REPENSAR A EDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE
Carta Pastoral dos Bispos Católicos
Às Comunidades Cristãs e a Todas as Pessoas de Boa Vontade
A
graça e a paz de Deus, nosso Pai e de Jesus Cristo, Nosso Senhor, estejam
convosco (2 Cor 13, 13).
Reunidos
em Assembleia Plenária, de 03 a 08 de Maio de 2011, no Seminário Filosófico
Interdiocesano de Santo Agostinho da Matola, nós, os Bispos Católicos de
Moçambique, como Pastores a quem o Espírito Santo confiou a Igreja Local do
nosso País (Act 20, 28), depois de
vários contactos, profunda observação, reflexão, debate e oração, decidimos
escrever-vos a presente Carta Pastoral. Queremos partilhar convosco a nossa
apreciação, esperanças e anseios no concernente à actual situação da Educação
no nosso País. Sabemos que este tema a todos nos preocupa, nos nossos dias: aos
pais, aos alunos, aos professores, aos panificadores, aos gestores e aos
governantes, aos diferentes extractos da Sociedade Civil, incluindo os agentes
de pastoral. Daí a pertinência de uma palavra da nossa parte.
INTRODUÇÃO
1. Porquê falar da Educação em Moçambique?
Ao
fazê-lo não lavramos em terreno alheio, pois, como diz o Concílio Vaticano II:
“As alegrias e as esperanças, as tristezas e
angústias
dos homens do nosso tempo são também as alegrias e as esperanças, as tristezas
e as angústias dos discípulos de Cristo, pois nada existe de verdadeiramente
humano que não encontre eco em seu coração” (Gaudium et Spes, 1). Motivado por esta convicção, o mesmo Concílio
aprovou a Declaração Gravissimum Educationis,
na qual aborda, para além do caso específico da Educação Cristã, as balizas de
todo o sistema de Educação verdadeiramente humano.
O
munus de educar e ensinar foi
confiado à Igreja por seu Fundador Jesus Cristo aquando do envio missionário:
“Ide, pois, fazei discípulos de todos os Povos” (Mt 28, 19). Tal tarefa, foi assumida pela Igreja desde os alvores
do Ministério Apostólico e é ilustrada no episódio da conversão do eunuco
etíope, um homem letrado, de elevada posição social e política que o diácono
Filipe baptiza (Cfr. Act 8, 26-34).
Olhando para a nossa História,
verificamos que a experiência educativa do nosso Povo passou por diferentes
sistemas. Nos últimos 48 anos o Povo moçambicano experimentou, sucessivamente a
etapa da Educação enquanto parte integrante da Luta pela Independência
Nacional, quando a palavra de ordem era “Produzir, combater e aprender”. Então,
era necessário preparar o Homem moçambicano para assumir os destinos do País.
Foi nesse contexto que foram surgindo os Centros Piloto e as escolas das Zonas
Libertadas, o Centro Educacional de Tunduru e o Instituto Moçambicano.
Contemporaneamente, dezenas de moçambicanos beneficiaram de bolsas de estudo no
exterior.
Com
a proclamação da Independência Nacional, o Governo colocou a Educação no centro
das prioridades, nacionalizou e monopolizou o exercício das actividades
educativas. Pretendia-
02
se
então formar o “Homem Novo”, revolucionário, de ideologia
científica, socialista,
materialista. Este projecto foi fortemente afectado pela Guerra dos 16 anos e,
mais ainda, pela queda do Muro de Berlim, seguido do desmoronar do mundo
socialista do Leste Europeu, e definitivamente enterrado aquando do advento da
democracia multipartidária e da liberalização da Economia no País. E, quando
perante estas realidades, sem ainda se ter discutido internamente o novo modelo
para o sector, surge a ONU com o programa “Educação para todos até 2015”, no
âmbito dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Todos se pronunciam sobre
a Educação, todos se interrogam, discutem e opinam sobre ela. É na vontade de
intervir neste cenário que surge a presente Carta Pastoral.
2. O valor da Educação em geral e para Moçambique
O
conceito “Sistema de Educação” pode ser expresso de várias formas. Mas nós o
entendemos como um sistema coordenado de acções, de conhecimentos técnicos e
valores orientados para a inserção da Pessoa Humana na sociedade em que vive.
Daqui resulta a importância da Educação, pois é a partir dela que a sociedade
assegura a sobrevivência dos seus valores culturais, éticos e morais.
Com
a Educação se asseguram o progresso, o desenvolvimento e o bem-estar. Na
presente fase da vida nacional, precisamos, em Moçambique, de uma Educação, sã
e equilibrada, capaz de formar pessoas esclarecidas e comprometidas com o bem
comum.
CAPÍTULO I
SITUAÇÃO DA EDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE
3. Aspectos positivos da Educação em Moçambique
03
·
No âmbito da aplicação dos
Objectivos do Milénio,
Moçambique fez um grande esforço para construir
escolas e salas de aula. A Igreja não tem estado alheia a este processo e vem
contribuindo de maneira significativa nesta tarefa.
·
A escolaridade obrigatória e
gratuita até à 7ª classe, bem como a distribuição, também gratuita, do livro
escolar, como maneira de garantir a todos os moçambicanos o direito
constitucional à educação, é outra meta digna de ser sublinhada.
·
A iniciativa da introdução das
línguas maternas no ensino formal é outro facto meritório a ser considerado,
não obstante a complexidade da sua aplicação prática.
·
O Acordo celebrado no passado
entre a Conferência Episcopal de Moçambique e o Ministério da Educação, que
reconhece o ensino das instituições da Igreja, mostra o interesse de ambas as
partes em trabalharem eficazmente neste campo da Educação.
·
A expansão do ensino superior
ao longo de todo o território nacional é outro aspecto a ressaltar, bem como o
desejo de se profissionalizar o ensino secundário, e a reforma da Educação
Profissional.
·
Não menos digna de louvor é a
existência de lares estudantis para os alunos sem família nas localidades onde
estudam.
4. Aspectos negativos no processo de Educação,
hoje, em Moçambique
·
É indiscutível o baixo nível do
ensino no nosso País, denunciado pela sociedade. Porém, enquanto o fenómeno
persistir, nunca será demais dizê-lo: muitos são os alunos que terminam o
ensino básico sem saberem ler nem escrever, até
04
o
próprio nome.
·
A corrupção generalizada nos
diferentes níveis de ensino, quer a nível de extorsão pecuniária, quer nas
formas ainda mais degradantes, quais o assédio e a chantagem sexuais, é uma
realidade muito grave e mina os valores fundamentais da Educação.
·
Perante a necessidade sempre
crescente de professores, vemos ganharem espaço, na sua contratação, atitudes
de clientelismo partidário e de favoritismo baseado em amizade e outros
factores de manifesta descriminação.
·
A falta de disciplina e de
ética na maioria dos estabelecimentos de ensino torna o processo educativo uma
mera instrução, esquecendo a formação integral da Pessoa Humana.
