domingo, 23 de junho de 2013

Comentários sobre o artigo de Sérgio Viera sobre a greve dos Médicos em Moçambique

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Timpsalo E. Matsulo
Bairro Nkobe, Quarteirão 1. Matola, Maputo
 
Jornal Domingo
Departamento de Redacção
Sociedade Noticias, SARL,
Rua Joe Slove, 55 CX. Postal 327
Assunto : Comentários sobre o artigo de Sérgio Viera sobre a greve dos Médicos em Moçambique
Prezados Editores :
Lí o artigo escrito pelo Sr. doutor Sergio Vieira sobre a greve dos médicos em Moçambique.
Respeito profundamente as opinião dele, embora discorde de alguns pontos que fazem apologia a coersão laboral, a detenção, contrariando às liberdades fundamentais dos cidadãos.
Gostaria se me permitem comentar dum parágrafo, onde passo a citar o texto: “Vi em França e na Inglaterra que face a uma greve que afecta toda a sociedade os Governos requisitavam os grevistas, legalmente isso significava que estavam sujeitos durante a requisição à lei militar e submetidos às penas próprias à deserção aplicadas por tribunais marciais”.
Respeito o comentário que ele faz que acha que os médicos deviam ser forçados a trabalhar ou detidos no caso de recusa de trabalhar, por uma lei marcial , " tal como aconteceu na Inglaterra e na França" e quem desobedecesse era punido como um desertor militar.
Em primeiro lugar os factos que dr. Sérgio Viera alude, são infundados, e sem matéria.
Sem indicar o ano em que tais factos ocorreram, ele usa o pretérito simples “ vi “, como se tais factos tivessem ocorrido durante a sua visita em Inglaterra e na França.
Pelo texto, não é possível verificar e não é objecto de discussão desta missiva.
Agradeço se nos indicasse, o ano em que tal ocorreu porque não é possivel verificar a veracidade de tais afirmações.
Os parágrafos seguintes, são baseados em arquivos históricos do Reino Unido ( National Archives of United Kingdom).
A primeira greve de médicos que houve na Inglaterra foi a 37 Anos em 1975.
A Greve do Médicos na Inglaterra em 1975
A Inglaterra a França e o resto da Europa ressentiam-se da grande recessão económica, devido a crise de combustíveis a grande recessão económica (1973–75 recession).
Em Junho de 1973, trabalhadores da Indústria Automóvel, convocaram uma greve geral de 1 dia que se arrastou, para os outros sectores industriais.
Em 1975, pela primeira vez os médicos ingleses, entraram em greve.
As motivacoes ? . A carga horária de 120 horas semanais de trabalho e a recusa do governo em aceitar que médicos consultores do servico público praticasse medicina privada em hospitais públicos.
A greve teve solução negociável e nunca se recorreu a lei marcial para obrigar médicos a trabalhar contra sua vontade, com recurso a detenção, espancamento ou outras formas de coersão.
A 2a greve dos médicos na Inglaterra foi no dia 21 de Junho de 2012.
Foi uma greve de apenas 24 horas .
As motivações ? Elevada idade de reforma 68 anos ao contrário das outras profissões ( 65 Anos), taxa elevada das contribuições fiscais e menor pensão de reforma.
A greve na França também foi no ano passado em Maio, teve solução pacifica.
Em nenhuma destas greves o governo impôs coersão laboral, através de agentes da polícia como aconteceu em Moçambique, como irei citar a seguir.
No distrito de Moamba, as médicas foram conduzidas coersivamente aos seus postos de trabalho, com ameaças de detenção, por agentes da polícia a mando de dirigentes políticos máximos locais.
Noutros vários pontos do país, relataram-se cenários idênticos, em que dirigentes máximos políticos distritais, usaram-se de forças policiais para coersivamente “buscarem” médicos para seus postos de trabalho.
Recentemente também, estes actos , em magude pioraram com o espancamento brutal de enfermeiros, por recusarem prestar serviço médico coersivamente, tendo um deles contraído fractura do crânio, pelo que ouviu-se na imprensa.
Escrevo esta carta com muita preocupação , a cada dia notamos as liberdades fundamentais dos cidadão esmagados, sem recurso a manifestação,
As afirmações de Sérgio Vieira são partilhadas por outras pessoas que ainda acreditam que médicos são escravos da sociedade e do governo e que não importa quão degradantes são as condições que vivam, não podem manifestar-se porque vão morrer pessoas mesmo com os serviços de emergências garantidos, isto só serve para perpetuar os intentos dos seus exploradores.
