segunda-feira, 6 de maio de 2013

TERÁ O CRIME ORGANIZADO CAPTURADO O ESTADO MOÇAMBICANO?

No ano passado escrevi neste mesmo espaço sobre o recrudescer da criminalidade e o surgimento de novos tipos de crimes e a ausência de acções concretas visando estancar e inibir a propagação destes actos criminais por todo o país. Alertava na ocasião que o surgime...nto de novos tipos de crimes, muitos dos quais utilizando técnicas altamente sofisticadas, exigiam do Estado a redefinição célere de toda a sua estratégia de combate ao crime, a adopção de tecnologias apropriadas, a capacitação adequada das suas forças policiais, políticas remuneratórias e de segurança social correspondentes a estas forças e uma maior vigilância quanto a possíveis infiltrações de agentes activos e passivos ligados ao crime organizado, no seu seio e acima de tudo, uma acção rápida e concertada no sentido de não passar para a sociedade o sentimento de apatia, falta de vontade ou até mesmo de aparente cumplicidade com o crime.
Pois, todos os cidadãos têm o direito constitucional à segurança e a Polícia, em colaboração com outras instituições do Estado, têm a função de garantir a lei e a ordem, a salvaguarda da segurança de pessoas e bens, a tranquilidade pública, o respeito pelo Estado de Direito Democrático e a observância estrita dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos consagrados constitucionalmente.
Nesse mesmo artigo, fiz questão de recordar que a Polícia no exercício das suas funções deve obediência a lei e serve, com isenção e imparcialidade os cidadãos e as instituições públicas e privadas.
No entanto, decorridos esses meses todos, noto com preocupação e indignação que ainda persiste uma relativa apatia das autoridades policiais no combate e esclarecimento de vários crimes que causam dor e luto e elevados danos humanos, materiais e psicológicos, como é o caso de assassinatos, mutilações, raptos, tráfico de pessoas, roubos a residências, violações de crianças e mulheres, tráfico de órgãos humanos para fins de rituais satânicos, assaltos aos bancos, entre outros e tudo leva-nos a acreditar que o estado esta sendo gradualmente capturado pelo crime organizado e não se vislumbram sinais de que haja, de facto, vontade politica suficiente para se inverter este triste estado de coisas.
É um facto de que este tipo de crimes ocorre em outros países alguns dos quais com maiores recursos financeiros e materiais do que o nosso, mas, nem por isso deve deixar de nos preocupar e de nos indignar.
Hoje alguns destes crimes – os raptos, têm estado, até o momento, a visar cidadãos moçambicanos com determinadas características étnicas e religiosas particularmente na Cidade de Maputo mas, a ausência de um combate célere e efectivo poderá certamente fazer com que este tipo de crimes se enraízem e se propaguem por toda a sociedade e portanto, urge combater-se este flagelo o mais cedo possível, para evitar danos maiores e mais gerais. A competência primeira e última nesta batalha pertence a Polícia e a mesma não pode demitir-se das suas responsabilidades sob a alegação de tratar-se de um assunto relativo a uma determinada parcela da sociedade e que portanto deve ser resolvida por esta parcela da sociedade ou de que não dispõe de meios para o efeito.
À polícia, como entidade a quem cabe assegurar a segurança dos membros da sociedade, cabe a função de garantir a segurança de todos sem distinção, e nesta função deve ser orientada pelo princípio de que ninguém, independentemente de quem seja, está acima da lei e, portanto, mesmo que os indícios indiquem que alguns dos autores destes crimes pertencem a parcela da sociedade que está a ser atingida pelos crimes, ainda assim o Estado não pode, de maneira alguma, demitir-se da sua função de garantir que estes autores sejam identificados, detidos, julgados e devidamente punidos com base na lei em vigor. O que não podemos é tolerar que se diga que não há meios e que o problema somente afecta um pequeno grupo de cidadãos partindo do pressuposto de que é um problema exógeno à nossa sociedade, pois o que hoje afecta a uma pequena parcela da sociedade amanhã poderá alastrar-se por toda a sociedade e por todo o país.
De modo algum podemos aceitar e nem sequer tolerar que as autoridades policiais digam que não dispõem de meios quer seja materiais como financeiros para estancar e inibir este tipo de crimes, à partida, sabemos haver vontade já manifestada por membros da sociedade e por países solidários em colocar a disposição da polícia alguns dos meios de que esta necessita para agir adequadamente e celeremente neste tipo de casos.
Salvo melhor entendimento, a impunidade ou o sentimento de que a entidade responsável por garantir a segurança não irá agir adequadamente no sentido de punir os crimes praticados poderá conduzir toda a sociedade à anarquia e à descrença total das instituições do nosso Estado, o que, convenhamos, não deve sossegar a ninguém e muito menos ao Estado.
O desespero que a impunidade pode causar nas vítimas do crime pode conduzir a experiências em que os cidadãos assumam para si a função de garantir a sua segurança pelos meios de que dispõe e portanto fazer a justiça por suas próprias mãos; o que deve-se evitar a todo o custo, cabendo a cada um de nós dar o seu contributo para que a sociedade não seja conduzida a este extremo.
Mas acima de tudo é necessário e urgente que haja vontade e seriedade na forma como a nossa polícia aborda a criminalidade em geral e se esclareça com a brevidade e celeridade exigida os casos criminais e em particular aqueles que embora tipificados como sendo novos no nosso seio, são certamente os que maior instabilidade e descrédito poderão trazer como é o caso dos raptos que hoje ainda ocorrem com maior frequência na cidade de Maputo mas que com as recentes descobertas de carvão e gás natural no centro e norte de Moçambique, poderão alastrar-se para essas regiões e passarem a visar também os cidadãos nacionais e estrangeiros que trabalham para as multinacionais e outros investimentos, prejudicando sobremaneira a imagem e a economia nacional e toda a estabilidade até aqui conquistada com muito sacrifício.
Enquanto cidadãos cumprimos a parte que nos cabe do contrato social celebrado com o Estado, pelo que cabe ao Estado também cumprir a parte que lhe cabe. Só assim poderemos validar e renovar ciclicamente o nosso contrato social.
Portanto, sendo a segurança um direito de todos tal como todos são iguais perante a lei e devem perante a Lei responder pelos actos praticados, exigimos então, que o Estado faça o uso do monopólio da força para estancar, inibir e punir exemplarmente os criminosos independentemente das suas condições socioeconómicas, origens étnicas, raciais ou das suas convicções político-partidárias ou ainda religiosas.
É isso que se espera do Estado.

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