quinta-feira, 9 de maio de 2013

Cinzentinho dos meus sonhos

Por Elisio Macamo
 
Eis, então, o último texto da minha reflexão sobre a nossa polícia. Acho que o seu conteúdo já não vai surpreender...



Não morro de amores pela polícia moçambicana, que isso fique claro. Nada, no País, é tão desagradável para mim quanto a forma como alguns agentes policiais lidam connosco como cidadãos. Nos velhos tempos dos blogues cheguei a escrever um texto a con...fessar o medo que eu tinha da polícia moçambicana. Recentemente, quando a polícia sul africana horrivelmente matou um moçambicano fiz uma intervenção numa discussão que exagerava o lado xenófobo da questão para recordar às pessoas que Mido Macie não tinha sido morto por ser moçambicano, mas sim que tinha sido vítima da actuação duma instituição que, em África dum modo geral, tem uma relação muito problemática com os cidadãos. Não passaram semanas e aconteceu o incidente de T3. Há, portanto, problemas graves com a nossa polícia que, num primeiro momento, dizem respeito a quem de direito, isto é às estruturas policiais, incluindo o Ministério do Interior, o Ministério da Justiça, a Procuradoria da República e tantas outras instâncias. O problema, conforme venho sugerindo, é da falta de respeito pelos cidadãos. Mas o que é que isto significa na prática? Para mim significa em primeiro lugar interpelarmos o nosso próprio sentido de cidadania e, a partir dele, vermos se a polícia que temos é fundamentalmente diferente de nós mesmos. Isto vai soar como uma tentativa vil de defender a polícia transferindo a responsabilidade para outros ombros. É, mas também não é.
Os artigos de jornal que andei a analisar aqui mostram uma coisa muito interessante. A nossa atitude – ou, pelo menos, a atitude do jornalista normal – não é necessariamente de repúdio à violência. Nós não condenamos a polícia pelo baleamento dum cidadão simplesmente porque isso não se faça. Não condenamos a violência contra a polícia de homens próximos da Renamo simplesmente porque violência seja má. A nossa condenação é feita, dum modo geral, a partir do princípio segundo o qual existiria uma violência legítima e que essa não se definiria necessariamente pelo monopólio detido pelo Estado, mas sim pelo objectivo político e ideológico que a motiva. O que eu quero dizer aqui é que faz falta um contexto normativo de rejeição da violência que seja independente das nossas inclinações políticas. Na verdade, este é um problema generalizado, mas convenientemente ignorado por muitos de nós. Não criticamos a corrupção só por ela ser má; criticamo-la por ser praticada pelas pessoas erradas. Não condenamos a arrogância do poder da Frelimo por limitar o diálogo; condenamo-la porque não somos nós a determinar a agenda desse diálogo recusado. Enfim, não torcemos o nariz perante a ostentação por ela ser vergonhosa num País com tanta pobreza e desigualidade; torcemos o nariz porque ainda não chegou a nossa vez. O que estou a dizer é que há uma moral dupla forte na nossa sociedade que impede a emergência dum espaço normativo partilhado – em graus diferentes – por todos nós e que definiria a nossa cidadania.
Nestas circunstâncias, a polícia moçambicana, quer a gente goste ou não, é no fundo um espelho limpinho do tipo de sociedade que somos. É como o “Chapa”. É como todo o funcionário público que faz sorna na repartição. É como todos nós, realmente, só que, prontos, o efeito da sua moçambicanidade é bem letal, tipo aquele pontapé (Ivone Soares) do “Transporter”. Não somos, evidentemente, todos assim da mesma maneira que os agentes policiais também não são todos assim. Mas não é preciso sermos todos assim para termos problemas. Basta um bom número. E no nosso País somos muitos que somos assim, a partir da forma como abordamos os nossos assuntos na esfera pública até como enfrentamos as nossas responsabilidades profissionais.
Nenhuma destas constatações explica os problemas da nossa polícia. Creio, contudo, que cada uma delas os contextualiza. Na verdade, é aqui onde vejo a relação com os meios. A falta de meios – que no passado se chamava de “insuficiências” – se tornou num mecanismo perverso de reprodução de tudo quanto de errado existe na nossa sociedade. A coisa funciona assim: a atitude profissional média de muitos de nós consiste em ajustar o desempenho à possibilidade de usar a falta de meios como desculpa para justificar o mau desempenho. Mas como todos temos consciência disto, o subterfúgio não funciona, aliás ele serve de base para exigirmos coisas impossíveis aos outros. Dito doutro modo, vivemos numa espiral impossível de expectativas que vicia o ambiente do debate e, por causa disso, dá destaque ao supérfluo em detrimento do essencial. As nossas discussões constroem um País irreal determinado por critérios de avaliação que pouco têm a ver com o País real, mas dos quais não podemos prescindir porque se o fizéssimos não tínhamos desculpa para a sorna, nem para a crítica à sorna. Somos um País curioso. Em todo o mundo, mesmo onde a polícia está dotada de meios técnicos adequados, há casos que ficam por resolver; em todo o mundo, mesmo onde se observa o Estado de Direito, há violações, inclusivamente violações sistemáticas, dos direitos dos cidadãos pela polícia. No nosso País não temos sensibilidade para isto porque a violência policial, perversamente, é bem vinda na medida em que nos permite rejeitar a desculpa da falta de meios para, à vontade, desfiarmos as nossas teorias de conspiração que nos dão conforto. Não temos emprego, somos mal tratados nos centros de saúde, o ensino é mau, os tribunais corruptos, etc., mas, felizmente, temos alguém a quem culpar. Pelo menos isso.
No fundo, a violência da nossa polícia – bem como a sua falta de respeito pelo cidadão – é mais efeito da forma como nós pensamos a nossa polícia do que propriamente da sua actuação. Já cometi infracções de trânsito e o agente da polícia de trânsito me deixou passar. Mas essa não é história que dê para contar várias vezes, sobretudo porque não lhe posso dizer na cara que se ele me deixou passar não foi por falta de meios! As outras histórias, quando ele insistiu nos 30%, essas dão para contar quantas vezes for necessário porque aqui tenho a resposta na ponta da língua se alguém se atrever a dizer que é pela exiguidade do salário. É o que digo: o nosso País é curioso.
O “Cinzentinho” dos meus sonhos é, na verdade, o moçambicano médio, esse ser humano que percorre o mundo com ar grave, sobrolho franzido, mas que se abre em sorriso franco e satisfeito logo que lhe surge uma oportunidade pela frente para dizer “qual falta de meios, qual quê!”. I LOVE PRM.
 
 
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  • Mitolas Chrineyka and 3 others like this.
  • Anisio Da Tuca Avional Afirmativo!,pois qando fala da policia ta particularzando,mas falando desrexpeito pelo cidadao,ext verifica se em muitx sectores!vixto k sao mesmos cidadaos k "alimentam"os mesmx.pa qem trabalhariam s nao exixtiss o cidadão?
  • Paulo Simbe Também sonho com a mesma policia. Uma reflexão de elogiar.

1 comentário:

Anónimo disse...

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