A Justificação de que os médicos não devem fazer greve, porque a mortalidade pode aumentar não tem consubstanciação científica, ou seja ainda não foi possível prová-la mediante estudos estatístiscos.
Estudos feitos e publicados em artigos médicos não encontraram dados que indiquem que a mortalidade aumentou pelas greves.
Um artigo publicado pelo Dr. Raj Persaud publicado no prestigioso jornal Social Science and Medicine analisa cinco greves de médicos realizados em todo mundo de 1976 a 2003. O estudo foi realizado por Solveig Cunningham e Salim Yusuf investigadores da Emory University, Georgetown University nos Estados Unidos e MacMaster University no Canadá.
Os médicos paralisaram as actividades, em diferentes greves analisadas, por nove a dezassete dias. Todos os estudos mostram que a mortalidade populacional permaneceu a mesma, ou até diminuiu durantes as semanas de greve, comparada a outros tempos.
Por exemplo, em uma greve em Los Angeles County, Califórnia, em janeiro de 1976, os médicos entraram em greve em protesto contra a subida taxa de seguro profissional. Por cinco semanas, aproximadamente 50% dos médicos no município reduziu a sua prática ou suspendeu toda prática, excepto emergências. Uma análise, citado por Cunningham e seus colegas, encontrou a greve pode ter realmente evitado mais mortes do que causados.
É facto, que as cirurgias electivas, ou não urgentes, são cancelados durante a greve. É interessante notar que as taxas de mortalidade associadas a cirurgia electiva desaparecem quando os médicos cessam o trabalho, pela greve. A mortalidade diminuiu de forma constante desde a primeira semana ( 21 mortes/100. 000 habitantes) , sexta semana e sétima semana, comparados ás taxas de mortalidade nos últimos cinco anos.
No entanto, logo que a cirurgia electiva foi reiniciada, houve um aumento no número de mortes. Havia mais 90 mortes associadas à cirurgia durante as duas semanas seguintes à greve em 1976 (ou seja, quando os médicos voltaram ao trabalho) do que havia sido durante o mesmo período em 1975.
Mas, ao contrário de Los Angeles, onde apenas 50% aderiu a greve que dizer do impacto da greve dos médicos, onde a maioria dos médicos participa , e a greve dura vários meses?
Cunningham e colegas relatam uma greve em Jerusalém, de 2 de março a 26 de junho de 1983 devido a uma disputa salarial entre o governo e a Associação Médica de Israel. 8000 de 11 mil médicos de Jerusalém recusaram-se a tratar os pacientes dentro de hospitais, embora muitos deles criou postos de socorro separados onde trataram casos de emergência, por uma taxa.
Uma análise analisou certidões de óbito de vários meses em torno do período de greve, 16 fevereiro - 3 setembro 1983, a partir de um período de controle no ano anterior, 17 fevereiro - 3 setembro 1982. A mortalidade não aumentou, durante ou após a greve, mesmo quando a cirurgia electiva foi retomada.
As mortes de pré-greve para o período de controle e o período de greve eram idênticos em 1989, houve seis mortes a menos durante a greve do que durante o período de controle, enquanto nas dez semanas após a greve, havia mais sete mortes que havia sido em 1982.
Noutro estudo intrigante foram analisadas mudanças na mortalidade por estudar os relatórios do jornal Jerusalem Post de funerais durante outra greve, chamada "Greve de médicos de Jerusalém”, desta vez, entre março e junho de 2000. Este surgiu devido a um conflito entre Associação Médica de Israel e o governo pelos salários propostos pelo governo. Os hospitais da região cancelaram todas as internações eletivas e cirurgias, mas manteve-se salas de emergência e outros departamentos vitais, tais como unidades de diálise e os departamentos de oncologia, abertos.
O estudo funeral encontrou um declínio no número de funerais durante os três meses da greve, em comparação com os mesmos meses dos três anos anteriores. Uma sociedade de funerárias relatou 93 funerais durante um mês de greve (Maio de 2000) em comparação com 153 em maio de 1999, 133 em maio de 1998, e 139 em maio de 1997.
Cunningham e seus colegas resumiram sua revisão de pesquisas avaliando os efeitos da greve dos médicos sobre a mortalidade, concluindo que em sete estudos do relatório, em quatro houve diminuição da taxa de mortalidade como resultado da greve, e em três nenhuma mudança significativa foi observada na mortalidade durante a greve ou no período seguinte.



