segunda-feira, 6 de maio de 2013

Revelações de Jaime Khamba ensombram história da FRELIMO e Mondlane

Nos finais do ano de 2000, Fanuel Gideon Mahluza trouxe a lume informações até então desconhecidas contradizendo a versão oficial sobre a história da libertação nacional levada a cabo pelo partido no poder. Eis que cerca de três anos depois surge dos Estados Unidos da América um Moçambicano, ex-combatente da luta armada, corroborando com Mahluza, e de certo modo avançando detalhes. 
Rodrigues Luís(Texto), Dinis Jossias(Fotos)
"A história da libertação Nacional tanto como a dos fundadores da FRELIMO não está a ser bem contada, pois o que se diz e esta escrito nos livros didácticos não corresponde a verdade”, eis as palavras com que Jaime Maurício Khamba, ex-combatente da libertação Nacional, actualmente a residir há 40 anos nos
Estados Unidos da América (EUA), abriu a conversa com o Savana. Segundo Khamba, a raz
ão que o levou a contactar o nosso Jornal prendo-se com        o
fornecimento de subsídios que possam esclarecer a história contemporânea, de modo a que os compatriotas entendam-na. Adianta ainda que, no País existe multa gente que, embora conhe­cendo os factos, refugia-se num silêncio cumpliscente.
Jaime Maurício Khamba, ou Ntema Ganda, como era conhecido no tempo de libertação nacional, jura de pés juntos que na formação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) os nomes hoje mencionados como sendo obreiros da unidade nacional não passa de uma invenção.
Para a nossa fonte, Eduardo Mondlane, 1º Presidente da FRELIMO, Samora Machel, primeiro Presidente de Moçambique independente e Joaquim Chissano, actual chefe de Estado, são figuras apon­tadas pelo nosso interlocutor como sendo os grandes ausentes na formação da Frelimo.
Segundo Jaime Khamba, na actual historiografia moçambicana, nomes como de Eduardo Mondlane, Samora Machel e muitas outras figuras na liderança da Frelimo são erradamente mencionadas como tendo participado na criação da FRELIMO. Todavia, "a verdade no meio desta mentira é que estas individualidades participaram activamente e contribuíram no sucesso da revolução que levou a queda do fascismo no nosso país".
Jaime khamba defende que a nova geração não deve ser refém das inverdades narradas em torno da história da Frelimo como uma frente, pois personalidades há que, embora em pleno gozo da vida, tem preferido a mudez como forma de omitir os factos em torno da formação da FRELIMO. Marcelino dos Santos, Lopes Tembe Ndiomba, Abílio Araújo Matsinhe e muitos outros são mencionados pelo nosso interlocutor como sendo lendas vivas que deviam reescrever a história pois conhecem-na muito bem, mas pela posição tomada no Governo eles não são capazes de contar urna vez terem participado na elaboração de mentiras.
Para aquele ex-comba­tente, é duro reparar como o Presidente Joaquim Alberto Chissano, Marcelino dos Santos, Pascoal Mocumbi, Lopes Tembe Ndelane, Constâncio Ndiomba e Dr. Joaquim Boaventura Verimbo têm ignorado o reconhecimento daqueles que formaram a Frelimo, uma vez estão a par da veracidade sobre a fundação da FRELIMO.
Disse que a ideia de nascimento da FRELIMO surgiu numa fase em que os
tr
ês movimentos, nomeadamente a União Africana Nacional de Moçambique (MANU), Associação Africana de Moçambique (MAA) - uma união dos Macondes criada em 1960, e a UDENAMO, viviam um momento de grande tensão1.
"Vivia-se uma tensão étnica no nosso seio por haver também um grande número de iletrados. Eu e Adelino Gwambe, também, conhecido por Hlomulo, estudamos a forma de resolver a questão, Eu lhe sugeri que juntássemos estas organizações para formar uma só frente composta por 18 membros da comissão executiva a nível nacional", frisou Khamba.
O entrevistado disse ter igualmente proposto que, após a reunificação dos três movimentos, cada província deveria ter seus representantes e que a liderança desta frente teria que ser distribuída por todas as regiões do país. Disse ainda que "propus que os oficiais que não escreviam e nem falavam a língua Portuguesa deveriam ser eleitos vice-presidentes ou deputados. Gwambe concordou com todas as minhas propostas, excluindo a de que o executivo deveria ser composto por 18 membros, alegadamente porque o número era elevado, o que facilitaria a infiltração da polícia política portuguesa (PIDE).
A formação da FRELIMO
 