·
Muitos estudantes que terminam
o ensino básico não encontram enquadramento para os níveis seguintes, por falta
de estruturas escolares. Outros são encaminhados para turmas superlotadas ou,
ainda em tenra idade, para o ensino nocturno, com todas as implicações de
saúde, segurança e moral daí decorrentes.
·
No tocante à própria gestão dos
sistemas de ensino, verifica-se, muitas vezes, a falta de responsáveis
(directores e adjuntos pedagógicos) com competências para fazer a planificação,
monitoria e avaliação de todo o processo educativo. Daqui resulta a inexistente
ou deficiente programação das actividades educativas.
·
A grande falta de bibliotecas,
o pobre apetrechamento das existentes, bem como a falta de professores bem
preparados.
5.
Aspectos problemáticos na Educação, hoje,
em Moçambique
05
·
É inegável a constante
introdução de contínuas, e muitas vezes inconsistentes e mal digeridas,
reformas do ensino. Tudo leva a crer que as mesmas, se destinam antes a
obedecer a esquemas impostos de fora, da parte de parceiros de desenvolvimento,
do que ter em conta o tipo de Pessoa Moçambicana, a sua cultura e a sua
realidade.
·
Isto mesmo se nota também na
contínua mudança no modelo de formação de professores.
·
Não menos preocupante é a
prática de passagens automáticas e administrativas. Com tal procedimento
engana-se o aluno atribuindo-lhe um título que não merece.
·
A distância relacional entre
pais e professores e o fraco acompanhamento do processo de educação dos filhos
pelos pais.
·
Grave é ainda a incapacidade
dos pais de denunciar a corrupção nas escolas, tornando-se por vezes cúmplices
dela.
CAPÍTULO II
REPENSANDO A EDUCAÇÃO
6. A Educação na Tradição Africana
Na
arte de educar, cada povo tem a sua própria maneira de proceder, em função dos
seus próprios conceitos, propósitos e objectivos. Na educação tradicional
africana há uma visão unitária, onde tudo está integrado. A Educação das novas
gerações devia ter em conta esta visão. A educação tradicional, muito
relacionada com a vida e para esta orientada, é dada obedecendo às fases de
crescimento do indivíduo, que nunca cessam ao longo de toda a sua vida. A
Educação tradicional é participada e exige o concurso de muitas categorias de
pessoas, dentro e fora da própria família, numa integração do indivíduo na
06
comunidade.
7.
O modelo de pessoa humana que queremos
construir em Moçambique
Cada
sociedade fixa, pela Educação, o modelo da Pessoa Humana que deseja ter, para a
reprodução, perpetuação e melhoramento dos valores que a caracterizam. Por isso
os Estados costumam legislar formalmente sobre a Educação.
Na
sociedade colonial, a Educação estava ligada à submissão dos indígenas, à
actividade mercantil e à obra missionária de evangelização. Esta visava a
assimilação da cultura portuguesa, a necessidade de instruir os cidadãos para
poderem aceder às exigências da modernidade. Já então, porém, em todo o
processo de colonização, o papel da Igreja foi preponderante, quer pela
qualidade do seu desempenho educativo e formativo em favor das populações
moçambicanas, quer pela qualidade ético-moral e religiosa, através dos quais se
desenvolveu a educação e a promoção sócio-cultural da população moçambicana.
Saído
do colonialismo, o País tem, agora, outros objectivos e horizontes a alcançar
na educação dos cidadãos. Com efeito, a Constituição da República de Moçambique
afirma taxativamente que a Educação constitui direito e dever de cada cidadão,
e que o Estado promove a extensão da Educação à formação profissional contínua
e à igualdade de acesso a todos os cidadãos no gozo deste direito (cfr. Constituição da República, art. 88 n. 1
e 2).
Esta
é uma visão nobre, que nos apraz saudar. Por isso, pedimos ao Estado que
invista mais na sua concretização, mormente no estabelecimento e
desenvolvimento de mais e multifacetadas escolas de Artes e Ofícios e
Institutos Médios e Politécnicos diversificados e adaptados ao meio onde se
07
encontrem
inseridos. Isto iria optimizar o aproveitamento de recursos locais pelas
populações circunvizinhas e ajudaria a fixar os jovens no campo, através de uma
formação e emprego condignos.
A
mesma Constituição prescreve uma estratégia de educação visando a unidade
nacional, a erradicação do analfabetismo, o domínio da ciência e da técnica,
bem como a formação moral e cívica dos cidadãos (cfr. Constituição da República, art. 113, nº. 1). Estes são valores
caros também aos cristãos, que nós, os Bispos Católicos de Moçambique,
publicamente apreciamos. Queremos, por isso, encorajar o Estado a que faça mais
e melhor, sobretudo no tocante à formação moral dos referidos cidadãos. Nesse
contexto a Igreja oferece a experiência que tem nesse campo, comprometendo-se a
respeitar a disposição constitucional que estatui que o ensino público não é
confessional (cfr. Constituição da
República, ib., 3). Encorajamos o Estado a saber resistir à introdução,
através da Educação, de anti-valores, que atentam contra a nossa cultura e
personalidade, mesmo quando nos são servidos sob a forma de “rebuçados”.
Para
além dos artigos da Constituição, importa considerar que o Povo Moçambicano é
detentor de uma cultura própria; cultura essa que o Sistema Nacional de
Educação deve veicular em todos os níveis de ensino e aprendizagem. Lembramos a
este respeito as palavras lapidares de um dos últimos Papas: “Confrange pensar
que muitos jovens (...) adquirem, certamente, uma formação de alta qualidade,
mas, com frequência, perdem, ao mesmo tempo, a estima dos valores espirituais
que, muitas vezes, eram tidos como património precioso nas civilizações que os
viram crescer” (Paulo VI, Populorum
Progressio, 68).
Por isso mesmo, tendo em conta que, na Educação, o centro de
08
toda
a actividade é a construção da Pessoa Humana em todas as suas dimensões, é
nosso dever lembrar que a Educação não deve ter por fim apresentar a Pessoa
Humana como um produto acabado, em função dos grandes interesses económicos,
segundo as leis do mercado. A Educação da Pessoa Humana deve respeitar valores
éticos, morais, culturais específicos e ser faseada, sem queimar etapas.
8. Visão cristã da Educação
Queremos
agora apresentar-vos a nossa perspectiva de Educação, sem sobrepor-nos ao
actual Sistema de Educação estabelecido na Constituição. Queremos, sim,
apresentar os valores que, segundo o Magistério da Igreja, Luz dos Povos e
Sacramento de Salvação da Humanidade, conduzirão a uma maior harmonia e sucesso
de todo o sistema educativo. Tais valores são:
·
A necessidade de um
desenvolvimento integral: “Se a procura do desenvolvimento pede um número cada
vez maior de técnicos, exige um número cada vez maior de sábios de reflexão
profunda, em busca de um humanismo novo que permita ao homem moderno o encontro
de si mesmo, assumindo os valores superiores do amor, da amizade, da oração e
da contemplação. Assim poderá realizar-se em plenitude o verdadeiro
desenvolvimento, que é, para todos e para cada um, a passagem de condições
menos humanas a condições mais humanas” (Paulo VI, Populorum Progressio, 20).