Por último queria lembrar apenas que os médicos tem a protecção do seu código de ética e deontologia médica que confere objecção de consciência, perante leis marciais, que violam os seus valores e direitos fundamentais, e não deve haver punição perante objecção de consciência declarada por lei.

Atenciosamente.
Fontes :
1. National Archives, United Kingdom. British Economic politics and trade Union 1973-1975.
2. Doctors' strikes and mortality: A review. Solveig Argeseanu Cunningham, Kristina Mitchell, K.M. Venkat Narayan, Salim Yusuf. Social Science & Medicine 67 (2008) 1784-1788

 
 

SOBRE A GREVE DOS MÉDICOS

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Ocorreu uma greve de médicos. Prudentemente a Ordem sem condenar a greve, dela se distanciou apelando ao diálogo e lembrou as normas éticas e deontológicas. O mesmo se diga do pessoal de enfermagem.
Estaremos perante diferentes gerações de médicos, os veteranos e com bons calos de trabalho nas condições mais difíceis e quando se contavam pelos dedos os profissionais moçambicanos de saúde e, uma nova geração, talvez qualificando-a como os médicos da viragem ou da voragem?
Interrogo-me sobre o que recebem os professores, do primário aos catedráticos com muitos e muitos anos de trabalho e concursos? Os agrónomos e veterinários? Os mais diversos engenheiros que constroem barragens, estradas, pontes, centrais eléctricas e levam a energia à povoação? Os polícias, os bombeiros, os militares que com risco de vida servem a pátria? A geração que na luta de libertação que nas cadeias e torturas, nas zonas de guerra gerou a independência? Quanto ganham os administradores de distrito? Quantos cursos e estágios, trabalho difícil para lá se chegar?
Uma grande maioria dos nossos licenciados, incluindo médicos, beneficiou de gratuidade e de bolsas de estudo, nada reembolsam, como noutros países. As propinas que se pagam, para os não bolseiros, mostram-se idênticas para todos, por mais que numa faculdade não se requeira laboratórios, instrumentos, químicos, etc.
Claro que todos os profissionais deveriam beneficiar de boas habitações. Mas casas apenas para médicos? Já encontro casas para médicos nalguns distritos. Ainda muito falta. Os demais profissionais não necessitam delas? Mas já saímos da pobreza? Onde vamos buscar o dinheiro? Lembremo-nos das destruições sofridas neste país pelas guerras de agressão que deslocaram milhões de pessoas, destruíram hospitais vias-férreas, pontes, estradas, queimaram casas, escolas, chacinaram gentes, enfermeiros, professores. Estamos conscientes dos danos causados pelas últimas cheias e os custos da reconstrução?
Quem censurarão os grevistas se algum familiar ou amigo falecer por falta de assistência? Sabemos que na nossa terra crianças morrem de diarreias e muitos adultos também de paludismo. Quem vai assistir os pacientes vítimas destes males se ninguém considerar matéria de urgência?
Dados indiciam que por trás da greve existem forças estrangeiras que desejam desestabilizar o movimento de libertação no poder.
Alguma comunicação social enfeudada a quem a paga, serve o propósito e vai ao ponto de comparar o Che que nunca entrou em greve para ganhar dinheiro e viveu e morreu no sacrifício da entrega, com quem nunca serviu os muitos.
