segunda-feira, 10 de junho de 2013

A GREVE DOS MÉDICOS: REQUER-SE O BOM SENSO DE AMBAS AS PARTES

 

Crónica de: Ismael Mussá
No ano  passado, por ocasião da primeira greve dos médicos, escrevi  em  torno da legalidade e da legitimidade da greve e da necessidade de a racionalidade e o bom senso  prevalecerem  sempre  no  diálogo entre  o  Ministério  da  Saúde  (MISAU) e  a Associação dos Médicos de Moçambique (AMM).
Felizmente, naquela altura, o diálogo franco e aberto, entre ambas as partes, permitiu que o bom senso prevalecesse e os médicos retomaram as suas actividades habituais com a promessa de que as suas reivindicações seriam acauteladas na revisão salarial da função pública em Abril deste ano.
Por incumprimento de parte do acordado, por parte do MISAU, ambas as partes, mais uma vez, se desentenderam e os moçambicanos novamente viram-se prejudicados no seu direito constitucional à saúde e desde então, vidas humanas têm sido perdidas deixando sérias dúvidas quanto aos contornos e ao desfecho desta situação.
Ora, tanto na primeira greve como aquando da segunda greve, expressei publicamente a minha solidariedade à causa defendida pelos médicos e  demais profissionais de saúde assim como demonstrei vigorosamente o meu  repúdio aquando da detenção ilegal do  Presidente da Associação dos Médicos  de Moçambique  (AMM) e reafirmei, na ocasião, a justeza da reivindicação  desta classe profissional e dos demais profissionais da saúde e apelei para que o Ministério  da  Saúde  (MISAU) e a Associação dos Médicos de Moçambique (AMM) se predispusessem a dialogar  sem preconceitos e sem desconfianças mútuas, cabendo ao Governo uma responsabilidade acrescida  na  gestão  racional  e  estratégica deste assunto de modo a evitar-se, a todo o  custo,  que  durante as negociações, a emoção se sobrepusesse à razão sendo que  o  diálogo  era  e  ainda  é  a  única alternativa de solução para o problema.
Nos últimos dias fui colhido de surpresa ao aperceber-me, pelas notícias que têm sido reportadas pela imprensa, que não obstante a justeza da causa defendida pelos médicos e demais profissionais de saúde, parece-me, salvo melhor entendimento, que os serviços mínimos que deveriam ser  obrigatoriamente assegurados pelos profissionais em greve, não estão a ser observados, causando dor e  luto  para  muitos  concidadãos  nossos  e retirando, perante a sociedade,  parte da justeza e da  legitimidade da causa defendida, desde o inicio, pela Associação dos  Médicos  de  Moçambique  (AMM)  e pelos  demais  profissionais de saúde; o que, convenhamos, não é um  bom  sinal pois  poder-se-á  estar  a  pôr  em  causa  a solidariedade  e  o  apoio  publicamente expresso por vários quadrantes da nossa sociedade em relação aos profissionais em greve.
Apesar de ser verdade que a forma como o MISAU e seus diversos porta-vozes conduziram esta crise, até ao presente momento, não foi a mais apropriada e mereceu a reprovação de vários segmentos da nossa sociedade, também é verdade que, salvo melhor entendimento, a forma como a greve tem  sido conduzida nos últimos dias deve merecer o nosso reparo e a nossa  reprovação,  pois  quer parecer-me  que, em algum momento, a emoção está  a sobrepor-se à  razão e a consequência  disto pode ser o esvaziamento da justeza desta luta nobre.
É um facto que a forma como o MISAU tem estado a  conduzir este diálogo  pode ter contribuído para o extremar das posições  e  para  a  perca  de  alguma racionalidade  neste  diferendo  mas  mesmo assim nada justifica que alguns médicos ou profissionais  de  saúde  deixem  que  a emoção  sobreponha-se  a  razão  e  percam parte  da  legitimidade  diante  da  sociedade moçambicana  que  sempre  esteve  e continuará solidária com as suas legítimas reivindicações.
