segunda-feira, 6 de maio de 2013

MEMÓRIAS DE UM REBELDE, de António Disse Zengazenga(10)

MEMÓRIAS DE UM REBELDE, de António Disse Zengazenga(10)

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É aqui onde se revela pela primeira vez no movimento de libertação o problema entre changane ndawe e changane tsonga. É aqui que o grupo de Gwambe se opõe instintivamente à possível liderança de Uria Simango, um changane ndawe.
O grupo de Gwambe era maioritariamente dominado por changanes tsonga. É aqui que nasce o problema de Mondlane.
Eu e Mahlayeye decidimos escrever a um outro mutsonga, Mondlane, com o pensamento de que mesmo que ele não viesse a ser líder do movimento de libertação, pelo menos viesse a participar na integração dos movimentos.
Então, uma carta em tsonga é escrita a Eduardo Mondlane por nós, convidando-o a vir a Dar-es-Salaam para assistir à cerimónia de integração dos três movimentos, marcada para o dia 23 de Junho. Não posso esconder isto. Escrevemos em tsonga para ele compreender melhor o nosso pensamento. Porque queríamos que ele entendesse a essência cultural do problema que lhe colocávamos. Tratava-se da afirmação de um grupo sobre o outro. Tratava-se de luta pelo poder. É o mesmo conflito que houve séculos atrás entre os filhos de Soshangane, Ndawe e Tsonga, e que deram origem aos ndaus e tsongas, sendo ambos os grupos filhos de Soshangane.
Esta era a essência da nossa mensagem, partindo do princípio histórico do relacionamento entre o tsonga e o ndau.» Mondlane, tendo pesado as implicações da sua recusa ou aceitação da liderança do movimento libertador, optou pela aceitação. Como as razões da carta eram tribais e de complexo de inferioridade intelectual (pois apesar de serem a maioria, eram semi-intelectuais), o pior inimigo de Mondlane já não era Uria Simango, porque este não era dirigente nenhum, mas Adelino Gwambe.
Exilado em Gana, sem saudades de Mondlane, aconselhou os seus adeptos em Dar-es-Salaam a votar por Uria Simango entre Eduardo Mondlane, Paulo Gumane, Michinji Mmole e Mallinga Millinga. Feitas as eleições, Mondlane ganhou a presidência, Uria Simango a vice-presidência e o resto foi nomeado para postos inferiores. Em Agosto foram expulsos da Frelimo Mmole e Millinga e em Janeiro de 1963 Mahlayeye, Mahluza, Gumane e Mabunda. Assim, os principais forjadores da união desapareceram da cena política da Frelimo.
Sobre o tribalismo e a unidade da nação moçambicana falei muito neste mesmo livro e demonstrei que o tribalismo roía os fundamentos da unidade. Cabe à Assembleia da República fazer leis que acabem com ele, se ela quiser a unidade dos povos de Moçambique, unidos num Moçambique igual para todos.
4) A reunião de Maio
Como vimos, as reuniões realizadas em Dar-es-Salaam na presença de protectores estrangeiros não conduziram a nenhum resultado. Por isso, as autoridades ganesas enviaram mais uma vez bilhetes à Udenamo para que fosse assistir à reunião de All Freedom Fighters Conference ( Conferência dos Combatentes pela Liberdade).
Conforme Khamba e Mahluza, quando esses foram recebidos, a Udenamo propôs à Manu que, no foro externo, formassem uma só delegação, o que aconteceu.
Uma vez em Gana, a delegação da Udenamo, composta por Adelino Gwambe, Calvino Mahlayeye, Fanuel Mahluza e Marcelino dos Santos, e a da Manu, que incluía Mathew Mmole, Lawrence Millinga, Samuli Diankali e Daúd Atupale Abdala, continuaram com as conversações interrompidas em Fevereiro.
O acordo de intenção de se fundar uma frente foi assinado em Winneba, lugar da conferência, onde estava a Escola Ideológica de Nkrumanismo, no dia 25 de Maio de 1962, marcando para a eleição do conselho supremo do novo partido o dia 25 de Junho de 1962. Este chamar-se-ia Frente de Libertação deMoçambique (Frelimo). O acordo foi publicado no dia seguinte, com grande surpresa dos governos de Tanganica e Quénia, que se viram ignorados.
Por isso, como a ideia de união entre os três partidos, a ideologia, os estatutos, planos, estratégias não provieram de Mondlane, nem este esteve presente nas discussões decorridas em Gana para a fundação da Frelimo, não se lhe deve atribuir a criação da Frente de Libertação de Moçambique.
A quem se deve atribuir, então, a fundação da Frelimo?