"Não é por acaso que Marcelino dos Santos recorre à primeira pessoa do singular gabando-se de ser Frelimo", pois aquele participara activamente na formação da Frelimo.
Segundo Jaime Khamba afirmou ter sido ele a sugerir a fusão dos três movimentos sem no entanto prever o nome que a mesma a organização passaria a denominar-se. O nome FRELIMO nasceu em Janeiro ou Março de 1962, em Accra, Ghana, durante uma conferência organizada pelo Dr. Nkwame Nkrumah, denominada "Conference of freedom fighters" ou seja conferência  dos combatentes da liberdade 2.
De acordo com o nosso interlocutor, o nome FRELIMO foi sugerido pelo Fanuel Gideon Mahluza, vice-Presidente da UDENAMO, onde foi acolhido por maioria absoluta numa assembleia na qual fizeram parte Adelino Xitofo Gwambe, Marcelino dos Santos, David José Mabunda (presentemente em Michigan, EUA).
Após a escolha do nome submeteu-se à apreciação do Dr. Nkrumah, tendo ultimamente sido remetido ao Peter Mbju Koinange que era Secretário-Geral do movi­mento Pan Africano do Este e da África Central. Isto viria a culminar com a aprovação da denominação FRELIMO, após que a mesma viria a ser anunciada em Accra e Dar Es Salam. "Durante este período não estava presente nenhum dos nomes que hoje se ouve falar serem fundadores da FRELIMO, incluindo Mondlane, Machel ou simplesmente membros que estão no actual Governo.
Eu desafio as pessoas a terem que consultar as historiografias existentes em Tanzânia a Kenya, pois facto foi amplamente divulgado nos órgãos de informação. Só em Tanzânia podem procurar nos jornais "Nguromo" e "The Tanganyka Standard", enquanto isto em Kenya "The East African Standard" e The Daily Nation of Kenya", do período que vai desde Janeiro de 1961 até Junho de 1962" 3.
Khamba elucidou atra­vés dos documentos que possuía que apesar da organização ter sido for­mada em Fevereiro e Março foi formalizada no dia 25 de Junho 2.
Mondlane chega a FRELIMO na boleia das Nações Unidas
Um programa levado a cabo pelas Nações Unidas nos países de África, Ásia, América do Sul e Caraíbas cujo pano de fundo era a situação política nos territórios colonizados levou a que em 1962 deslocassem ao continente negro várias individualidades, uma das quais é o Dr. Eduardo Mondlane. Este, segundo a nossa fonte, antecipou-se à presença ou chegada, à Dar-Es-Salaam, da Comissão dos Assuntos políticos dos Países Africanos de Expressão Portuguesa, liderada por Archerk Maroul da Guiné Conacri.
Adelino Gwambe, Jaime Khamba, Lopes Tembe Ndelane (antigo embaixador Moçambicano na China e Zimbabwe), Filipe Samuel Magaia, António Tchapo, Miguel Marupa e outros, são que participaram no primeiro encontro com a comissão das Nações Unidas.
Poucos dias antes da chegada em Dar Es Salam da equipa das Nações Unidas, com a intenção de investigar sobre os assuntos dos países africanos de expressão portuguesa, percebe-se a presença do Dr. Eduardo Mondlane, numa altura em que Mabunda e Adelino Gwambe, na qualidade do Presidente da UDENAMO, tinham-se deslocado à Ghana. 
Uria Simango
A sua saída provisória para Ghana, Gwambe e Mabunda atribuíram ao reverendo Urias Simango, que se juntara à UDENAMO através da uma organização denominada "Portuguese Easty African Society", fundada no Zimbabwe, a responsabilidade sobre a direcção, tendo como seu coadjuvante Paulo Gurnane.
Urias Simango é citado pelo nosso interlocutor como tendo criado base do movimento em várias posições. Ele fazia um trabalho intenso no Zimbabwe, através da "Portuguese Easty African Society", que se camuflava com a utilização de vestes de padres, de tal modo que recrutavam facilmente jovens à Rodésia, tanto como para Tanzânia. Naqueles anos Simango foi quem recrutou muitos Moçambicanos para a libertação do Pais.
"No dia em previsto para a realização da reunião com o responsável da Comissão dos Assuntos Políticos do Países Africanos de Expressão Portuguesa, Archerk Marouf, Eduardo Mondlane chegara ao palco da conferência, um edifício designado Nazmoja, acompanhado por tanzanianos, ao que os líderes das organizações, nomeada­mente UDENAMO e MANU, estranharam. Mal vi o Dr. Mondlane de imediato comuniquei ao reverendo Urias Simango e Paulo Gumane, os quais não acreditaram porque não tinham sido avisados sobre a sua vinda à África. Mas com a descrição que lhes forneci, Simango acreditou que tratava-se na verdade de Mondlane, tendo no entanto lá se dirigido a fim de desejar-lhe os cumpri­mentos de boas vindas", conforme afirmou Khamba. Simango chegara a Nazmoja após o Dr. Eduardo Mondlane ter apresentado a sua comunicação à referida comissão das Nações Unidas, denunciando, entre outras coisas, a violação dos direitos humanos. A sua inter­venção foi bastante louvada nos circuitos políticos tanto como na imprensa nomea­damente "Tanganyka Standard” que o citou como sendo um académico Moçambicano que lecciona no ensino superior."Syracuse University", em Nova Iorque.
Naquele dia, após Dr. Mondlane ter apresentado o seu, relatório, segundo recorda o nosso interlocutor, Urias Simango, representando as organizações UDENAMO e MANU também fê-lo sem no entanto entrar em fricções com o primeiro.
Recorde-se que nesta altura Hlomulo e Mabunda encontravam-se em Ghana. A estadia prolongara-se por longo tempo, ao ponto de se ter especulado que aqueles dois andavam a esquivar-se de Eduardo Mondlane.
Para Jaime Khamba, a verdade é que Gwambe, na qualidade de Presidente da UDENAMO, era na altura muito solicitado noutros países para debater questões da revolução contra os imperialistas. "Nessa altura havia rumores de que ele receava encontra-se com o Dr. Mondlane,' mas a verdade é que se encontrava em Nova Deli, na Índia, para assistir a Conferência de Juventude".
Noutros círculos, de acordo com o nosso interlocutor, o atraso de Gwambe era visto como uma forma de protesto contra Dr. Mondlane alegadamente por este, estando a residir na América, nunca ter-se empenhado nas actividades politicas à semelhança de alguns líderes intelectuais corno Dr. Hastings Kamuzu Banda, Jomo Kenyata, quando estes estavam ainda na Inglaterra. E não, por aquele ter visitado a sua família em Moçambique, em 1961, sem nenhum tipo de problema com os colonos, quando por aquela altura havia uma escalada de detenções em Moçambique e Angola.
Eleições na FRELIMO
 
