segunda-feira, 18 de março de 2013

“Não me retirei da militância, nem pretendo retirar-me”

“Não me retirei da militância, nem pretendo retirar-me”

Sergio_vieira_savanaSérgio Vieira dissipando equívocos sobre a sua saída dos órgãos sociais do partido Frelimo
Por Raul Senda e Emídio Beúla
Fotos de Naíta Ussene
O antigo governador do Banco de Moçambique, ministro da Agricultura e da Segurança e coronel na reserva, Sérgio Vieira, considera que a Frelimo, partido de que é membro há quase 50 anos, está a atrair oportunistas e carreiristas que desejam substituir a militância e o serviço do povo por carreirismo. Sempre com olhar crítico, Vieira fala do “espectáculo” que foi o X Congresso da Frelimo e, naturalmente, da febre dos recursos naturais que o país vive.
Embora tenha saído dos órgãos socais do partido, Vieira diz que não se retirou da militância, nem pretende se retirar. Acompanhe o seu pensamento, nesta entrevista ao SAVANA.
Em Setembro de 2012, no X Congresso de Pemba, Sérgio Vieira deixou de fazer parte dos órgãos sociais do partido Frelimo. Isso significa retirada da vida política?
Não me retirei da militância, nem pretendo me retirar; quero terminar os meus dias com o cartão de membro (número 31) e com as minhas quotas em dia.
Quase aos 72 anos de idade, entendo que diversas posições nos órgãos do partido e do Estado devem ser preenchidas por camaradas de outras gerações, a do 8 de Março sobretudo, com provas dadas na militância e na tarimba.
Sua militância política começa na década de 60. Como resume o seu percurso político na Frelimo?
Faço parte de um grupo de sobreviventes que no final dos anos cinquenta fazia algum trabalho clandestino, na Universidade em Portugal, na Casa dos Estudantes do Império. Outros aqui, no Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM) ou outras instituições. Em 1961, fugi de Portugal.
Um camarada de referência, o Marcelino dos Santos, orientou-nos, a mim e outros. Receávamos que em Moçambique se repetisse o triste cenário da luta fratricida que víamos em Angola. Marcelino orientou-nos para trabalharmos com Eduardo Mondlane. Em Janeiro de 1962, em Paris, eu, Fernando Ganhão, Almeida Matos, Elizabeth Sequeira com ele nos reunimos. Mocumbi e Chissano em Poitiers estavam em contacto connosco e com Mondlane.
Apoiámos Mondlane para que se efectivasse o projecto unitário do nacionalismo moçambicano, que se materializou a 25 de Junho de 1962.
Cumpri diversas tarefas, trabalhando com o Presidente Mondlane e o Presidente Samora, em especial.
Teve uma passagem pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM).
Como foi parar na universidade? Em 1986, pouco antes da tragédia, num Conselho de Ministros, Samora pediu que quem desejasse ver-se liberto das tarefas da governação, lhe desse uma carta. Assim o fiz.
Na sessão seguinte, a última que ele presidiu, se a memória não me falha, voltou-se para mim e disse: “Já sabia que querias fazer outras coisas, escrever, investigar, leccionar. Na primeira ocasião liberto-te”.
A morte de Samora Machel não frustrou seu desejo?
A tragédia de Mbuzini impediu-o de cumprir, mas em 1987 o Presidente Chissano permitiu que saísse.
Fiquei na UEM, no Centro de Estudos Africanos, e na Escola Central do Partido. Realizei seminários com estudantes, escrevi artigos, participei com colegas do país e de fora na elaboração de trabalhos, publiquei.
Mas depois volta à política activa como deputado da Assembleia da República, em 1994…
Em 1994, o primeiro-secretário de Tete, Aníbal Oliveira, e o então governador, Cadmiel Muthemba, vieram à minha casa e pediram-me que aceitasse a candidatura para deputado (pelo círculo eleitoral) de Tete. Aceitei.
Entretanto, e já em 2001, o Primeiro- Ministro, Pascoal Mocumbi, perguntou-me se aceitava dirigir o GPZ. Aceitei, mas na sequência e após haver servido como relator da bancada da Frelimo, dirigir e participar em comissões de trabalho da
Assembleia, ocupar posição na Comissão Permanente da Assembleia, havendo cumprido o mandato, por total incompatibilidade de tempo recusei renovar o mandato.
Hoje, militante de base e livre, ocupo-me da vida da minha família, filhos e netos e pequenos empreendimentos na produção agrícola.
Que balanço faz do X Congresso da Frelimo realizado em Setembro último?
Realizou-se. Poucas forças políticas se podem orgulhar de uma regularidade tão grande no funcionamento dos seus órgãos; dez congressos em cinquenta anos, incluindo nos tempos de guerra, é mesmo de destacar.
Parece-me que no X Congresso o número de delegados e o tempo reservado para as discussões entrou em contradição. Três minutos para uma intervenção, para questões muito sérias, foi mesmo o exercício do impossível. Fez-se espectáculo, mas não se discutiu para aprofundarmos ideias que conduzissem a um pensamento comum.