·
No processo de Educação,
respeitando embora a laicidade do Estado e o direito de escolha dos cidadãos,
há que se ter em conta a dimensão espiritual do indivíduo e da sociedade,
favorecer a sua realização, enquanto ser religioso e reservar
09
espaço
ao divino, pois, tal como no-lo ensinam os nossos antepassados, a Pessoa Humana
só se realiza plenamente na sua relação com o além, onde Deus realiza tudo em todos.
“É
necessário promover um humanismo total. Que é o desenvolvimento integral do
homem todo e de todos os homens. Poderia aparentemente triunfar um humanismo
limitado, fechado aos valores do espírito e a Deus, fonte do verdadeiro
humanismo. O homem pode organizar a terra sem Deus, mas ‘sem Deus só se pode
organizar contra o homem. Humanismo exclusivo é humanismo desumano’. Não há,
portanto, verdadeiro humanismo, senão aberto ao Absoluto, reconhecendo uma
vocação que exprime a ideia exacta do que é a vida humana. O homem, longe de
ser a norma última dos valores, só se pode realizar a si mesmo,
ultrapassando-se” (Paulo VI, Populorum
Progressio, 42).
·
Para um desenvolvimento
integral, urge uma formação integral que abarque todas as dimensões da pessoa,
não se devendo olhar só para aquilo que garante o diploma. Com efeito importa
que tal formação seja sistemática, gradual e contínua.
·
Para alcançar um
desenvolvimento integral, são precisos valores morais, sociais, culturais e
espirituais. Em suma, “precisamos de uma educação para o amor à verdade, à
lealdade, ao respeito por cada pessoa, ao sentido da justiça, à fidelidade à
palavra dada, à verdadeira compaixão, à coerência e, particularmente, para o
equilíbrio de juízos e comportamentos” (João Paulo II, Exortação Apostólica Pastores dabo vobis, 43).
·
Registamos com apreço o emergir
no País de uma consciência ecológica. Por falta de uma séria educação ecológica
também constatamos alguns desastres naturais: queimadas descontroladas, abate
indiscriminado de florestas,
10
erosão
de terras, assoreamento dos rios, poluição ambiental, pilhagem de recursos
minerais entre outros.
CAPÍTULO III
QUEM EDUCA EM MOÇAMBIQUE
9. Os vários agentes sociais
que contribuem na Educação
9.1 Os pais
“A
família é a primeira escola das virtudes sociais de que as sociedades têm
necessidade” (Gravissimum Educationis, 3; Gaudium et Spes, 61). Por direito natural e por direito positivo, os pais
são insubstituíveis na educação dos seus filhos, do mesmo modo que o são para a
sua geração. Juntamente com a “família alargada”, abrangendo toda a aldeia e
todos os adultos do clã, conforme a tradição africana, os
pais são, naturalmente, os primeiros responsáveis pela socialização básica dos
próprios filhos, devendo educá-los desde a tenra idade para o amor e para o
serviço gratuitos ao próximo, como valores supremos que dão sentido e dignidade
à própria vida. Por isso mesmo, sacrificando todos os outros interesses, os pais devem envidar os seus melhores esforços para
encontrarem o tempo necessário para estarem com os próprios filhos e com eles
formarem uma família sólida, capaz de garantir aquele espaço e aquele ambiente
necessários para a boa educação da prole.
9.2 O Estado
Depois
dos pais, o Estado tem a
grave obrigação moral de ajudar os pais e as famílias na educação dos seus
filhos. De nada serve ao Estado recriminar os pais e as famílias de educarem os
filhos, cidadãos da nação, se o mesmo não lhes oferece o necessário apoio
estrutural que só ele pode dar. Para
11
além da obrigação que o Estado tem de definir
os conteúdos educativos, promover a disseminação e a qualidade dos centros do
saber, deve oferecer também um modelo de educação, que não seja apenas uma mera instrução que enche
as cabeças das crianças, adolescentes e jovens de números e de letras, para
formar um homem aberto aos valores superiores do espírito, às virtudes morais e
sociais, ao amor à verdade, ao bem-comum e à justiça.
Por isso
apelamos ao Estado que cumpra melhor com o seu papel de garante da moralidade
pública e social nas escolas, dotando-as de mecanismos jurídico-legais e
jurídico-penais eficazes, para a monitoria, a inspecção, o estímulo e a
promoção do bem, assim como para o desencorajamento e a correcção do mal.
Outra
grande responsabilidade impende ainda sobre o Estado na alocação dos meios
materiais, financeiros e humanos atinentes ao sistema de Educação, seja por via
do Orçamento Geral do Estado, seja pela credenciação de entidades privadas,
particulares ou comunitárias, seja pela criação de incentivos fiscais e
administrativos que possam incrementar os níveis de educação do nosso Povo.
9.3 A escola
·
Após esta socialização
primária, vem a escola. É na escola onde, conjuntamente com os conhecimentos da
ciência e da tecnologia, devem ser ministrados os fundamentos da ética, da
moral, dos valores de espírito. “É necessário que, tendo em conta os progressos
da psicologia, pedagogia e didáctica, as crianças e os adolescentes sejam
ajudados, em ordem ao desenvolvimento harmónico das qualidades físicas, morais
e intelectuais, e à aquisição gradual dum sentido mais perfeito da
responsabilidade na própria vida, rectamente cultivada com esforço contínuo e
levada por diante numa educação
12
sexual
positiva e prudente, à medida que vão crescendo” (João Paulo II, Familiaris consortio, 37).
·
A riqueza da nossa tradição tem
ainda outra escola de formação das novas gerações, a escola dos Ritos de
Iniciação, nos quais o adolescente é integrado nos valores próprios da sua
identidade cultural. Apreciamos esta outra forma de socialização e reafirmamos
a sua importância que um educador moderno não deveria ignorar e muito menos
desprezar. Os agentes de Pastoral se inteirem bem no processo, tendo em vista a
sua evangelização.
·
A escola formal do Sistema
Nacional de Educação e a escola tradicional dos Ritos de Iniciação devem formar
cidadãos capazes de assegurar harmonia e crescimento a cada Comunidade.
·
A nível mais elevado, os
Estabelecimentos de Ensino Superior, as Universidades, Academias, Institutos
Politécnicos, Seminários, independentemente de serem públicos ou privados,
exercem sobre os educandos uma influência que ultrapassa o tempo da permanência
dos estudantes no seu seio. Importa, pois, que sejam dignos da sua
responsabilidade e que saibam escolher cuidadosamente os respectivos gestores,
docentes e investigadores, verdadeiramente comprometidos com o bem da Sociedade
no seu todo.
9.4 As Instituições Públicas
As
Instituições Públicas devem favorecer a formação dos cidadãos atravês das suas
numerosas agremiações – clubes, bairros, partidos políticos, aglomerações
diversas – participando activamente em projectos educativos, fornecendo-lhes
infra-estruturas e serviços.
