundamentadas, enfim, tempos marcados por contextos de debates em que a repetição dos slógans da indústria do desenvolvimento, dos gritos de guerra duma sociedade civil global e, naturalmente, de conceitos políticos rapidamente consultados no Wikipedia conferem profundidade a intervenções ocas.
As dez perguntas que coloquei para discussão não confirmam, nem infirmam as minhas suspeitas. Houve excelentes intervenções que revelaram uma forte vontade de se ir para além do superficial na análise do País, mas houve também manifestações incríveis de incoerência reveladoras de indícios da desorientação política de que falava. Houve também, como não podia deixar de ser, manifestações de graves insuficiências em matéria de cultura de debate, sobretudo patentes na incapacidade de abordar as questões colocadas e insistir apenas na transmissão duma mensagem, nomeadamente a mensagem segundo a qual o governo ou a oposição não prestariam. Esta parte constitui um enorme desafio que dificulta um tratamento útil dos problemas que se discutem na esfera pública. É sintomático de fanatismo e fanatismo, por regra, só permite discussões emocionais dentro das quais o que o outro diz é apenas mais uma oportunidade para eu reforçar o meu ponto de vista que só muda ao sabor do que sinto pelo meu clube. Os méritos dum argumento são periféricos, senão mesmo um impecilho.
Há duas coisas que se insinuaram com muita força nas discussões das dez questões. A primeira foi que a ideia do político que algumas pessoas têm se funda essencialmente na sua atitude em relação ao governo, isto é se são a favor ou contra. Fora disso, não há nenhuma instância normativa que enforma a sua intervenção pública. Procuram na indignação ou no apoio incondicional a âncora que dá coerência ao que dizem. Com isto não quero dizer que toda a gente que se preocupa com a sorte do País devia começar por ler Marx, Mill, Smith, Locke, Rousseau ou Kant. Só que sem um mínimo de conhecimento do pensamento que produziu as noções que usamos para construir o nosso País vai ser muito complicado ganharmos coerência, sobretudo quando nas nossas intervenções queremos fazer mais do que exprimir indignação. Neste aspecto a minha geração até pode dar graças à Frelimo revoluccionária que nos deu esquemas coerentes de avaliação da realidade. É verdade que alguns de nós abandonaram os pressupostos filosóficos desses esquemas, mas o hábito de comentar os fenómenos políticos a partir duma ideia coerente do político ficou. Valeram à pena aquelas sessões de estudo político e aquelas aulas de educação política.
A segunda coisa é que o debate político em Moçambique (pelo menos no Facebook) se faz sob o falso pressuposto duma unidade de propósitos. Os que criticam o governo pensam que formam um grupo coerente e os que defendem o governo pensam também o mesmo. Pelo posicionamento de algumas pessoas nos debates suscitados pelas dez questões deu para ver que o xadrez é bem complicado, que os do contra podem ter muito em comum com alguns do está tudo bem até ao ponto de fazer mais sentido formarem o seu próprio grupo e jogarem pedras aos outros. A importância desta constatação explica o título que escolhi para este texto. O leitor atento deve ter pensado logo em George Orwell e seu livro com o título (moçambicanamente falando) “a machamba dos animais”. Os porcos lideraram a revolução contra os humanos para mais tarde descobrirem que só a hostilidade aos humanos não era suficiente como programa político e que na ausência dum fundamento normativo comum as vaidades individuais acabariam por anular todos os ganhos.
Algumas pessoas perguntaram-me se depois da discussão das questões iria dar a matriz das respostas. Expliquei-lhes que não tenho essa matriz porque não há resposta certa ou errada para essas perguntas. Bom, na verdade há, só que isso é função da ideia do político que cada um de nós tem. Essa ideia não é necessariamente original porque estas questões são objecto de discussão intelectual há séculos. O conhecimento mínimo dessa discussão é fundamental para nos orientar na intervenção pública. Perguntaram-me também se há método e eu disse que quando muito o método é a vontade de aprender pelo debate. Neste aspecto, por acaso, há muita coisa que falha entre nós, sobretudo entre os jovens. Há uma incrível falta de humildade que não permite a muitos verem que antes de tirarem uma conclusão precisam de ter certeza sobre os méritos da questão em apreço. É verdade que isto é muito influenciado pela facilidade com que podemos constatar o que está mal. Não há coisa mais fácil no nosso País hoje em dia, quer no que diz respeito ao que o governo faz mal, quer em relação ao que os críticos não entendem. Tamanha facilidade embala, funciona um pouco como estupefaciente, só que o efeito é também de entorpecer a mente.
Era tão bom se pudéssimos transformar os nossos debates políticos no Facebook em momentos de aprendizagem. Era tão bom se quem ainda não leu “A machamba dos animais” de Orwell o fizesse o mais rápido possível, pelo menos antes da queda do governo em resultado da subida do povo ao poder, pois repetir erros é ser burro. E nós somos porcos. Haja auto-estima.
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  • Manuel Antonio Makanga preciso de tempo para ler istoSee Translation
  • Amarildo M. C.Tongolo Um previlegio ler, reflectitr, navegar, tirar conclusoes nos textos publicados por este cientista, longos mas cheios de pertinencia, as perguntas fizera me diambular pela politica, que ja sou um animal politico por natureza, a luta continua.See Translation
  • Josue Matsinhe Em suma: o desgosto pelo Governo do Dia nao e' em si um projecto politico. Pode-se derrubar este governo, assumir-se o poder, so' para mais tarde descobrir-se que afinal o que aglutinava os opositores era apenas o odio por aquele governo e pouco ou nada mais. E ai', porque nao havera' mais nada em comum que justifique a aglutinacao, as desinteligencias ressurgirao e talvez mais fortemente explosivas do que as que levaram ao desmoronamento do governo do dia. Da' mesmo que pensar!!! Obrigado uma vez mais pela reflexao.See Translation
  • Manuel Antonio Makanga isto me faz lembrar as diferenças entre um politico e um advogado diante de uma mulher.....See Translation
  • Emidio Beula O texto lembra-me o classico de Fanon (Os Condenados da Terra) onde ele, em contexto bem diferente, alertava tambem sobre o risco de os libertadores de Africa tornarem-se porcos, para usar a sua expressao. Nao sei dizer se o nosso projecto revolucionario levou-nos a esse extremo, mas adimitindo que sim, estariamos agora a nos candidatar para a segunda porquice. O que e' muito mau. Se la' o negro sonhava na cama do colono branco com a esposa deste, aqui o critico sonha na poltrona do governante corrupto com todas as regalias...See Translation
  • Manuel Antonio Makanga hehehehehehehehehe o Elísio Elisio Macamo devia criar um fórum para grandes debates, gosto muito disyoSee Translation
  • Akuna Xakusasseka Chiconela Minha questão Dr. Elisio Macamo é se um dia chegaremos a ter cultura de debate bem apurado, porque quer me parecer que o problema é bem elementar, se não de forma apressada diria que há um factor histórico que não nos permite cultivar este lado de debater e debater. E penso que é um grande desafio meter na mente de alguns jovens, que é preciso ler, é preciso investigar, é preciso duvidar o que tenho visto é mesmo correr e perguntar ao Google.
    Parte-se do pressuposto que tudo é óbvio e não carrece de questionamento. E a ser assim, caminharemos sempre atrelados ao consumismo, a industria do desenvolvimento é culpada por esta e mais coisas. A modernidade ainda é um projecto defendem alguns pensadores mas é penso que já uma realidade e os seus perigos estão à vista.
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  • Gervasioa Absolone Chambo Cada lugar, cada política tem sujeitos e esses sujeitos são e sempre serão opostos, esquisitos de acordo com o lugar. São estes os sujeitos que existem, que lutam pela melhor vida colocando bem ou mal as suas reflexões, criticas, emoções ou ideais embora o façam a moda de porcos, num pais de porcos como dizia N'waMakamu. Neste mundo não há coisas perfeitas ou se existem apenas durante determinado tempo. Miremos que os membros sul da UE, que foi desenhada para elevar o estilo de vida dos europeus, agora entrou em momentos drásticos. Sera que são emocionais, porcos como os sujeitos de Moçambique?See Translation
  • Armanda Magalhães O pais vai do mal ao pior para isso parar duma vez temos que deixar de ser acompanhantes e sermos participantesSee Translation
  • Ivone Soares Não gosto muito da ideia de sermos porcos, tão menos patos. Nao aparece no "zoo" um animal mais "elegante"?
  • Domingos Antonio Manga eu gostei muito dos bedates Dr. Elisio, sobre tudo da mais valia que tire sobre elesi. agora, o maior erro que nos cometemos como cidadaos, e de continuarmos sendo espetadores passivos d nossas doencas psiquicas, o que acho q devia mudar, onde passariamos a ser actores principais d nossas mentes, acompanhando a evolucao do nosso sistema, criticando o mau do bom! mas infelizmente, a passividade tomu conta de nossas mentes, s nao a lavagem cerebral...See Translation
  • Bayano Valy não te parece que o princípio de que os fins justificam os meios ainda prevalece entre nós? é que lendo as opiniões (não vou falar de argumentos porque esses são poucos) nota-se claramente que a ideia é defender o clube a que cada um de nós pertence.

