sexta-feira, 7 de junho de 2013

ADRIANO GARRINE, PROFESSOR FLAUTISTA E MÁRTIR DA GREVE DOS MÉDICOS


Esta é a dolorida “estória” do meu sobrinho Adriano Pene Garrine, filho do meu primo Pene Garrine e da minha prima Carlota Ngulele, pais de nove meninas e um único rapaz, o meu
 sobrinhoAdriano P.Garrine. Nascido (o meu sobrinho), no mesmo local onde eu e o meu primo Pene Garrine vimos a luz do mundo pela primeira vez, debaixo de uma floresta sagrada, constituída por árvores diversas entre trepadeiras de grandes ramos e folhas grossas e liláceas, formando assim uma frondosa sombra (espécie de estufa), onde nem o sol de Setembro que costuma fazer em vão um gigantesco esforço para passar os seus candentes raios, não o conseguia. Daí o nome de In’tsudini, In’Tsani ou Tximbangoni, que traduzido para português seria“lugar de sombra”. Dificilmente um estranho descobria aquele local, criado pelo falecido pai do meu falecido pai, fundamentalmente para duas importantes funções: servir de refúgio às investidas e perseguições pelos Indunas e Cipaios do Administrador colono que tinham o mandado e mandato de arrastar todo o “pretinho” não importa a idade, desde que possuísse cabelos nos sovacos, para trabalhar no serviço forçado das Machambas da Sociedade Agrícola de Incomati em Xinavane (S.A.I) e para a construção do Pólwe (Porto) em “Ka Nwandzengele” em Lourenço Marques (Maputo) e servir de “laboratório” onde a falecida mãe do meu falecido pai destilava aguardente de caju e de Jambolão (tikhureé). Na verdade era uma espécie de “caverna” onde apenas a nuvem de fumo que sobressaia por cima do arvoredo e o cheiro de aguardente destilado é que denunciavam o local. Nas Europas, corresponderia àquele lugar térreo onde guardam grandes barris e pipas de bebidas diversas que chamam de ADEGA. Foi aquele ambiente que rodeou a infância do meu sobrinho Adriano P. Garrine. O seu pai (meu primo), jurou que nunca abandonaria aquele local, tendo como actividades para a sua (e dos seus) sobrevivência a pesca no lago Phasane, a agricultura de subsistência usando enxada de cabo curto, o corte de wutxema (suco do caule de palmeira brava), e a caça de ratos, sigwinya (vondos) e outras alimárias utilizando armadilhas. Quando o meu sobrinho Adriano P. Garrine com Catorze anos terminou o ensino primário na Escola Primária de Mutxhipa acerca de uma dezena de quilómetros, o meu primo cismou que ele devia continuar a estudar muito, até ser Doutor como Eduardo Mondlane a quem desde sempre o meu primo ouviu falar e que tem nele uma admiração quase divina no que a saberes e humanidades diz respeito. Atirou-me o Adriano, para eu encarregar-me de educá-lo. Veio viver na minha casa donde, juntamente com os filhos da filha da minha sogra fizeram os seus estudos, sem nunca terem conhecido o doce-amargo duma reprovação. Adriano, cursou Matemática e Física na Universidade Pedagógica, tendo-se licenciado com apenas vinte e um anos de idade, com uma nota invejável: 16 valores. Mau grado seu, meu e do meu primo, a colocação para o exercício das suas funções de Professor, foi para a Província de Sofala, mais concretamente para o Distrito de Caia. Sem nenhuma experiência embora, foi nomeado por Despacho verbal, Director Pedagógico da Escola cujas Turmas variavam entre 30 e 50 alunos. De temperamento reservado, Adriano tinha como companheiro inseparável durante as horas em que não leccionava uma flauta feita de bambu que o pai lhe oferecera ainda criança. Devido se calhar à sua proveniência,Adriano nunca gostou de assistir Televisão, ouvir Rádio ou ler Jornais, apenas tocar a sua flauta de quatro buracos. Ele detestava igualmente o Celular. Para confecção das suas refeições, lavar a pouca roupa e varrer o seu quarto feito de pau-a-pique sem luz eléctrica nem água canalizada, Adriano P.Garrine contratou os serviços de Mariana Dzingwe, uma das muitas filhas de um famoso curandeiro local, jovem e linda mãe solteira de Dezassete anos. Seis meses passavam desde que fora colocado em Caia mas o salário esse nunca mais chegava. Vivia de favores de alguns colegas e do “desenrascanço” da Mariana Dzingwe que exercia também a função de Cozinheira e companheira do meu sobrinho Adriano P.Garrine. Sentado no umbral da sua casota e aflautando as mesmas notas monótonas, eis que do nada surgiu uma enorme Mamba que sem apelo nem agravo, talvez desagradada com a irritante música, descarregou numa das pernas do meu pobre sobrinho todo o seu peçonhento veneno. Dizem que o meu sobrinho começou a lançar vagidos que até o pai deMariana, com todos seus saberes em medicina contra cobras, de nada serviu. Transportado para o Hospital Central da Beira, chegou com a perna a pesar quase os mesmos quilos que o resto do corpo. A dor era lancinante, pungente e insuportável e dos dois orifícios onde retiraram os dentes da mamba escorria um líquido viscoso. No Banco de Socorros do H.C.B, não havia nenhum médico. Estavam observando a greve. Permaneceu gemendo durante mais de cinco horas de tempo, e a voz só se calou quando a alma viajou para a eternidade. A acompanhar o féretro contendo os restos mortais do meu sobrinho vinha a Mariana Dzingwe e um colega Professor. Logo após o enterro do meu sobrinho, a esquife foi incinerada, pois no nosso Cemitério da família ninguém jaz dentro de um Caixão. Do envelope endereçado a mim, datado de 27 de Maio de 2013, vinha escrito: “Tio Kandiyane, sinto que algo de mal me vai acontecer. Se um dia o meu salário vier, peço para ser entregue a Mariana Dzingwe. Ela espera um filho meu há três meses. Mesmo sem saber o que é um salário, mas nunca farei greve. Do teu filho/sobrinho Adriano”. As dores que sentimos por esta perda, são tão grandes que não há palavras para as descrever! Palmas para os grevistas e em particular para o seu “Herói”!!!

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