13
9.5 As Confissões Religiosas
Todas
as Confissões Religiosas têm sabido contribuir na formação integral do homem
através de Instituições Educativas.
9.6 A Igreja
A
Igreja, pela sua natureza, é uma grande protagonista da Educação. Devemos
reflectir seriamente sobre o nosso papel na Educação das novas gerações. O
valor que muitos dos nossos anciãos ainda nutrem pelo ensino da Igreja no
passado, pode e deve ser reproduzido nos nossos dias, no quadro de uma Igreja
Local consolidada, na qual vários dos seus membros se encontram directamente
envolvidos em actividades de docência, investigação e direcção de estabelecimentos
de ensino. As escolas católicas devem ser coerentes com a sua identidade, assim
como os professores e os pais católicos, que até podem e devem constituir
associações e federações de especialidade.
9.7 Os Meios de Comunicação
Social
Os
Meios de Comunicação Social, bem usados, também são protagonistas da Educação,
enquanto veiculam notícias e projectos da Sociedade e, usando os potentes meios
audiovisuais, contribuem fortemente para a formação das consciências e da
opinião pública.
CONCLUSÃO
Ao
terminar, queremos reafirmar o nosso apreço pelo muito que se tem feito no
sector da Educação, desejando que se progrida mais. Em espírito de colaboração
com todas as forças envolvidas no processo de educação queremos deixar algumas
recomendações.
Aos
Pais e Professores: que desejem o melhor para os
seus
14
filhos
procurando a genuína transmissão de conhecimentos e de valores autênticos, que
façam dos seus filhos e alunos, orgulho de quem os forma. Comprometam-se a
erradicar a corrupção. Os pais não comprem notas, nem diplomas para os seus
filhos. Os professores não vendam notas, não assediem nem chantageiem
sexualmente os seus alunos e alunas. Transmitam com competência e exijam com
honestidade, estimem os seus estudantes, dignifiquem a sua profissão e esforcem-se
por preparar bem os homens e as mulheres de amanhã. Encorajamos os Pais e os
Professores a dialogarem uns com os outros, apreciando casos concretos e
discutindo passos para um melhor ambiente escolar. Aos Pais que enviam os seus
filhos para os Ritos de Iniciação, recomendamos que o façam a partir da
adolescência.
Aos
docentes e discentes: que se empenhem sincera e
fortemente em valores de organização e transparência, que façam da Escola algo
de interesse. Aos alunos, que sejam receptivos e honrem os seus compromissos,
respeitemos professores e os colegas, evitem qualquer tipo de descriminação e
tenham em vista aquilo que o País espera deles.
Ao
Estado: O Estado procure definir melhor a
personalidade moçambicana e a defenda da interferência de estranhos, que nos
querem despersonalizar e diluir. Que as reformas do Sistema do Ensino não visem
facilitar a aquisição do Diploma, deixando os indivíduos impreparados para
realizarem, na prática, as tarefas que lhes serão confiadas pela Sociedade. É
imperioso que o Estado crie ambientes propícios para a Educação Integral,
mormente no estabelecimento de atractivos para a carreira de docência, à luz do
qual sejam claras, transparentes e obrigatórias as regras de colocação,
transferência, progressão, promoção, bolsas de estudo. É da
15
sua
esfera de competência preparar uma Lei que defina as bases que devem reger os
vários segmentos de ensino, distinguindo as responsabilidades, a
complementaridade e o tratamento fiscal dos estabelecimentos de ensino público,
privado, particular e comunitário.
Às
Instituições públicas e à Sociedade em geral:
respeitem e ajudem os Professores e estimulem os alunos ao estudo. Participem
na vida dos estabelecimentos de ensino e não se demitam das suas
responsabilidades de garantir um ambiente salutar para uma boa educação.
Aos
Media: os operadores dos Meios de
Comunicação Social esforcem-se por evitar sensacionalismos baratos e, movidos
pela busca da verdade, informem sobre os aspectos positivos e êxitos de
experiências educativas. Divulguem os bons exemplos de docentes e discentes nos
sítios mais recônditos do País e saibam denunciar as situações injustas ainda
persistentes. Saibam estar à altura do seu papel de formadores de consciências
empenhando-se sempre em prol da verdade e da decência.
Aos
Cristãos em geral, aos Catequistas, aos Pais e Professores em particular:
apelamos a que não abdiquem da sua responsabilidade de educadores, alegando que
este é o sistema, que todos fazem assim... Que rezem pelos agentes de Educação,
os estimulem nas suas Comunidades, os acompanhem e acolham quando nelas são
colocados. Onde as houver, que as Comissões e Ministérios Pastorais de Educação
dialoguem com os responsáveis estatais do sector e os gestores dos
estabelecimentos de educação próximos, para perceber os seus anseios,
porventura minorar as suas dificuldades, em atitude de serviço e de abertura ao
próximo.
16
Implorando
a intercessão de Maria, Mãe de Deus, Mãe da Igreja e Sede de Sabedoria, a
todos, em especial aos agentes da Educação no nosso País, assegurando a nossa
oração e a disponibilidade para o diálogo, concedemos a nossa bênção.
Matola, 08 de Maio de 2011.
OS BISPOS CATÓLICOS DE MOÇAMBIQUE
+ Lúcio
Andrice Muandula, Bispo
de Xai-Xai e Presidente da CEM
+ Francisco
Chimoio, Arcebispo
de Maputo e Vice-Presidente da CEM
+ Ernesto
Maguengue, Bispo
de Pemba e Secretário Geral da CEM
+ Adriano
Langa, Bispo
de Inhambane e Vogal do Conselho Permanente da CEM
+ Jaime
Pedro Gonçalves, Arcebispo
da Beira e Vogal do Conselho Permanente da CEM
+ Alexandre,
Cardeal dos Santos, Arcebispo
Emérito de Maputo
+ Tomé
Makhweliha, Arcebispo
de Nampula
+ Francisco
João Silota, Bispo
de Chimoio
+ Germano
Grachane, Bispo
de Nacala
+ Hilário da
Cruz Massinga, Bispo
de Quelimane
+ Elio
Greselin, Bispo
de Lichinga
+ Francisco
Lerma Martinez, Bispo
de Guruè
+ Luís
Gonzaga Ferreira da Silva, Bispo
Emérito de Lichinga
+ Januário
Machaze Nhangumbe, Bispo
Emérito de Pemba
+ Paulo
Mandlate, Bispo
Emérito de Tete
+ Júlio
Duarte Langa, Bispo
Emérito de Xai-Xai
+ Bernardo
Filipe Governo, Bispo
Emérito de Quelimane
+ Manuel
Chuanguire Machado, Bispo
Emérito de Guruè
17
CONFERÊNCIA
EPISCOPAL DE MOÇAMBIQUE
Av.
Paulo Samuel Kankhomba, 188-1º
C.