Por outro lado, o partido Frelimo também atrai oportunistas e carreiristas que desejam substituir a militância e o serviço do povo por carreirismo. O Presidente Guebuza denunciou o que apelidou de assalto à consciência do Partido.
Pagamos as limitações de quem está no poder e vale perante a sociedade.
O mel também atrai as moscas.
Sob proposta da bancada da Frelimo, decorrem pelo país debates públicos visando a busca de subsídios para a revisão da Constituição da República. Na sua opinião, acha que esta revisão é pertinente?
A revisão resultará das contribuições de uns e outros e do que se aprovar.
Por aquilo que até agora apreendi e aguardando o debate público, não estou muito seguro que ela se impusesse e levasse tantos anos, pois vejo e repito, até agora, muito pouco de substantivo.
Como é que avalia o ambiente político em Moçambique?
Demasiada fofoca e pouco debate real. Dezenas de partidos e zero de dezenas de programas alternativos, de reflexões emanadas dos partidos, nem sequer um oásis no deserto da incompetência.
O velho cacique que pretende haver inventado a democracia e se tornou eremita, apenas sabe proferir ameaças. Tornado órfão dos mentores da Inteligência Militar
Sul-Africana, abandonado devido à incompetência pelos patrocinadores saudosistas do colonialismo, funciona em roda livre.
Sobra uma outra organização recente, mas já surgem indícios de desagregação e abandonos (tão nova e já com dissidentes, incluindo um secretário-geral), que se pretende política e segundo os seus dissidentes congrega uma família e alguns apaniguados da mesma região.
Algumas chancelarias e serviços pretendem tutorá-la e financiam para se tornar uma terceira força.
Creio que o ambiente político carece de mais intervenção de todos, dos sindicatos às organizações sociais, dos estudiosos aos periodistas, do cidadão comum aos empresários.
Há que contribuir seriamente e da parte de todos para a afirmação da independência económica, para a coerência e consequência das políticas sectoriais e nacionais, para a elevação da qualidade da educação, para a resolução dos problemas sociais, urbanísticos, em resumo, arrancarmos para um desenvolvimento sustentável e não apenas dependente deste ou daquele recurso não renovável.
É dos poucos membros seniores do partido que aparece publicamente a criticar o actual modelo de exploração de recursos naturais. O que é que está a falhar?
Há um erro em muitos países e não excluo o nosso: Procurar desesperadamente o investidor estrangeiro.
Qualquer investidor sabe muito bem o que quer e como quer. O que compra um tchopela ou monta uma banca sabe o que deseja e como atingir.
Nacional ou estrangeiro, pequeno, médio, grande e mega, todos sabem o que querem.
Interessa sim, que nós mesmos africanos, moçambicanos, privados ou Estado, saibamos muito bem o que queremos e como, que parcerias pretendemos, que benefícios retiramos.
Um terreno não está cheio de pressa, se alguém e sobretudo de fora quer lá plantar quinhentos hectares de algodão, mil hectares de jatropha, dez mil de florestas, devemos perguntar o que queremos obter. Como vão beneficiar o país e a comunidade local, que vantagens para os nossos filhos e netos?
E o Governo continua a conceder isenções fiscais às multinacionais para atrair mais investimento estrangeiro…
Debatem-se as isenções fiscais. Ninguém sabe o que beneficia A ou B.
Dizem agora que os prazos e isenções nalguns casos até permitem que se esgotem os recursos antes de terminar o período do benefício. Não possuo dados para saber se estamos perante uma mera especulação ou realidade.
As multinacionais lamentam a falta de mão-de-obra moçambicana e as deficientes condições logísticas que o país oferece…
Aprendemos que a vitória organiza-se.
Para isso significa que deveria estar organizado para acompanhar a prospecção do carvão ou gás, formar atempadamente os meus quadros para acompanharem a prospecção, as foragens, subirem para uma plataforma no alto-mar e saberem controlar o que lá se passa e não apenas ir fazer uma passeata de helicóptero.
De outro modo a empresa X podenos sempre vender gato por lebre, e aprendi a pouco confiar na transparência das acções das transnacionais.
Todos os dias as empresas mineiras queixam-se da extrema dificuldade para o escoamento do carvão. Não prevíamos os montantes a escoar e para onde, sabendo as limitações muito grandes da Beira? Ignorávamos que ao se extrair o carvão se separa nas lavarias obrigatórias o carvão de queima do siderúrgico?
Porque à partida não conceber as linhas electrificadas nas centrais térmicas com o carvão de queima e dirigindo-se para Macusse e Nacala através do território nacional?
Como estamos organizados para enfrentar uma dessas calamidades, que meios para debelar a catástrofe, limpar a poluição no mar? Na minha terra natal onde desde sempre os ventos dominantes sopraram de jusante para montante, agora às poeiras tradicionais de Tete (jocosamente sempre dissemos que chuva de Tete era poeira), acrescentamos as poeiras das explosões e do carvão!