    concordo contigo que a qualidade do debate politico deixa muito a desejar. mas o que se espera duma sociedade politizada e polarizada? por isso e mais outras coisas, o mérito das questões não interessa. o que interessa é abater o inimigo.

    o supérfluo, como, por exemplo, o comprimento dos textos, é mais importante. obviamente que não será quem clama por textos mais curtos que irá ler os tomos de Rousseau, Mill, Hobbes, Lock, etc. muito menos Orwell ou Golding.
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  • Anselmo Matusse Já diz a biblia "sejo atento a escutar e lento a falar", um docente dizia, "não responda uma questão sem antes ter certeza de que a percebeu". A Antropologia ensinou-me a relativizar (ate a relativizar a própria relativização). Agradeço a oportunidade de aprender. E espero que a HUMILDADE não seja aqui também uma daquelas "noções integradas, baseadas em narrativas simples que contam uma única estória, nomeadamente a estória dos bons e dos maus, do preto e do branco." Tenho para mim que o conceito geração 'e muito vago e carrega consigo um conjunto de etiquetas ora qualificadoras ora desqualificadoras. Não 'e comum ouvir dizer que a "nossa geração estava bem, melhor, etc." Não 'e essa geração que nos permite criar uma imagem unificada do passado, de grupo coerente, e dizermos, "nos nossos tempos..."? Nos quem? Eles quem? O que acho interessante do social 'e a questão da PERSPECTIVA, o que nos permite aprender outras verdades - diálogo.

2 comentários:

Anónimo disse...

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