P. 286 Tel. 21 49 07 66 Fax. 21 49 21 74
M A
P U T O – M O Ç A M B I Q U E
CARTA PASTORAL DOS BISPOS CATÓLICOS
ÀS
COMUNIDADES CRISTÃS E A
TODAS AS PESSOAS DE BOA
VONTADE
MAPUTO,
08 DE
MAIO DE 2011
|
Implorando
a intercessão de Maria, Mãe de Deus, Mãe da Igreja e Sede de Sabedoria, a
todos, em especial aos agentes da Educação no nosso País, assegurando a nossa
oração e a disponibilidade para o diálogo, concedemos a nossa bênção.
Matola, 08 de Maio de 2011.
OS BISPOS CATÓLICOS DE MOÇAMBIQUE
+ Lúcio
Andrice Muandula, Bispo
de Xai-Xai e Presidente da CEM
+ Francisco
Chimoio, Arcebispo
de Maputo e Vice-Presidente da CEM
+ Ernesto
Maguengue, Bispo
de Pemba e Secretário Geral da CEM
+ Adriano
Langa, Bispo
de Inhambane e Vogal do Conselho Permanente da CEM
+ Jaime
Pedro Gonçalves, Arcebispo
da Beira e Vogal do Conselho Permanente da CEM
+ Alexandre,
Cardeal dos Santos, Arcebispo
Emérito de Maputo
+ Tomé
Makhweliha, Arcebispo
de Nampula
+ Francisco
João Silota, Bispo
de Chimoio
+ Germano
Grachane, Bispo
de Nacala
+ Hilário da
Cruz Massinga, Bispo
de Quelimane
+ Elio
Greselin, Bispo
de Lichinga
+ Francisco
Lerma Martinez, Bispo
de Guruè
+ Luís
Gonzaga Ferreira da Silva, Bispo
Emérito de Lichinga
+ Januário
Machaze Nhangumbe, Bispo
Emérito de Pemba
+ Paulo
Mandlate, Bispo
Emérito de Tete
+ Júlio
Duarte Langa, Bispo
Emérito de Xai-Xai
+ Bernardo
Filipe Governo, Bispo
Emérito de Quelimane
+ Manuel
Chuanguire Machado, Bispo
Emérito de Guruè
17
sua
esfera de competência preparar uma Lei que defina as bases que devem reger os
vários segmentos de ensino, distinguindo as responsabilidades, a
complementaridade e o tratamento fiscal dos estabelecimentos de ensino público,
privado, particular e comunitário.
Às
Instituições públicas e à Sociedade em geral:
respeitem e ajudem os Professores e estimulem os alunos ao estudo. Participem
na vida dos estabelecimentos de ensino e não se demitam das suas
responsabilidades de garantir um ambiente salutar para uma boa educação.
Aos
Media: os operadores dos Meios de
Comunicação Social esforcem-se por evitar sensacionalismos baratos e, movidos
pela busca da verdade, informem sobre os aspectos positivos e êxitos de
experiências educativas. Divulguem os bons exemplos de docentes e discentes nos
sítios mais recônditos do País e saibam denunciar as situações injustas ainda
persistentes. Saibam estar à altura do seu papel de formadores de consciências
empenhando-se sempre em prol da verdade e da decência.
Aos
Cristãos em geral, aos Catequistas, aos Pais e Professores em particular:
apelamos a que não abdiquem da sua responsabilidade de educadores, alegando que
este é o sistema, que todos fazem assim... Que rezem pelos agentes de Educação,
os estimulem nas suas Comunidades, os acompanhem e acolham quando nelas são
colocados. Onde as houver, que as Comissões e Ministérios Pastorais de Educação
dialoguem com os responsáveis estatais do sector e os gestores dos
estabelecimentos de educação próximos, para perceber os seus anseios,
porventura minorar as suas dificuldades, em atitude de serviço e de abertura ao
próximo.
16
REPENSAR A EDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE
Carta Pastoral dos Bispos Católicos
Às Comunidades Cristãs e a Todas as Pessoas de Boa Vontade
A
graça e a paz de Deus, nosso Pai e de Jesus Cristo, Nosso Senhor, estejam
convosco (2 Cor 13, 13).
Reunidos
em Assembleia Plenária, de 03 a 08 de Maio de 2011, no Seminário Filosófico
Interdiocesano de Santo Agostinho da Matola, nós, os Bispos Católicos de
Moçambique, como Pastores a quem o Espírito Santo confiou a Igreja Local do
nosso País (Act 20, 28), depois de
vários contactos, profunda observação, reflexão, debate e oração, decidimos
escrever-vos a presente Carta Pastoral. Queremos partilhar convosco a nossa
apreciação, esperanças e anseios no concernente à actual situação da Educação
no nosso País. Sabemos que este tema a todos nos preocupa, nos nossos dias: aos
pais, aos alunos, aos professores, aos panificadores, aos gestores e aos governantes,
aos diferentes extractos da Sociedade Civil, incluindo os agentes de pastoral.
Daí a pertinência de uma palavra da nossa parte.
INTRODUÇÃO
1. Porquê falar da Educação em Moçambique?
Ao
fazê-lo não lavramos em terreno alheio, pois, como diz o Concílio Vaticano II:
“As alegrias e as esperanças, as tristezas e
angústias
dos homens do nosso tempo são também as alegrias e as esperanças, as tristezas
e as angústias dos discípulos de Cristo, pois nada existe de verdadeiramente
humano que não encontre eco em seu coração” (Gaudium et Spes, 1). Motivado por esta convicção, o mesmo Concílio
aprovou a Declaração Gravissimum
Educationis, na qual aborda, para além do caso específico da Educação
Cristã, as balizas de todo o sistema de Educação verdadeiramente humano.
O
munus de educar e ensinar foi
confiado à Igreja por seu Fundador Jesus Cristo aquando do envio missionário:
“Ide, pois, fazei discípulos de todos os Povos” (Mt 28, 19). Tal tarefa, foi assumida pela Igreja desde os alvores
do Ministério Apostólico e é ilustrada no episódio da conversão do eunuco
etíope, um homem letrado, de elevada posição social e política que o diácono
Filipe baptiza (Cfr. Act 8, 26-34).
Olhando para a nossa História,
verificamos que a experiência educativa do nosso Povo passou por diferentes
sistemas. Nos últimos 48 anos o Povo moçambicano experimentou, sucessivamente a
etapa da Educação enquanto parte integrante da Luta pela Independência
Nacional, quando a palavra de ordem era “Produzir, combater e aprender”. Então,
era necessário preparar o Homem moçambicano para assumir os destinos do País.
Foi nesse contexto que foram surgindo os Centros Piloto e as escolas das Zonas
Libertadas, o Centro Educacional de Tunduru e o Instituto Moçambicano.
Contemporaneamente, dezenas de moçambicanos beneficiaram de bolsas de estudo no
exterior.