Devem ser considerados fundadores os Srs. Adelino Gwambe, Fanuel Mahluza, Calvino Mahlayeye, Uria Simango, Jaime Sigauke, Marcelino dos Santos, Paulo Gumane, David Mabunda, Mathew Mmole, Lawrence Millinga, Bendito Benedito Mapanje, Tangazi Marapande, Constâncio Diomba, Jaime Maurício Khamba, Samuli Diankali, Daúd Atupale, Filipe Magaia, Silvério Nungu, José Baltazar Chagonga, Evaristo José Gadaga, Chico Lourenço, Mzee Mutchekeche e outras pessoas que conceberam e lançaram a ideia de união, que participaram nas discussões e formulações estratégicas para a fusão dos três partidos que originaram a Frelimo.
Portanto, a sua fundação não deve ser atribuída só àqueles que assinaram o documento, confirmando o acordo de união, que são Hlomulo (por Adelino) Chitofo Gwambe, como presidente nacional, e Calvino Mahlayeye, como secretário-nacional do lado da Udenamo; Mathew Michinji Mmole, como presidente nacional e Lawrence Mallinga Millinga, como secretário administrativo do lado da Manu, senão a todos aqueles que puseram os primeiros e principais fundamentos para a edificação da união entre a Udenamo, a Manu e a Unami, das quais nasceu a Frelimo.
Ora Mondlane não pertenceu a este grupo de proeminentes nacionalistas moçambicanos nesta matéria de fundação da Frelimo.
Se os estatutos de Mondlane fossem adoptados no primeiro congresso, poderíamos considerar neste aspecto como um dos fundadores por trazer a ideologia, um dos pioneiros da revolução moçambicana.
Em Setembro, quando Mondlane aceitou oficialmente a sua nomeação para a presidência da Frelimo durante o I Congresso e com ela o programa de Gwambe, não o governo mas também os militares tanganicanos ficaram alarmados, porque Mondlane havia abandonado a sua estratégia de apaziguamento com Portugal. Pois eles lembravam-se ainda do ocorrido havia apenas alguns meses atrás: a aterragem em Dar-es-Salaam de um avião ligeiro pilotado por Jacinto Veloso com um oficial chamado Ferreira, sem que fosse detectado pela polícia de segurança tanganicana. Por isso, dezasseis meses depois da aprovação do programa de Gwambe pela Frelimo, houve uma tentativa de golpe de Estado, cujo fim era expulsar todos os refugiados do país por ameaçarem a sua segurança.
Para eles, Mondlane não tinha respeitado as modalidades da sua estadia no território hospedeiro. Mohamed Khan, que tinha sido chamado para Dar-es-Salaam uma semana depois daquele fracasso, Leo Milas, Filipe Magaia, Mariano Matsinha, Marcelino dos Santos e outros que passaram pelo Cairo, contaram-me esta mesma história.
Quando Mondlane e Uria Simango vieram ao Cairo para a Segunda Conferência de Alto Nível da OUA, repetiram a afirmação de que estivemos para ser expulsos da Tanzânia por causa do nosso militarismo.
Comentando esta crise, Mondlane disse: «Devemos agradecer muito à marinha inglesa... Sem ela, a nossa revolução estagnar-se-ia como a dos palestinianos e sul-africanos... Agora é muito tarde para retroceder... É muito impraticável»...
Portanto, se a afirmação do Sr. Simbine é correcta, segundo a qual «Nyerere deu um apoio incondicional com todos os riscos que daí podiam advir», era na condição de que Mondlane não se dedicaria a actividades militares perigosas para a nação tanzaniana, como aliás Mondlane defendia e prometia obter uma independência de Moçambique sem derramamento de sangue. Seria neste sentido que o entendimento estaria baseado, ó Sr. Simbine, já que também Nyerere era um dos maiores pacifistas.
A declaração da fundação da Frelimo foi feita e assinada em Winneba.
Esta não está escrita na declaração anexa neste livro porque os líderes dos dois partidos estiveram como hóspedes, fora do centro populacional moçambicano e fora dos seus escritórios permanentes, onde as conversações de união tiveram lugar.
Segundo Guidion Mahluza, a data da sua assinatura é 25 de Maio de 1962.
A data que figura no documento (25 June,1962) foi uma data acordada na qual as eleições para o conselho supremo deveriam realizar-se em Dar-esSalaam.
Este documento foi submetido ao presidente Kwame Nkrumah, do Gana, a Óscar Kambona, ministro dos Negócios Estrangeiros de governo provisório de Tanganica, e ao secretário-geral do Movimento Pan-Africano da África Central e Oriental, Peter Mbiu Koinange. Portanto, o documento não foi assinado no dia 25 de Junho por Gwambe em Dar-es-Salaam porque nessa altura ele tinha sido declarado persona non grata pelo governo tanganicano.
A Unami não figura no documento porque não tinha mandado delegado para a conferência de Freedom Fihgters, realizada em Maio. Mais tarde assinou um anexo concordando com a sua adesão à união. Infelizmente, não cheguei a obtê-lo.
In MEMÓRIAS DE UM REBELDE de António Disse Zengazenga(págs. 336/340)

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