domingo, 23 de junho de 2013

LEVANTAMENTO DA ILEGAL GREVE DOS MÉDICOS: Amor ao povo ou perda da “muleta”

Alexandre Chivale
A contragosto, para algumas sensibilidades, tomamos conhecimento do inevitável levantamento da ilegal e altamente lesiva greve dos Médicos e demais profissionais de saúde, congregados numa
 putativa Comissão dos Profissionais de Saúde Unidos – CPSU - e na Associação Médica de Moçambique (AMM).
No caso da AMM, o argumento usado para este recuo é supostamente o facto de nutrirem amor pelo povo. Surpreendeu-nos este posicionamento na medida em que quando os médicos iniciaram este enredo, não se tenham lembrado do amor que hoje dizem nutrir pelo povo. Como nos podem querer convencer hoje que sentem amor pelo povo quando foram eles que decretaram essa greve ilegal e não se predispuseram ao menos a prestar serviços mínimos, quando foram eles que impediam que os doentes se deslocassem ao hospital e fossem atendidos pelos profissionais que não se identificavam com a sua forma de reivendicação, que amor podem reivindicar quando até o berçário no hospital José Macamo abandoram com crianças de tenra idade e com complicações de saúde? De onde teria nascido o amor pelo Povo?
Somos levados a crer que algo mais contou para a tomada da decisão e não o pretenso amor pelo Povo que se evoca. Pensamos nós que se trata apenas de um estratagema de auto consolação ou como diria o outro, a maneira menos barulhenta que encontraram para sair do “lume”. Abaixo explicamos porquê.
Caiu que nem um petardo o anúncio em directo, na maior e mais antiga estação televisiva nacional e, para mais em horário nobre, o anúncio do ponto final da ilegal greve, na voz do Adolfo Bau Ekwale, homem mais com cara de boxeiro do que da saúde, homem a quem se atribuiu o epíteto de líder da CPSU, fórum não reconhecido formalmente por nenhum profissional e, portanto sem filiados mas com simpatizantes que foram arrastados para dar corpo a esta greve.  
Surpreendido quando ainda se refazia da repulsa popular provocada pela carta dos chamados médicos mais velhos, o Dr. Jorge Arroz procurou condenar aquele que ao longo desta jornada ilegal fora sua muleta inseparável. De acordo com a edição do dia 16 de Junho de 2013 do Jornal Domingo, na sua página 6, ele teria dito que “estamos a saber agora pela televisão que o porta-voz da CPSU anunciou, de forma individual e sem consulta à Direcção da CPSU, a desconvocação da greve.” Num outro desenvolvimento referiu que não permitirá que acções individuais se tornem decisões colectivas.
Não deixa de ser estranho esta reacção do Dr Arroz, pois não diz com que base o citado porta-voz da CPSU deveria consultar a suposta Direcção. Também não diz quais os mecanismos de consulta que deviam ser seguidos e não o foram. Já havíamos dito em outro fórum que inexistindo uma CPSU, era pouco provável que existisse alguma direcção. Ou será que o Dr Arroz se esqueceu que aquando da maquiavélica convocação da ilegal greve não houve consulta de direcção alguma, pelo simples facto de esta inexistir? Mas o mais estranho ainda é ter-nos dito que só soubera pela TVM que a greve do parceiro havia sido levantada. Muito estranho para quem em tempos jurava tratar-se de uma aliança umbilical e indissociável.
Encurralados com esta decisão unilateral, nada restou à AMM, se não resignar-se e seguir a mesma direcçao da sua muleta. De facto,  não se reservava outra saída, senão levantar a sua parte na ilegal greve. Mas fê-lo de forma muito atípica: disse tratar-se de uma decisão conjunta com o inexistente CPSU, mas desta inexistente organização bastou não aparecer a sua muleta no local da conferência de imprensa, mais ninguém apareceu a fazer-lhe companhia. E uma pergunta não se cala: de quem é a criação desse fantasma chamado CPSU? Dos mesmos médicos que têm sido os orquestradores das rebeldias lesivas na saúde em reacção à nomeação dos negros para dirigir o MISAU, incluindo aquele que eles agora resgataram, aproveitando a sua amnésia de processos, Dr. Pascoal Mocumbi? (veja os detalhes no Jornal Domingo de 16.6.13) 
Portanto, quando caiu a muleta, procurou-se o subterfúgio do sofrimento do povo, algo que não faz sentido quanto a nós pois como já dizíamos (nos jornais Notícias de 14.6.13 e O País de 17.6.13) que esta paralisação foi engendrada pela ganância daqueles que têm clínicas, para onde corriam os ricos, e daqueles que tinham interesses em funerárias cujas receitas aumentaram vertiginosamente porque a maioria do povo não tem condições de ser atendida nas clínicas privadas, já que os Médicos e outros profissionais da saúde simplesmente atiraram para o lixo o seu juramento e ética e abandonaram os hospitais, acabando por sucumbir por falta de cuidados. Se o mote da lesiva paralisação não fosse o de incrementar o aviamento nas clínicas e nas funerárias, estranhamos que se tenha descoberto três semanas depois, esse amor pelo povo.
