Crónica de: Ismael Mussá
No ano passado, por ocasião da primeira greve dos médicos, escrevi em torno da legalidade e da legitimidade da greve e da necessidade de a racionalidade e o bom senso prevalecerem sempre no diálogo entre o Ministério da Saúde (MISAU) e a Associação dos Médicos de Moçambique (AMM).
Felizmente, naquela altura, o diálogo franco e aberto, entre ambas as partes, permitiu que o bom senso prevalecesse e os médicos retomaram as suas actividades habituais com a promessa de que as suas reivindicações seriam acauteladas na revisão salarial da função pública em Abril deste ano.
Por incumprimento de parte do acordado, por parte do MISAU, ambas as partes, mais uma vez, se desentenderam e os moçambicanos novamente viram-se prejudicados no seu direito constitucional à saúde e desde então, vidas humanas têm sido perdidas deixando sérias dúvidas quanto aos contornos e ao desfecho desta situação.
Ora, tanto na primeira greve como aquando da segunda greve, expressei publicamente a minha solidariedade à causa defendida pelos médicos e demais profissionais de saúde assim como demonstrei vigorosamente o meu repúdio aquando da detenção ilegal do Presidente da Associação dos Médicos de Moçambique (AMM) e reafirmei, na ocasião, a justeza da reivindicação desta classe profissional e dos demais profissionais da saúde e apelei para que o Ministério da Saúde (MISAU) e a Associação dos Médicos de Moçambique (AMM) se predispusessem a dialogar sem preconceitos e sem desconfianças mútuas, cabendo ao Governo uma responsabilidade acrescida na gestão racional e estratégica deste assunto de modo a evitar-se, a todo o custo, que durante as negociações, a emoção se sobrepusesse à razão sendo que o diálogo era e ainda é a única alternativa de solução para o problema.
Nos últimos dias fui colhido de surpresa ao aperceber-me, pelas notícias que têm sido reportadas pela imprensa, que não obstante a justeza da causa defendida pelos médicos e demais profissionais de saúde, parece-me, salvo melhor entendimento, que os serviços mínimos que deveriam ser obrigatoriamente assegurados pelos profissionais em greve, não estão a ser observados, causando dor e luto para muitos concidadãos nossos e retirando, perante a sociedade, parte da justeza e da legitimidade da causa defendida, desde o inicio, pela Associação dos Médicos de Moçambique (AMM) e pelos demais profissionais de saúde; o que, convenhamos, não é um bom sinal pois poder-se-á estar a pôr em causa a solidariedade e o apoio publicamente expresso por vários quadrantes da nossa sociedade em relação aos profissionais em greve.
Apesar de ser verdade que a forma como o MISAU e seus diversos porta-vozes conduziram esta crise, até ao presente momento, não foi a mais apropriada e mereceu a reprovação de vários segmentos da nossa sociedade, também é verdade que, salvo melhor entendimento, a forma como a greve tem sido conduzida nos últimos dias deve merecer o nosso reparo e a nossa reprovação, pois quer parecer-me que, em algum momento, a emoção está a sobrepor-se à razão e a consequência disto pode ser o esvaziamento da justeza desta luta nobre.
É um facto que a forma como o MISAU tem estado a conduzir este diálogo pode ter contribuído para o extremar das posições e para a perca de alguma racionalidade neste diferendo mas mesmo assim nada justifica que alguns médicos ou profissionais de saúde deixem que a emoção sobreponha-se a razão e percam parte da legitimidade diante da sociedade moçambicana que sempre esteve e continuará solidária com as suas legítimas reivindicações.
Portanto, è urgente inverter-se esta tendência que começa a ser preocupante, pois não basta parecer justa a causa que se defende mas, acima de tudo, importa que a forma como se processa a luta seja também justa e legitimada pelos demais cidadãos. Não podem os cidadãos ficarem impossibilitados de ter acesso aoscuidados mínimos de saúde necessários à preservação da sua vida e da sua dignidade enquanto seres humanos por causa de uma greve que também é legítima. Que se faça a greve, pois é um direito constitucional que a todos assiste mas os cuidados mínimos de saúde aos cidadãos devem continuar a ser assegurados.
Reafirmo, mais uma vez, a minha solidariedade e o meu reconhecimento quanto à justeza da causa defendida nesta greve pelos médicos e demais profissionais de saúde mas volto, mais uma vez, a apelar para que a razão se sobreponha à emoção e que ambas as partes privilegiem o diálogo e o bom senso na resolução deste diferendo o mais breve possível evitado prejudicar inocentes que nada têm a ver com este duelo. É que ninguém escolhe quando é que ficará doente.
Assim, proponho em concreto o seguinte:
• Que o Ministério da Saúde (MISAU) aceite, desde já e sem pré-condições, dialogar e acomodar parte significativa das reivindicações dos médicos e dos demais profissionais de saúde, comprometendo-se, por escrito, em solucionar de forma gradual, as restantes preocupações no prazo de ano.
• Que a Associação dos Médicos de Moçambique (AMM) e os demais profissionais de saúde, após acordarem que parte significativa das reivindicações seja assumida de imediato pelo MISAU assim como o comprometimento deste na resolução gradual da parte remanescente, num período de um ano, retomem de imediato as suas actividades profissionais;
• Que o Governo, através do Ministério das Finanças, elabore e submeta à apreciação e aprovação da Assembleia da República, na próxima sessão parlamentar extraordinária que inicia em Agosto, um orçamento rectificativo visando acomodar o impacto orçamental do acordo que for alcançado, particularmente o referente ao aumento salarial.
• Que a Bancada Parlamentar da FRELIMO, proponente da revisão Constitucional que actualmente está em curso, aproveite a ocasião para incluir uma proposta de redução, para metade, do número de Deputados da Assembleia da República, do número de Ministérios, do número de membros das Assembleias Provinciais e do número de Membros das Assembleias Municipais bem como extinguir-se o Governo da Cidade de Maputo, dentre outras medidas de reforma do Estado que possibilite, ao Governo, reunir parte substancial dos recursos para realizar, a partir de 2015, aumentos substanciais nos salários dos funcionários e agentes do Estado em geral e dos médicos e profissionais de saúde em específico;
• Que a Assembleia da República promova, em Agosto próximo, um amplo debate sobre o tipo de Estado que pretendemos ter nesta fase do nosso desenvolvimento e até quanto os moçambicanos estariam em condições de contribuir para suportar o Estado em geral, aprovando-se uma pirâmide salarial para a função pública mais consentânea com as capacidades financeiras actuais e com a necessidade de se imprimir maior motivação e maior produtividade;
É importante que no final deste diferendo as partes se convençam que ninguém saiu derrotada e acima de tudo que sempre vale a pena lutar-se pelos seus direitos enquanto cidadãos utilizando as vias pacíficas e legais de modo a que vença a cidadania e o Estado de Direito.
Por fim, penso que é chegado o momento de ambas as partes assumirem que o diferendo deve ser imediatamente ultrapassado e que este pesadelo passe para a história do nosso país e o funcionamento dos hospitais volte imediatamente à normalidade e sem que nenhuma das partes se sinta como perdedores desta contenta.
WAMPHULA FAX – 10.06.2013
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