Com
a proclamação da Independência Nacional, o Governo colocou a Educação no centro
das prioridades, nacionalizou e monopolizou o exercício das actividades
educativas. Pretendia-
02
filhos
procurando a genuína transmissão de conhecimentos e de valores autênticos, que
façam dos seus filhos e alunos, orgulho de quem os forma. Comprometam-se a
erradicar a corrupção. Os pais não comprem notas, nem diplomas para os seus
filhos. Os professores não vendam notas, não assediem nem chantageiem
sexualmente os seus alunos e alunas. Transmitam com competência e exijam com
honestidade, estimem os seus estudantes, dignifiquem a sua profissão e
esforcem-se por preparar bem os homens e as mulheres de amanhã. Encorajamos os
Pais e os Professores a dialogarem uns com os outros, apreciando casos
concretos e discutindo passos para um melhor ambiente escolar. Aos Pais que
enviam os seus filhos para os Ritos de Iniciação, recomendamos que o façam a
partir da adolescência.
Aos
docentes e discentes: que se empenhem sincera e
fortemente em valores de organização e transparência, que façam da Escola algo
de interesse. Aos alunos, que sejam receptivos e honrem os seus compromissos,
respeitemos professores e os colegas, evitem qualquer tipo de descriminação e
tenham em vista aquilo que o País espera deles.
Ao
Estado: O Estado procure definir melhor a
personalidade moçambicana e a defenda da interferência de estranhos, que nos
querem despersonalizar e diluir. Que as reformas do Sistema do Ensino não visem
facilitar a aquisição do Diploma, deixando os indivíduos impreparados para
realizarem, na prática, as tarefas que lhes serão confiadas pela Sociedade. É
imperioso que o Estado crie ambientes propícios para a Educação Integral, mormente
no estabelecimento de atractivos para a carreira de docência, à luz do qual
sejam claras, transparentes e obrigatórias as regras de colocação,
transferência, progressão, promoção, bolsas de estudo. É da
15
9.5 As Confissões Religiosas
Todas
as Confissões Religiosas têm sabido contribuir na formação integral do homem
através de Instituições Educativas.
9.6 A Igreja
A
Igreja, pela sua natureza, é uma grande protagonista da Educação. Devemos
reflectir seriamente sobre o nosso papel na Educação das novas gerações. O
valor que muitos dos nossos anciãos ainda nutrem pelo ensino da Igreja no
passado, pode e deve ser reproduzido nos nossos dias, no quadro de uma Igreja
Local consolidada, na qual vários dos seus membros se encontram directamente
envolvidos em actividades de docência, investigação e direcção de
estabelecimentos de ensino. As escolas católicas devem ser coerentes com a sua
identidade, assim como os professores e os pais católicos, que até podem e
devem constituir associações e federações de especialidade.
9.7 Os Meios de Comunicação
Social
Os
Meios de Comunicação Social, bem usados, também são protagonistas da Educação,
enquanto veiculam notícias e projectos da Sociedade e, usando os potentes meios
audiovisuais, contribuem fortemente para a formação das consciências e da
opinião pública.
CONCLUSÃO
Ao
terminar, queremos reafirmar o nosso apreço pelo muito que se tem feito no
sector da Educação, desejando que se progrida mais. Em espírito de colaboração
com todas as forças envolvidas no processo de educação queremos deixar algumas
recomendações.
Aos
Pais e Professores: que desejem o melhor para os
seus
14
se
então formar o “Homem Novo”, revolucionário, de ideologia
científica, socialista,
materialista. Este projecto foi fortemente afectado pela Guerra dos 16 anos e,
mais ainda, pela queda do Muro de Berlim, seguido do desmoronar do mundo
socialista do Leste Europeu, e definitivamente enterrado aquando do advento da
democracia multipartidária e da liberalização da Economia no País. E, quando perante
estas realidades, sem ainda se ter discutido internamente o novo modelo para o
sector, surge a ONU com o programa “Educação para todos até 2015”, no âmbito
dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Todos se pronunciam sobre a
Educação, todos se interrogam, discutem e opinam sobre ela. É na vontade de
intervir neste cenário que surge a presente Carta Pastoral.
2. O valor da Educação em geral e para Moçambique
O
conceito “Sistema de Educação” pode ser expresso de várias formas. Mas nós o
entendemos como um sistema coordenado de acções, de conhecimentos técnicos e
valores orientados para a inserção da Pessoa Humana na sociedade em que vive.
Daqui resulta a importância da Educação, pois é a partir dela que a sociedade
assegura a sobrevivência dos seus valores culturais, éticos e morais.
Com
a Educação se asseguram o progresso, o desenvolvimento e o bem-estar. Na
presente fase da vida nacional, precisamos, em Moçambique, de uma Educação, sã
e equilibrada, capaz de formar pessoas esclarecidas e comprometidas com o bem
comum.
CAPÍTULO I
SITUAÇÃO DA EDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE
3. Aspectos positivos da Educação em Moçambique
03
·
No âmbito da aplicação dos
Objectivos do Milénio,
Moçambique fez um grande esforço para construir
escolas e salas de aula. A Igreja não tem estado alheia a este processo e vem
contribuindo de maneira significativa nesta tarefa.
·
A escolaridade obrigatória e
gratuita até à 7ª classe, bem como a distribuição, também gratuita, do livro
escolar, como maneira de garantir a todos os moçambicanos o direito
constitucional à educação, é outra meta digna de ser sublinhada.
·
A iniciativa da introdução das
línguas maternas no ensino formal é outro facto meritório a ser considerado,
não obstante a complexidade da sua aplicação prática.
·
O Acordo celebrado no passado
entre a Conferência Episcopal de Moçambique e o Ministério da Educação, que
reconhece o ensino das instituições da Igreja, mostra o interesse de ambas as
partes em trabalharem eficazmente neste campo da Educação.
·
A expansão do ensino superior
ao longo de todo o território nacional é outro aspecto a ressaltar, bem como o
desejo de se profissionalizar o ensino secundário, e a reforma da Educação
Profissional.
·
Não menos digna de louvor é a
existência de lares estudantis para os alunos sem família nas localidades onde
estudam.
4. Aspectos negativos no processo de Educação,
hoje, em Moçambique
·
É indiscutível o baixo nível do
ensino no nosso País, denunciado pela sociedade. Porém, enquanto o fenómeno
persistir, nunca será demais dizê-lo: muitos são os alunos que terminam o
ensino básico sem saberem ler nem escrever, até
04
sexual
positiva e prudente, à medida que vão crescendo” (João Paulo II, Familiaris consortio, 37).
·
A riqueza da nossa tradição tem
ainda outra escola de formação das novas gerações, a escola dos Ritos de
Iniciação, nos quais o adolescente é integrado nos valores próprios da sua
identidade cultural. Apreciamos esta outra forma de socialização e reafirmamos
a sua importância que um educador moderno não deveria ignorar e muito menos
desprezar. Os agentes de Pastoral se inteirem bem no processo, tendo em vista a
sua evangelização.
·
A escola formal do Sistema
Nacional de Educação e a escola tradicional dos Ritos de Iniciação devem formar
cidadãos capazes de assegurar harmonia e crescimento a cada Comunidade.