Por outro lado, foi peculiar a forma como se procedeu ao levantamento desta paralisação lesiva. É que os que não são sócios ou proprietários das clínicas privadas ou de agências funerárias viram-se traídos, pois perderam 26 dias de salário, sem possibilidade de compensação pelos seus mandantes e, pior ainda, de terem os seus processos individuais tingidos. O Presidente Guebuza e o seu Governo mantiveram-se firmes e, a pouco e pouco, os que tinham sido arrastados por aqueles que procuram a todo o custo criar oportunidades para se enriquecerem à custa do Povo aperceberam que estavam a ser usados para fins que não eram os seus. Para gerar algum oxigénio político ainda se tentou ensaiar uma marcha no dia 15 de Junho de 2013 que redundou num fracasso total: os peões que seriam usados descobriram que estavam, na verdade, a ser explorados, no sentido capitalista do termo. É caso para afirmar com suficiente musculatura que o argumento de amor ao povo para sustentar o levantamento da greve ilegal tem tudo menos capacidade para convencer quem quer seja.
Mas acima de tudo, o receio de processos disciplinares contra os seduzidos, enganados e abandonados, terá pesado a desfavor de aventureiros e líderes da greve ilegal.
Outro facto jocoso é o de se afirmar que voltam ao trabalho, embora contrariados por se não terem atendido as suas reivindicações e que se doravante os pacientes forem mal atendidos nos hospitais não será por sua culpa, mas do Governo, alegadamente por mera falta de medicamentos. Ora, aqui está mais uma alegação que soa a pouco razoável.
Na verdade, a falta de condições trabalho – já o repetimos variadíssimas vezes – deve ser vista numa perspectiva conjuntural e não apenas no sector de saúde. É que não poucas vezes falta carro à polícia para fazer o patrulhamento; falta motorizada para o extensionista assistir devidamente os camponeses; aos bombeiros escasseiam meios para combater incêndios. Aliás o Presidente Guebuza demonstrou que não está alheio a estes desafios no sector da saúde quando no acto solene de tomada de posse dos primeiros Corpos Directivos da Ordem dos Médicos de Moçambique, a  28 de Março de 2008, disse que os médicos granjeiam simpatia popular “vencendo as dificuldades e as carências de toda a ordem, próprias de um País pobre como o nosso, e o cansaço que de vós se apossa em virtude de longas e sucessivas horas de trabalho”.
Não acredito que a classe médica “patriótica e heróica”, como a apelidou o Presidente Guebuza na sua visita ao HCM no dia 8 de Junho deste ano, não se vai deixar levar pela declaração do Dr. Arroz que procura empurrar uma classe inteira para a inauguracao de uma nova era na sua relação com o Povo. Trata-se de uma relação diametralmente oposta àquela que o Presidente Guebuza anunciou na cerimónia acima referida ao afirmar “tecendo, fibra a fibra, uma teia de carinho, amizade e profissionalismo e guiados pelo vosso juramento, caros médicos, infundem nos vossos pacientes, na cama do hospital, a esperança de sua plena recuperação e rápido regresso ao convívio dos seus familiares e amigos”. Até aqui eram alguns serventes que eram acusados de tratar mal os doentes. Vamos agora passar a ouvir que alguns médicos também tratam mal os doentes. Ou será que, falhada a primeira estratégia, queiram usar a estratégia do silêncio para enriquecer de novo as clínicas privadas e as funerárias?
Aliás, esta forma de usar a estratégia de assasinatos a cidadãos – como faz a Renamo – para chamar atenção, é estranha.
Por assim ser, custa acreditar que tenha sido por amor ao povo que o levantamento da paralisação foi decretado, pois devia ser tal amor que em consciência os devia impedir de protagonizar uma bizarra, atípica e descomunal declaração, em que ao sabor dos ventos os argumentos surgem de forma camaleónica. Como se diz em 1 Coríntios 13:4-7 “O amor é paciente e amável. O amor não é ciumento, não exalta a si mesmo, não é orgulhoso. O amor não é malcriado, não procura seus interesses, não se irrita facilmente, não guarda mágoas. O amor não se alegra com o mal, mas alegra-se com a verdade. O amor aceita todas as coisas com paciência, tem sempre confiança e esperança, e se mantém sempre firme”.
Um abraço.

Sem comentários: