sexta-feira, 7 de junho de 2013

CARTA A MUITOS AMIGOS SOBRE ÍNDICES DE POBREZA

Devo confessar que me sinto frequentemente confuso com a leitura do que se publica como índices de pobreza no nosso país.
Vejamos algumas questões:
1.    Como se calcula o rendimento de um camponês que cultiva a sua machamba e horta, no seu quintal há galinhas que põem ovos, por lá andam meia dúzia de cabritos, que de vez em quando até come ou vende uns? Quem regista o valor daquilo que consome? Tem casa, mesmo se palhota.
2.    Anualmente ele vende excedentes de milho ou feijão, na estrada onde passam as viaturas a mulher ou o filho mostram para quem quer comprar umas galinhas, carvão, sacos de mulambe, etc. Quanto lhe rende isso? Quem regista as suas vendas?
3.    Vive ele abaixo dos dois dólares diários? Passa fome? Pede esmola?
Ando regularmente pelas zonas rurais, em especial na região centro do nosso país. Durmo nas povoações. Constato que muito mudou entre o tempo colonial e hoje, verifico as mudanças desde que os bandidos armados cessaram de nos assolar, desde que as pessoas puderam regressar às suas terras vindas do exílio nos países limítrofes ou da segurança das cidades.
Entre os meus índices de desenvolvimento e crescimento económico:
1.    Os pés que já estão em maioria calçados, mesmo se com chinelos;
2.    A roupa que já não se compra apenas às calamidades;
3.    As crianças que vão à escola e não pagam livros, cadernos e propinas;
4.    As maternidades e postos de saúde que proliferam;
5.    A palhota que se substitui por construções em tijolo burro e queimado, que se vão cobrindo com zinco;
6.    As bicicletas dos vendedores e clientes que se acumulam nas feiras e lojas;
7.    Os telemóveis que leva a mamana e fala enquanto carrega na cabeça o seu catundo;
8.    As antenas de TV que brotam em todo o lado quando a EDM chega à povoação.
Nas cidades encontramos sem abrigo, doentes mentais que circulam, gentes a pedir esmola nos semáforos, em especial ou junto das lojas de donos islâmicos nas sextas-feiras. Encontramos bastantes habitações em locais impróprios, construídas ilegalmente e com parcas condições de higiene e habitabilidade.
Mas nas cidades, mais do que em outros lugares, vemos o surto e afirmação de uma camada média de nacionais totalmente inexistente aquando da independência.
Ninguém imaginava em 1975 que uma negra possuísse um automóvel, ou um negro. Em todo o país haveria 20 negras ou 100 negros com automóvel. Vejam-se as ruas de Maputo e os engarrafamentos perenes durante o dia. Quem os possui? Quem podia viver na Polana, em Sommershield? Quantos bairros e de nível nasceram? Triunfo, Costa do Sol, no prolongamento da Julius Nyerere, veja-se a Matola, o Belo Horizonte, Marracuene e Manhiça. Em Tete a margem norte do Zambeze estava povoada de animais, até leões vinham beber água na Benga. Não estamos perante uma camada média moçambicana que emerge e não existia?
Classificamos de governantes e corruptos todos os donos de casas e automóveis?As agências bancárias e ATM que pululam em cada esquina já não se destinam sobretudo a estrangeiros.
Não se tapa o sol com as mãos. As habitações e viaturas, telemóveis e bicicletas algo indiciam, mas não bastam para se afirmar que nos libertamos da pobreza e, sobretudo, da dependência.
Há milhentas viaturas, muitas importadas em segunda mão do Japão. Mas os pneus devem vir de fora, a MABOR fechou, graças a Bretton Woods. Constrói-se habitação, mas apenas o cimento cá se produz. Os vagões para o carvão, que se produziam na COMETAL no país e até para fora vendíamos, agora devemos comprar ao estrangeiro, pois e de novo Bretton Woods forçou o encerramento. A General Electric diz que vai produzir na África do Sul e não em Moçambique, locomotivas para nos venderem. A dependência aumentou, mesmo se emergiu uma camada média e a pobreza diminui. Isto mostra a grande fragilidade do nosso crescimento e como ele parece bem precário.
Mais do que índices de pobreza, deveríamos reflectir sobre os índices de dependência e lutar para conquistarmos a soberania económica, garante de um crescimento real para o bem de todos os moçambicanos e saída definitiva de pobreza. Para este objectivo o meu abraço,
Sérgio Vieira
P.S. Tomei nota que a União Europeia proibiu o fabrico, venda e utilização de alguns agroquímicos que matavam as abelhas.
Nos nossos jornais constatei que alguns importadores e vendedores desses produtos lamentam a perda do seu negócio.
Interrogo-me se desejamos pôr termo à produção do mel e à polinização que as abelhas efectuam. O que aconteceria às nossas machambas, às frutícolas e hortícolas sem o trabalho das abelhas? Iriam os negociantes substituírem-se a elas? Em nome do lucro matamos a agricultura?
Para a ponderação e fim da ganância, o meu abraço,
SV
R.P.S. Apagaram-se dois grandes músicos,neste mês de Maio. O nosso Salomão Manhiça, Pátria Amada, Hino de Mulher Moçambicana e tantas coisas belas e mobilizadoras. Em França Georges Moustaki, nascido nessa comunidade egípcia de origem grega e que pela música tanto nos ensinou a revoltar. Guardem a nossa saudade e amor.
Estando vivo Mestre Craveirinha completaria 91 anos no dia 28, a 20 calhou a vez de Marcelino dos Santos fazer 85 anos.
Um abraço aos que valorizam a memória de Craveirinha e amam Marcelino,
SV

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