Poucas profissões quando entram em greve afectam toda a sociedade. Polícias, pessoal médico, bombeiros, militares em greve criam perturbações insanáveis em toda a sociedade. Como nos sentiríamos com uma folga para os ladrões e criminosos porque a polícia está em greve? Um desarmar do país porque os militares estão em greve? Casas arderem e pessoas cremadas numa greve de bombeiros? Então, há que dizer que uma greve do pessoal médico assume as dimensões de ameaça a toda a sociedade e mantê-la como refém.
Vi em França e na Inglaterra que face a uma greve que afecta toda a sociedade os Governos requisitavam os grevistas, legalmente isso significava que estavam sujeitos durante a requisição à lei militar e submetidos às penas próprias à deserção aplicadas por tribunais marciais.
Não se trata de requisitar médicos e julgá-los. Compreendo os médicos, mas compreendo as demais categorias profissionais, estou consciente dos limites da nossa economia.
A profissão de médico, do militar, do bombeiro e do polícia assenta num sentido profundo de solidariedade e de responsabilidade social, responsabilidade perante a pátria e os Homens. Não se trata de meras palavras quando muitos as comparam a uma forma de sacerdócio.
Quantas vezes nas zonas rurais vemos gentes levarem umas galinhas, cabritos, ovos, mandioca, milho para ofertarem ao médico, cheios de gratidão porque salvou os seus ou a si. Quantas vezes nas páginas dos jornais nós lemos agradecimentos ao Dr. X e Y? Isto não acontece com outros profissionais.
Esta greve enferma de demagogia, populismo e busca de protagonismo e, por isso mesmo, os médicos veteranos, a Ordem distanciou-se da acção.
Há que melhor compensar os nossos profissionais, sem dúvida, não apenas os médicos, mas há que conhecer os limites e saber que nem sempre o desejável se mostra possível. Talvez diminuir as obras faraónicas e as dívidas que se contraem para as pagar e ver como melhorar a vida dos que trabalham. Proteger mais os moçambicanos e cobrar mais aos megaprojectos, forçar à produção dos produtos acabados dentro do país, criando-se assim mais-valias e maior rendimento. Sim, com certeza, estas mostram-se como vias possíveis, desde que exista o querer. Mas leva tempo.
Abraço o sentido do dever e servir,
Sérgio Vieira
P.S. De cada vez que há eleições há que fazer um recenseamento de raiz deitando-se para o caixote do lixo tudo que existe. Claro que importa então comprarem-se novas impressoras, computadores que ficam a ganhar bolor no longo intervalo. Entretanto os inúmeros membros das comissões de eleições, à sombra do lazer, ficam nesses intervalos de quatro anos a gozar das sinecuras.
Parece que se gastaram cerca de duas dezenas de milhões de dólares nos novos computadores e impressoras que em muitos sítios não funcionam.
Quem devemos felicitar pelas asneiras? Felicitar ou requerer uma investigação pelo Gabinete de Luta Contra a Corrupção.
Há que perguntar se não se mostra viável em vez do recenseamento de raiz apenas actualizarem-se os dados, inscrevendo os novos eleitores e tomando nota dos óbitos, tarefa para os que vivem nas sinecuras. Igualmente poupar-se nas eternas compras de novos computadores e impressoras e apenas se adquirirem novos programas, se necessidade houver.
Um abraço à luta contra o esbanjamento e o nada fazer,
SV
R.P.S. Passaram-se cinquenta e três anos sobre o Massacre de Mueda.
O sangue dos mártires soou como um toque de despertar para toda a minha geração. Poucos anos depois em 64 nós respondemos pelas armas aos séculos de martírio.
Honra e Glória aos nossos mártires, um abraço,
SV
JORNAL DOMINGO

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