domingo, 12 de maio de 2013

Não há democracia que se construa com instituições mafiosas

 

O imbróglio que o “caso Leopoldo da Costa” suscitou é muito mais  grave do que ele próprio. É muito mais grave do que sabermos agora todos que Leopoldo da Costa se presta a tão ignóbeis papéis, se bem que antes ele já tivesse a sua idoneidade muito de rastos pelo que andou a fazer na direcção de processos eleitorais até aqui realizados sob sua alçada.
É grave porque o caso envolve um conjunto de pessoas a nível nacional que a ONP já veio dizer que não as propôs para fazerem parte de qualquer órgão eleitoral, porque nem sequer apresentou candidatos tanto a nível central, como aos níveis das comissões provinciais e distritais, se bem que a esses níveis se continue também a insistir em dar posse a gente que nem sequer foi proposta nos termos da lei porque o alegado proponente já veio dizer que não propôs ninguém.
Envolver em exercícios de desonestidade pura e trapalhadas que comprometem o bom nome de pessoas que têm a seu cargo no dia--a-dia a formação de moçambicanos – os professores – é também grave. É desrespeitar aqueles que educam os nossos filhos. É ofender os nossos próprios filhos.
É grave a tremenda machadada na credibilidade da Assembleia da República, que continua a querer legitimar um alegado candidato que depois da presidente da ONP já ter escrito e dito que não foi sequer proposto pela sua organização, insiste e acaba por se revelar um órgão sem qualquer legitimidade para continuar a pretender representar os moçambicanos ao mais alto nível da soberania nacional. Num país normal seria dissolvida, mas como aqui o chefe do golpe tem as mãos amarradas por ele próprio, o Estado vai continuar amordaçado.
Mas todo este enredo mostra igualmente a que papéis o partido Frelimo, entanto que partido no poder, relegou instituições sérias de quem se esperava alguma credibilidade. Salvou-se a ONP que foi a tempo de distanciar-se de tamanha sujeira e tomar uma posição firme em nome da verdade e da credibilidade da classe de educadores. Não se deixou levar para a fossa.
Temos quase que total convicção de que as individualidades que se foram candidatar em nome da ONP não o fizeram por decisão singular e própria. Fizeram-no em cumprimento de uma decisão de caris partidária, proveniente de um partido que tem plena consciência de que, em eleições limpas e sérias, pode ser humilhado nas urnas.
Um partido que sabe que está a desgovernar o suficiente para que os moçambicanos estejam enojados com qualquer um dos candidatos que for proposto por esse mesmo partido, faz coisas destas. Esquece-se, contudo, que a mentira tem pernas curtas.
Com isto o partido Frelimo, se já era pouco credível, acabou com a réstia de credibilidade que alguns no seu seio ainda lhe conseguiam assegurar. Perdeu qualquer legitimidade como instituição política séria.
Ninguém mais acredita na Frelimo, se não os que nele estão montados a subverter o Estado para encherem os seus próprios bolsos.
No “caso Leopoldo da Costa” e de outros a nível nacional que fazem parte da grande fraude, fica claro que o partido Frelimo está a agir não só com má-fé como também em desespero de causa. É que não se compreende o facto de um órgão, como uma Assembleia da República – onde a Frelimo tem maioria qualificada, ainda que duvidosa – se submeta a um exercício tão sujo quanto legitimar e exaltar um comprovado caso de falsificação de assinaturas. Não se compreende que uma Comissão da Assuntos Constitucionais e de Legalidade delibere a favor da inconstitucionalidade e da ilegalidade.
Ou seja, temos instituições a agir em contra corrente com o seu propósito legal. Não há, o mais elementar respeito que se possa ter a uma Assembleia da República que se deixa usar para legitimar burlões e mafiosos a favor de patrões de comprovada conduta ilegal.
Mas tudo isto tem o condão de deixar claro de que lado a Frelimo hoje investe e joga.
Os moçambicanos estão atentos e até os mais incautos já conseguem ver que afinal colocaram seus destinos em mãos de gente manifestamente desonesta. É que o partido Frelimo tornou-se num antro da mais refinada máfia. Onde tudo é golpada sem o mínimo de pudor.
Quando gente da própria Frelimo vêm dizer-nos que afinal todo este processo de selecção dos membros da sociedade civil à CNE não passa de uma “fantochada” e que os que vão acabar por ser indicados já foram pré escolhidos e têm todos inclinação para o Vermelhão, é caso para se recomendar cuidados psiquiátricos aos líderes deste partido que se presta a tão baixo jogo. Mas não só, mostra também que a bolha de insatisfação não inflamou só cá fora. Também lá dentro há pessoas que já não suportam tanta desonestidade e vêem-se na contingência de se desfazer da banda podre.
Não há democracia que se construa com gente cujo pensamento repousa na máfia, na burla e na má-fé.
É impossível construir uma República colocando à frente desta, peritos em jogadas de baixo nível e impróprios de um Estado sério.
A democracia não se compadece com a instrumentalização de pessoas e instituições.
A democracia não se resume à colocação de votos nas urnas, mas a um estado geral de coisas que passa em primeiro lugar pela credibilidade das instituições.
Não podemos continuar a tolerar gente reles, gente do mais baixo calibre que se pode imaginar.
Se antes pensávamos que o Estado está tomado por bandidos, agora temos simplesmente a certeza.
E temos inclusivamente necessidade de chamar ao fecho deste nosso editorial o escritor checo Milan Kundera, in “A insustentável leveza do ser”, quando afirma: “Os regimes criminosos não foram feitos por criminosos mas por entusiastas convencidos de terem descoberto o único caminho para o paraíso. Defendiam corajosamente esse caminho, executando, por isso, centenas de pessoas. Mais tarde ficou claro como o dia que o paraíso não existia e que, portanto, os entusiastas eram assassinos”.
Canal de Moçambique – 08.05.2013

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