·
A nível mais elevado, os
Estabelecimentos de Ensino Superior, as Universidades, Academias, Institutos
Politécnicos, Seminários, independentemente de serem públicos ou privados,
exercem sobre os educandos uma influência que ultrapassa o tempo da permanência
dos estudantes no seu seio. Importa, pois, que sejam dignos da sua
responsabilidade e que saibam escolher cuidadosamente os respectivos gestores,
docentes e investigadores, verdadeiramente comprometidos com o bem da Sociedade
no seu todo.
9.4 As Instituições Públicas
As
Instituições Públicas devem favorecer a formação dos cidadãos atravês das suas
numerosas agremiações – clubes, bairros, partidos políticos, aglomerações
diversas – participando activamente em projectos educativos, fornecendo-lhes
infra-estruturas e serviços.
13
além da obrigação que o Estado tem de definir
os conteúdos educativos, promover a disseminação e a qualidade dos centros do
saber, deve oferecer também um modelo de educação, que não seja apenas uma mera instrução que enche
as cabeças das crianças, adolescentes e jovens de números e de letras, para
formar um homem aberto aos valores superiores do espírito, às virtudes morais e
sociais, ao amor à verdade, ao bem-comum e à justiça.
Por isso
apelamos ao Estado que cumpra melhor com o seu papel de garante da moralidade
pública e social nas escolas, dotando-as de mecanismos jurídico-legais e
jurídico-penais eficazes, para a monitoria, a inspecção, o estímulo e a
promoção do bem, assim como para o desencorajamento e a correcção do mal.
Outra
grande responsabilidade impende ainda sobre o Estado na alocação dos meios
materiais, financeiros e humanos atinentes ao sistema de Educação, seja por via
do Orçamento Geral do Estado, seja pela credenciação de entidades privadas,
particulares ou comunitárias, seja pela criação de incentivos fiscais e
administrativos que possam incrementar os níveis de educação do nosso Povo.
9.3 A escola
·
Após esta socialização
primária, vem a escola. É na escola onde, conjuntamente com os conhecimentos da
ciência e da tecnologia, devem ser ministrados os fundamentos da ética, da
moral, dos valores de espírito. “É necessário que, tendo em conta os progressos
da psicologia, pedagogia e didáctica, as crianças e os adolescentes sejam ajudados,
em ordem ao desenvolvimento harmónico das qualidades físicas, morais e
intelectuais, e à aquisição gradual dum sentido mais perfeito da
responsabilidade na própria vida, rectamente cultivada com esforço contínuo e
levada por diante numa educação
12
o
próprio nome.
·
A corrupção generalizada nos
diferentes níveis de ensino, quer a nível de extorsão pecuniária, quer nas
formas ainda mais degradantes, quais o assédio e a chantagem sexuais, é uma
realidade muito grave e mina os valores fundamentais da Educação.
·
Perante a necessidade sempre
crescente de professores, vemos ganharem espaço, na sua contratação, atitudes
de clientelismo partidário e de favoritismo baseado em amizade e outros
factores de manifesta descriminação.
·
A falta de disciplina e de
ética na maioria dos estabelecimentos de ensino torna o processo educativo uma
mera instrução, esquecendo a formação integral da Pessoa Humana.
·
Muitos estudantes que terminam
o ensino básico não encontram enquadramento para os níveis seguintes, por falta
de estruturas escolares. Outros são encaminhados para turmas superlotadas ou,
ainda em tenra idade, para o ensino nocturno, com todas as implicações de
saúde, segurança e moral daí decorrentes.
·
No tocante à própria gestão dos
sistemas de ensino, verifica-se, muitas vezes, a falta de responsáveis
(directores e adjuntos pedagógicos) com competências para fazer a planificação,
monitoria e avaliação de todo o processo educativo. Daqui resulta a inexistente
ou deficiente programação das actividades educativas.
·
A grande falta de bibliotecas,
o pobre apetrechamento das existentes, bem como a falta de professores bem
preparados.
5.
Aspectos problemáticos na Educação, hoje,
em Moçambique
05
·
É inegável a constante
introdução de contínuas, e muitas vezes inconsistentes e mal digeridas,
reformas do ensino. Tudo leva a crer que as mesmas, se destinam antes a
obedecer a esquemas impostos de fora, da parte de parceiros de desenvolvimento,
do que ter em conta o tipo de Pessoa Moçambicana, a sua cultura e a sua
realidade.
·
Isto mesmo se nota também na
contínua mudança no modelo de formação de professores.
·
Não menos preocupante é a
prática de passagens automáticas e administrativas. Com tal procedimento
engana-se o aluno atribuindo-lhe um título que não merece.
·
A distância relacional entre
pais e professores e o fraco acompanhamento do processo de educação dos filhos
pelos pais.
·
Grave é ainda a incapacidade
dos pais de denunciar a corrupção nas escolas, tornando-se por vezes cúmplices
dela.
CAPÍTULO II
REPENSANDO A EDUCAÇÃO
6. A Educação na Tradição Africana
Na
arte de educar, cada povo tem a sua própria maneira de proceder, em função dos
seus próprios conceitos, propósitos e objectivos. Na educação tradicional
africana há uma visão unitária, onde tudo está integrado. A Educação das novas
gerações devia ter em conta esta visão. A educação tradicional, muito
relacionada com a vida e para esta orientada, é dada obedecendo às fases de
crescimento do indivíduo, que nunca cessam ao longo de toda a sua vida. A
Educação tradicional é participada e exige o concurso de muitas categorias de
pessoas, dentro e fora da própria família, numa integração do indivíduo na
06
erosão
de terras, assoreamento dos rios, poluição ambiental, pilhagem de recursos
minerais entre outros.
CAPÍTULO III
QUEM EDUCA EM MOÇAMBIQUE
9. Os vários agentes sociais
que contribuem na Educação
9.1 Os pais
“A
família é a primeira escola das virtudes sociais de que as sociedades têm
necessidade” (Gravissimum Educationis, 3; Gaudium et Spes, 61). Por direito natural e por direito positivo, os pais
são insubstituíveis na educação dos seus filhos, do mesmo modo que o são para a
sua geração. Juntamente com a “família alargada”, abrangendo toda a aldeia e
todos os adultos do clã, conforme a tradição africana, os
pais são, naturalmente, os primeiros responsáveis pela socialização básica dos
próprios filhos, devendo educá-los desde a tenra idade para o amor e para o
serviço gratuitos ao próximo, como valores supremos que dão sentido e dignidade
à própria vida. Por isso mesmo, sacrificando todos os outros interesses, os pais devem envidar os seus melhores esforços para
encontrarem o tempo necessário para estarem com os próprios filhos e com eles
formarem uma família sólida, capaz de garantir aquele espaço e aquele ambiente
necessários para a boa educação da prole.
9.2 O Estado
Depois
dos pais, o Estado tem a
grave obrigação moral de ajudar os pais e as famílias na educação dos seus
filhos. De nada serve ao Estado recriminar os pais e as famílias de educarem os
filhos, cidadãos da nação, se o mesmo não lhes oferece o necessário apoio
estrutural que só ele pode dar. Para
11
espaço
ao divino, pois, tal como no-lo ensinam os nossos antepassados, a Pessoa Humana
só se realiza plenamente na sua relação com o além, onde Deus realiza tudo em
todos.
