sexta-feira, 12 de abril de 2013

O gancho de Dhlakama

Por Fernando Lima

Contra as convicções e vaticínios de quase tudo e todos, Afonso Dhlakama renas-ceu para a política esta semana, nas fal-das verdejantes da Gorongoza, depois de não ter conseguido o mesmo no seu auto-exílio de Nampula. Mas para tal tiverem que morrer nove moçambicanos. Depois de Muxúnguè, o local fatídico no escalar de tensão entre a Renamo e o governo, Dhlaka-ma aparece na liderança da agenda política, su-balternizando o executivo e o seu chefe, e com um notável apoio de opinião pública, que não quer abrir mão do capital de esperança que fo-ram os 20 anos de paz alcançados.
 
O que o governo e os seus apoiantes ouviram no rescaldo de Muxúnguè, não foi a condenação da Renamo, mas um apelo veemente à paz e ao fim da violência. Em cima da mesa, estão de novos os pontos cru-ciais da Renamo: as eleições, a marginalização dos seus membros nas forças de defesa e segu-rança, a partidarização do Aparelho de Estado. Dhlakama sabe que não está a exigir o impossível. Instâncias várias, incluindo o Conselho Constitucional, confirmaram fraudes e ilícitos eleitorais ao longo dos vários pleitos nacionais.

À excepção do célere julgamento dos membros do MDM (Movimento Democrático de Moçambique), todos os outros casos permanecem no âm-bito da habitual apatia do judiciário, o que nos leva a partir para outro estágio de questionamen-tos, que têm a haver com a sua parcialidade e um
punhal nas costas da nossa imberbe democracia.
 
Na polícia e nos serviços de segurança, o modus operandi manteve-se praticamente inalterável desde o Acordo de Paz. É na polícia, precisa-mente, onde se concentra o maior poder de fogo e capacidade bélica do aparato de defesa e se-gurança do Estado. No exército, por via administrativa, os que por força do Acordo ali foram integrados, perderam praticamente expressão.
 
A partidarização compulsiva do Aparelho de Estado, sobretudo nos escalões mais elevados, das academias, a “infiltração” de organismos da sociedade civil pela Frelimo é o pão nosso de cada dia. Não são os argumentos legalistas ou as exposi-ções casuísticas que afastam o défice democrático pós-Roma, quando o contrário é que deveria ser a prática quotidiana: A construção de uma sociedade cada vez mais pluralista e inclusiva.

Em paralelo, os amnésicos dos anos 90, esque-ceram-se que também em 1979 se acreditou que com a independência à vista no Zimbabwe, a Renamo ia acabar. O equívoco repetiu-se em 1984, com Nkomati. Sabíamos à altura e sabe-mos melhor hoje, que as forças governamentais e não a Renamo estavam exangues em 1992. Mas 20 anos fazem esquecer muita coisa, mormen-te que os únicos vencedores em 1992 foram os moçambicanos que se conseguiram libertar do espectro da guerra.

Os mesmos amnésicos, os que nunca aceitaram que a Renamo também é parte do tecido social moçambicano, ansiavam por um momento de confrontação. Ansiavam por ver a FIR (Força de Intervenção Rápida) e os seus blindados a desbaratarem os “inergúmeros” da Renamo. Ao segundo “round” tudo correu mal para os falcões que já se esqueceram dos horrores do passado.
 
A questão de fundo não é o reinício da guerra, mas a eliminação de tensões e violências que vai tornar tudo mais difícil para todos os moçam-bicanos. A começar pelo “El Dorado” que ficará mais distante, se numa qualquer estrada ou loca-lidade mais ou menos anónima, pessoas e bens forem molestados em nome da intransigência e da arrogância.

Foi o crescendo de insensibilidade e arrogância que nos conduziu a Muxúngué e transformou Dhlakama no “croupier” do momento, subal-ternizando os poderes do dia, obrigando-os, in-cluindo o presidente Guebuza, a correr atrás do prejuízo. Como não vale a pena chorar sobre o leite derramado, é preciso arregaçar as mangas, por de lado as plumas machucadas e partir-se para o debate sério dos problemas que dividem os moçambi-canos.
 
Sem demagogia de paternidades democráticas auto-proclamadas, sem vitimizações oportunis-tas, sem galões de duvidosa legitimidade e bra-vatas de punhos sobre o peito. Façamos como no caminho das pedras que nos levou a Roma.

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