segunda-feira, 20 de maio de 2013

Um Conselho de Estado para Cavaco dar aulas de economia

 
Pedro Almeida Cabral
O nome podia dizer tudo. Dar conselhos sobre o Estado. Sobre assuntos de Estado. É uma espécie de consultório do Presidente da República. Ou nos termos pomposos da Constituição, é o órgão político de consulta do Presidente da República. Este é o manto da coisa. Ingenuamente, pensaríamos que o Conselho de Estado serviria para aconselhar e filtrar decisões. Mas quais decisões se o Presidente não governa? O Conselho de Estado não serve para aconselhar. Serve para deixar passar. Não serve para tirar dúvidas. Serve para reforçar posições. Não serve para esclarecer enganos. Serve para dar força a uma linha de actuação.   É por isso que tem de ser convocado quando os Governos caem. Mas também pode ser convocado quando o Presidente entender. Neste caso, pode discutir-se tudo o que o Presidente quiser. Normalmente, os Presidentes têm a noção que apenas gerem os equilíbrios de quem decide. Por isso, o Conselho de Estado quase nunca se reuniu para discutir políticas sectoriais, como a economia, a educação, a saúde ou a justiça. Foi a própria Presidência da República que, em 2009, assinalava orgulhosamente que nos últimos 23 anos tinha sido assim. Como quem diz, o Conselho de Estado não serve para governar e o Presidente Cavaco é um Presidente que preside tal e qual os outros. Nos últimos anos, tudo mudou.
Já depois de ser reeleito, Cavaco entendeu que o Governo de Passos, para aprovar o Orçamento de Estado para 2012, merecia ter um incentivo extra para além da maioria absoluta que já tinha na Assembleia da República. E reuniu o Conselho de Estado em Outubro de 2011 com o tema "Portugal no contexto da crise da zona Euro". O objectivo era reflectir sobre Portugal e a crise da zona Euro? Não, era apenas dar mais legitimidade ao Orçamento de Estado para 2012.  
Um ano depois, a história repetiu-se com outras cores. Cavaco convocou o Conselho de Estado em Setembro de 2012 com um tema completamente inovador face ao ano anterior: "Resposta europeia à crise da zona Euro e a situação portuguesa". O objectivo era reflectir sobre a resposta europeia à crise da zona Euro e em que medida isso afectava Portugal? Não, era salvar o Governo que estava em perigo devido à crise da TSU.
Finalmente, no passado dia 13 de Maio, dia dado a inspirações marianas como é sabido, Cavaco convocou mais um Conselho de Estado. Desta vez, excedeu-se no tema e imaginou-se em cátedra universitária: "Perspectivas da economia portuguesa no pós-troika, no quadro de uma união económica e monetária efectiva e aprofundada". O objectivo era reflectir sobre o pós-troika e sobre a posição de Portugal na zona Euro? Não. Enquanto os outros dois serviram para governar, este serviu para Cavaco se libertar do Governo num curioso espectáculo em que o criador renega a criatura.
O que sabemos do Conselho de Estado de ontem é uma pérola de sugestões vazias. Os "aumentos de competitividade" são necessários através de "crescimento sustentável". E todos sabemos como é fundamental "reconquistar a confiança dos cidadãos" através da "solidariedade" e do "estímulo à actividade económica". Caro leitor, se ainda não adormeceu, os meus parabéns. Todos estes lugares comuns têm um único objectivo: afastar Cavaco de todas as medidas que o Governo venha a tomar que sejam impopulares e permitir que Cavaco continue a tratar tudo o que respeita à governação com pequenos reparos aqui e ali.
Afinal, as concessões feitas à Troika na sétima avaliação, o corta não corta nas pensões, as reduções dos salários dos funcionários públicos anunciadas nos jornais, o descalabro das previsões de Gaspar, o desemprego galopante, o espectáculo de uma coligação a regatear em público, a ameaça latente da demissão de Portas, um Documento de Estratégia Orçamental com previsões delirantes e a perspectiva de um Orçamento de Estado dificílimo, não são merecedoras nem de uma troca de impressões no Conselho de Estado.   
É este o Presidente que temos, a gerir a sua imagem. É este o Conselho de Estado que merecemos, uma aula de economia. Em vez de se pôr alguma ordem na governação ou de se obrigar o Governo a explicar aos seus cidadãos o que pretende fazer, temos um Presidente a dar aulas de economia no Palácio de Belém para depois poder dizer que avisou do alto da sua cátedra sobre o futuro. Mas ao nosso futuro disse nada. Tentou apenas salvar o seu. osdiasuteis@gmail.com 

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