Finalmente Adelino Gwambe chega à Tanzânia ido da Índia. Posto isto ele (Gwambe) e Eduardo Mondlane tiveram um encontro prolongado a portas fechadas. Segundo a nossa fonte, o tal encontro eram para ambos dissiparem equívocos sobre aquilo que tinha acompanhado em relação a ausência do Gwambe.
O Dr. Eduardo Mondlane e Reverendo Urias Simango eram apenas dois candidatos numa eleição renhida no dia 25 de Junho de 1962. Gwambe fez campanha para Simango mas mesmo assim o seu candidato preferido não passou. Eduardo Mondlane teve 51% de votos e o seu opositor Urias Simango foi confiado 49%, tendo em resultado do escrutínio o derrotado assumido o cargo de vice-Presidente do movimento, FRELIMO.
O primeiro presidente da Frelimo convidou, sem sucesso, Adelino Gwambe para ocupar o cargo de Secretário-Geral, ao que este recusara tendo sugerido que a função fosse assumida por David José Mabunda.
 
Staff da Frelimo (1962)
1. Dr. Eduardo Chivambo Mondlane - Presi­dente
2. Reverendo Urias Timóteo Simango - Vice Presidente
3. David José M. Ma­bunda - Secretário-Geral
4. Paulo J. Gumane - Vice-Secretário Geral
5. Jaime Mussadala  - Tesoureiro Geral
6.João Mauenda - Vice-Tesoureiro
7. Rafael S. Nungu - Secretário Administrativo
8. Mateus M. Mmole – Vice-Secretário Administrativo 4
9. Lourenço Mutaca - Secretário Financeiro
10.Leo Milas - Secretá­rio de mobilização
11.Lourenço Millinga - Vice secretário de mobili­zação
12.Marcelino dos Santos - Secretário de assuntos exterior
13.F. Dewase - Secretá­rio da Juventude
Leo Milas cria bagunça
 