Portanto, è urgente inverter-se esta tendência que começa a ser preocupante, pois não basta parecer justa a causa que se defende mas, acima de tudo, importa que a forma como se processa a luta seja também justa e legitimada pelos demais cidadãos. Não podem os cidadãos ficarem impossibilitados de ter acesso aoscuidados mínimos de saúde necessários à preservação da sua vida e da sua dignidade enquanto seres humanos por causa de uma greve que também é legítima. Que se faça a greve, pois é um direito constitucional que a todos assiste mas os cuidados mínimos de saúde aos cidadãos devem continuar a ser assegurados.
Reafirmo, mais uma vez, a minha solidariedade e o meu reconhecimento quanto à justeza da causa defendida nesta greve pelos médicos e demais profissionais de saúde mas volto, mais uma vez,  a apelar  para  que  a  razão  se  sobreponha  à emoção e que ambas as partes privilegiem o  diálogo  e  o  bom  senso  na  resolução deste  diferendo  o  mais  breve  possível evitado prejudicar inocentes que nada têm a ver com este duelo.  É que ninguém escolhe quando é que ficará doente.
Assim, proponho em concreto o seguinte:
  Que  o  Ministério  da  Saúde  (MISAU) aceite,  desde    e  sem  pré-condições, dialogar e acomodar parte significativa das reivindicações  dos  médicos  e  dos  demais profissionais de saúde, comprometendo-se, por  escrito,  em  solucionar  de  forma gradual,  as  restantes  preocupações  no prazo de ano.
  Que  a  Associação  dos  Médicos  de Moçambique  (AMM)  e  os  demais profissionais  de  saúde,  após  acordarem que  parte  significativa  das  reivindicações seja  assumida  de  imediato  pelo  MISAU assim  como  o  comprometimento  deste  na resolução  gradual  da  parte  remanescente, num  período  de  um  ano,  retomem  de imediato as suas actividades profissionais;
  Que  o  Governo,  através  do  Ministério das  Finanças,  elabore  e  submeta  à apreciação e aprovação da Assembleia da República, na próxima sessão parlamentar extraordinária  que  inicia  em  Agosto,  um orçamento rectificativo visando acomodar o impacto  orçamental  do  acordo  que  for alcançado,  particularmente  o  referente  ao aumento salarial.
  Que  a  Bancada  Parlamentar  da FRELIMO,  proponente  da  revisão Constitucional  que  actualmente  está  em curso, aproveite a ocasião para incluir uma proposta  de  redução,  para  metade,  do número  de  Deputados  da  Assembleia  da República,  do  número  de  Ministérios,  do número  de  membros  das  Assembleias Provinciais  e  do  número  de  Membros  das Assembleias  Municipais  bem  como extinguir-se o Governo da Cidade de Maputo, dentre outras medidas de reforma do Estado que possibilite, ao Governo, reunir parte substancial dos recursos para realizar, a partir de  2015, aumentos substanciais nos salários dos funcionários e agentes do Estado em geral e dos médicos e profissionais de saúde em específico;
  Que  a  Assembleia  da  República promova,  em  Agosto  próximo,  um  amplo debate  sobre  o  tipo  de  Estado  que pretendemos  ter  nesta  fase  do  nosso desenvolvimento  e  até  quanto  os moçambicanos  estariam  em  condições  de contribuir para suportar o Estado em geral, aprovando-se uma pirâmide salarial para a função  pública  mais  consentânea  com  as capacidades  financeiras  actuais  e com a necessidade de se imprimir maior motivação e maior produtividade;
É importante que no final deste diferendo as partes se convençam que ninguém saiu derrotada e acima de tudo que sempre vale a pena lutar-se pelos  seus  direitos enquanto  cidadãos  utilizando  as  vias pacíficas  e legais  de  modo  a que vença  a cidadania e o Estado de Direito.
Por fim, penso que é chegado o momento de ambas as partes assumirem que o diferendo deve ser imediatamente ultrapassado e que este pesadelo passe para a história do nosso país e o funcionamento dos hospitais volte imediatamente à normalidade e sem que nenhuma das partes se sinta como perdedores desta contenta.
WAMPHULA FAX – 10.06.2013

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