“É
necessário promover um humanismo total. Que é o desenvolvimento integral do
homem todo e de todos os homens. Poderia aparentemente triunfar um humanismo
limitado, fechado aos valores do espírito e a Deus, fonte do verdadeiro
humanismo. O homem pode organizar a terra sem Deus, mas ‘sem Deus só se pode
organizar contra o homem. Humanismo exclusivo é humanismo desumano’. Não há,
portanto, verdadeiro humanismo, senão aberto ao Absoluto, reconhecendo uma
vocação que exprime a ideia exacta do que é a vida humana. O homem, longe de
ser a norma última dos valores, só se pode realizar a si mesmo,
ultrapassando-se” (Paulo VI, Populorum
Progressio, 42).
·
Para um desenvolvimento
integral, urge uma formação integral que abarque todas as dimensões da pessoa,
não se devendo olhar só para aquilo que garante o diploma. Com efeito importa
que tal formação seja sistemática, gradual e contínua.
·
Para alcançar um
desenvolvimento integral, são precisos valores morais, sociais, culturais e
espirituais. Em suma, “precisamos de uma educação para o amor à verdade, à
lealdade, ao respeito por cada pessoa, ao sentido da justiça, à fidelidade à
palavra dada, à verdadeira compaixão, à coerência e, particularmente, para o
equilíbrio de juízos e comportamentos” (João Paulo II, Exortação Apostólica Pastores dabo vobis, 43).
·
Registamos com apreço o emergir
no País de uma consciência ecológica. Por falta de uma séria educação ecológica
também constatamos alguns desastres naturais: queimadas descontroladas, abate
indiscriminado de florestas,
10
comunidade.
7.
O modelo de pessoa humana que queremos
construir em Moçambique
Cada
sociedade fixa, pela Educação, o modelo da Pessoa Humana que deseja ter, para a
reprodução, perpetuação e melhoramento dos valores que a caracterizam. Por isso
os Estados costumam legislar formalmente sobre a Educação.
Na
sociedade colonial, a Educação estava ligada à submissão dos indígenas, à
actividade mercantil e à obra missionária de evangelização. Esta visava a
assimilação da cultura portuguesa, a necessidade de instruir os cidadãos para
poderem aceder às exigências da modernidade. Já então, porém, em todo o
processo de colonização, o papel da Igreja foi preponderante, quer pela
qualidade do seu desempenho educativo e formativo em favor das populações
moçambicanas, quer pela qualidade ético-moral e religiosa, através dos quais se
desenvolveu a educação e a promoção sócio-cultural da população moçambicana.
Saído
do colonialismo, o País tem, agora, outros objectivos e horizontes a alcançar
na educação dos cidadãos. Com efeito, a Constituição da República de Moçambique
afirma taxativamente que a Educação constitui direito e dever de cada cidadão,
e que o Estado promove a extensão da Educação à formação profissional contínua
e à igualdade de acesso a todos os cidadãos no gozo deste direito (cfr. Constituição da República, art. 88 n. 1
e 2).
Esta
é uma visão nobre, que nos apraz saudar. Por isso, pedimos ao Estado que
invista mais na sua concretização, mormente no estabelecimento e
desenvolvimento de mais e multifacetadas escolas de Artes e Ofícios e
Institutos Médios e Politécnicos diversificados e adaptados ao meio onde se
07
encontrem
inseridos. Isto iria optimizar o aproveitamento de recursos locais pelas
populações circunvizinhas e ajudaria a fixar os jovens no campo, através de uma
formação e emprego condignos.
A
mesma Constituição prescreve uma estratégia de educação visando a unidade
nacional, a erradicação do analfabetismo, o domínio da ciência e da técnica,
bem como a formação moral e cívica dos cidadãos (cfr. Constituição da República, art. 113, nº. 1). Estes são valores
caros também aos cristãos, que nós, os Bispos Católicos de Moçambique,
publicamente apreciamos. Queremos, por isso, encorajar o Estado a que faça mais
e melhor, sobretudo no tocante à formação moral dos referidos cidadãos. Nesse
contexto a Igreja oferece a experiência que tem nesse campo, comprometendo-se a
respeitar a disposição constitucional que estatui que o ensino público não é
confessional (cfr. Constituição da
República, ib., 3). Encorajamos o Estado a saber resistir à introdução,
através da Educação, de anti-valores, que atentam contra a nossa cultura e
personalidade, mesmo quando nos são servidos sob a forma de “rebuçados”.
Para
além dos artigos da Constituição, importa considerar que o Povo Moçambicano é
detentor de uma cultura própria; cultura essa que o Sistema Nacional de
Educação deve veicular em todos os níveis de ensino e aprendizagem. Lembramos a
este respeito as palavras lapidares de um dos últimos Papas: “Confrange pensar
que muitos jovens (...) adquirem, certamente, uma formação de alta qualidade,
mas, com frequência, perdem, ao mesmo tempo, a estima dos valores espirituais
que, muitas vezes, eram tidos como património precioso nas civilizações que os
viram crescer” (Paulo VI, Populorum
Progressio, 68).
Por isso mesmo, tendo em conta que, na Educação, o centro de
08
toda
a actividade é a construção da Pessoa Humana em todas as suas dimensões, é
nosso dever lembrar que a Educação não deve ter por fim apresentar a Pessoa
Humana como um produto acabado, em função dos grandes interesses económicos,
segundo as leis do mercado. A Educação da Pessoa Humana deve respeitar valores
éticos, morais, culturais específicos e ser faseada, sem queimar etapas.
8. Visão cristã da Educação
Queremos
agora apresentar-vos a nossa perspectiva de Educação, sem sobrepor-nos ao
actual Sistema de Educação estabelecido na Constituição. Queremos, sim,
apresentar os valores que, segundo o Magistério da Igreja, Luz dos Povos e
Sacramento de Salvação da Humanidade, conduzirão a uma maior harmonia e sucesso
de todo o sistema educativo. Tais valores são:
·
A necessidade de um
desenvolvimento integral: “Se a procura do desenvolvimento pede um número cada
vez maior de técnicos, exige um número cada vez maior de sábios de reflexão
profunda, em busca de um humanismo novo que permita ao homem moderno o encontro
de si mesmo, assumindo os valores superiores do amor, da amizade, da oração e
da contemplação. Assim poderá realizar-se em plenitude o verdadeiro
desenvolvimento, que é, para todos e para cada um, a passagem de condições
menos humanas a condições mais humanas” (Paulo VI, Populorum Progressio, 20).
·
No processo de Educação,
respeitando embora a laicidade do Estado e o direito de escolha dos cidadãos,
há que se ter em conta a dimensão espiritual do indivíduo e da sociedade,
favorecer a sua realização, enquanto ser religioso e reservar
09
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