Logo que se concretizou a eleição de Dr. Mondlane para o cargo de presidente da Frelimo, o que foi interpretado que fora maquinada para que o mesmo tomasse o poder, de imediato o presidente da FRELIMO partiu para os Estados Unidos da América (EUA), deixando como substituto Leo Milas, um cidadão cuja nacionalidade desconhecíamos. O vice-presidente Reverendo Urias Simango, no lugar de dirigir, foi preterido.
A indicação de Leo Milas para velar pela FRELIMO no período de ausência de Mondlane mereceu aval do ex-presidente Julius Nyerere, que foi recomendado pelo presidente eleito no sentido lhe prestar todo o apoio necessário. Todavia, Milas começou a criar confusão no seio dos militantes, rasgando ordens de expulsão sem justa causa. Isto ocorre numa altura em que Marcelino dos Santos se encontrava em Marrocos, pois a sua nomeação para o cargo de secretário de assuntos exteriores nesta fase.
Usando os poderes que lhe tinham sido conferidos, Milas expulsou Ilegalmente Paulo Gumane, David Mabunda e outros. Leo Milas, que não tinha espírito de liderança, de acordo com Jaime Khamba, solicitou Marcelino dos Santos a escrever ao ex-Presidente do Uganda, Milton Obote, para perseguir os que fugiam de maus tratos no seio do movimento. O substituto de Mondlane também não poupou o reverendo Urias Simango demonstrando desrespeito a esta figura respeitada que servia da biblioteca de todas as organizações Africanas que se encontrava a preparar a revolução naquele país.
 
Marcelino dos Santos acusado de trair Sigauke

Conforme referimos acima, a nomeação de Marcelino dos Santos para o cargo de secretário dos assuntos exteriores da Frelimo foi feita numa altura em que se encontrava em Marrocos. Marcelino tinha sido suspenso da UDENAMO, por suspeitas de traição a Jaime Rivaz Sigauke, oficial daquele movimento que foi captu­rado na Rodésia em 1961 e deportado para Moçambique donde foi cair nas mãos dos portugueses.
A suspeita caiu para Marcelino dos Santos, segundo o nosso interlocutor, porque momentos antes da sua detenção na Rodésia, Sigauke teve confidências com este.
Ao longo do tempo, conforme conta Jaime Khamba, Marcelino dos Santos sentia-se inseguro no movimento por causa da sua cor. Santos (mestiço) julgava-se descriminado racialmente a ponto de em 1968 escrever no seu diário em língua Chinesa que os Moçambicanos viam nele como um não verdadeiro Africano.
Jaime Khamba disse que ele juntamente com o seu companheiro John Bande tiveram a oportunidade de reconhecer o diário de Marcelino dos Santos no
avião, quando uma delega
ção Chinesa, que partia à
Moshi, uma zona de
Tanz
ânia para uma conferência de solidarie­dade Afro-Asiá
tica, lhes
traduziu à letra o conte
údo dos escritos do secretário das relações exteriores. Os tais chineses ficaram impressionados com o nível de escrita de dos Santos.
Marcelino dos Santos é citado como tendo-se queixado ao Dr. Mondlane que a sua suspensão na UDENAMO "deveu-se aos problemas raciais, o que não é verdade porque antes da sua nomeação em 1961 em Marrocos como oficial da UDENAMO e da Confe­rência das Organizações da África Negra Sob Domínio Colonial Português (CONSP) nós já sabíamos que era um mestiço cujos parentes são Cabo-verdeanos. Nessa altura, Samora Machel e compa­nhia ainda não estavam dado muitos deles juntaram-se a nós em 1963, tendo contudo contribuído fortemente no desenvolvimento da revolu­ção.
 
SAVANA – 05.09.2003
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NOTAS (Baseadas na obra “MOZAMBIQUE - The Tortuous Road to Democracy” de João M. Cabrita (Macmillan, Londres e Nova Iorque, 2000)):
1.    Khamba fala da fusão de três movimentos, nomeadamente a Udenamo, a MANU e a Makonde African Association (MAA). Na realidade, a fusão foi entre a Udenamo e a MANU. A MANU englobava as três alas da Makonde African Association (MAA) que se haviam coligado em Janeiro de 1961. As alas da MAA e os respectivos dirigentes eram os seguintes:
MAA (Dar-es-Salam) – Mateus Mmole
MAA (Zanzibar) – Ali Madebe
MAA (Mombaça) – Samuly Diankali
 
2.    A fusão entre a Udenamo e a MANU ocorre em Dar-es-Salam a 24 de Maio de 1962, portanto antes da conferência de Acra. A conferência a que Khamba se refere como “Conference of freedom fighters” foi a «African Freedom Fighters Conference» que teve lugar em Acra nos finais de Maio e princípios de Junho de 1962, e não em “Janeiro ou Março de 1962”.
 
3.    O comprovativo de que a «African Freedom Fighters Conference» realizou-se de Maio a Junho de 1962 é a notícia dada pelo jornal ganiano, Evening News, edição de 6 de Junho de 1962 (pp 1 e 2), com o título, “Mozambique Parties Answer Osagyefo’s ‘Close Ranks Call’”. “Osagyefo” (ou Redentor) era o título honorífico de Kwame Nkrumah.
 
4.    A Mmole foi na realidade atribuído o cargo de tesoureiro. João Munguambe foi designado secretário da defesa e segurança, tendo como adjunto Filipe Magaia.

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