Suponho que existem ganhos para o país resultantes dos megaprojectos; a Autoridade Tributária já começou a impor pagamentos pela cedência de capitais das empresas mineradoras fora do país. Óptimo! Mas a Riversdale e a Rio Tinto pagaram uns bons milhares de milhões de dólares ao fisco australiano pela transacção e nós recebemos rigorosamente zero, antes da reacção da Autoridade Tributária.
Há um risco de os moçambicanos não beneficiarem dos seus recursos naturais?
Obviamente que se queremos progredir devemos explorar todos os nossos recursos. Isso trará ganhos para o país.
O primeiro recurso e o mais fundamental: saber fazer, trabalhar. Países como a Suíça, Bélgica, Dinamarca, Holanda possuem muito poucos recursos naturais, mas estão na ponta da riqueza.
A Suíça não produz cacau, mas o chocolate suíço é apreciado e vendido em todo o mundo. Quanto carvão e ferro o Japão produz? A sua indústria de automóveis está no topo mundial. Aqueles que nos Estados Unidos, Japão, Europa produzem pneus para o mundo, nas suas terras plantam seringueiras?
Os recursos naturais renováveis ou não só beneficiam efectivamente o país se nele se processam e não se vendem como simples matériasprimas.
No processamento está o valor acrescentado, o trabalho cada vez mais qualificado, a busca da inovação. Isto faz o desenvolvimento real e sustentável.
Em 2005, o Presidente Guebuza elegeu o combate à pobreza e à corrupção como pilares da sua governação.
Quase ao cabo de dois mandatos, sente que a pobreza e a corrupção reduziram no país?
Para quem circula pelo país, vilas e povoações e até cidades, para além das estatísticas, torna-se óbvio que muito mudou.
Na minha província, perto de mil escolas e postos médicos viram-se queimados pelo banditismo, professores e enfermeiros mortos. Hoje está tudo refeito e aumentaram as escolas e postos médicos. Quando criança, na minha terra apenas havia um único médico, a minha província com 104.000 Km2, claro que qualquer um sabia que Portugal inteiro lá caberia mais que uma vez. Hoje todos e cada distrito possuem pelo menos um médico. Nesse tempo só existia uma única escola primária oficial. Hoje existe uma dúzia de faculdades e institutos superiores, demais a meu ver, precisávamos mais escolas básicas e médias profissionalizantes.
A energia da HCB chega a vários distritos e povoações e basta ela chegar que se vêem até dezenas de antenas de TV, casas de alvenaria. Ainda miúdo, em toda a minha província apenas existia uma velha central térmica na capital e mais nada. O rendimento das pessoas aumentou significativamente nas áreas rurais, vê-se na roupa, nos sapatos, mesmo chinelos, nas casas já de blocos. Os engarrafamentos de viaturas não acontecem apenas em Maputo, algo pois mudou.
Há resultados tangíveis na luta contra a pobreza, claro que não estamos satisfeitos, mas devemos saber de onde viemos, medir o percurso feito e preparar a sequência. Estamos a superar quinhentos anos de colonialismo e perto de trinta das guerras de destruição levadas a cabo pelos sistemas racistas. Quando falamos de lutar contra a pobreza nunca podemos omitir esta realidade.
E quanto à corrupção, faz a mesma avaliação?
Corrupção há. Não existe um sistema com economia liberal ou com muitas empresas privadas que esteja imune. Nós estamos a importar os exemplos e os ensinamentos dos senhores que dão lições ao mundo.
Conhecem os escândalos das manipulações do LIBOR, das lavagens de dinheiro, da banca que vai abaixo, do imobiliário e as suas bolhas? Os golpes de estado levados a cabo no Congo, a guerra do Biafra? Lembram- se do escândalo da Lockheed e dos caças? As guerras e invasões para despejarem democracia do bojo dos bombardeiros e das cabeças dos mísseis e dos aviões sem piloto?
Qualquer pessoa decente em Moçambique, quem viveu e vive a tradição da Frelimo, sente-se enojado contra a pequena, média ou grande corrupção, as comissões infames pagas por baixo da mesa, os enriquecimentos ilícitos contra a lei e a moral. Enfrentamos, revoltados, esta realidade. Só posso dizer, lutemos contra ela, unamo-nos numa frente ampla contra a fossa da corrupção que destrói a nossa ética e o país.
Há lei, há que a aplicar implacavelmente, e como dizia Samora, quem tem bife na boca não fala; e quando os grandes se corrompem os pequenos seguem. O crocodilo aqui já cresceu e põe ovos!
Acredito que a Luta Continua e venceremos esta nova batalha pelo desenvolvimento, contra a ladroeira.
Em 2007, Moçambique congratulou- se com a reversão da Hidroeléctrica de Cahora Bassa. Cinco anos depois, sente que a “HCB é mesmo nossa”?
Uma batalha e bem longa terminada.
Há que refazer linhas e subestações, construir a Central Norte e outras barragens. Há que assegurar e vendermos a energia, matéria-prima, sob a forma de produto acabado, alumínio, químicos, não ficarmos a periferia de uma África do Sul industrializada.
A energia nesta fase do mundo leva à deslocalização de empresas e indústrias que dela carecem.
Esta é a nova batalha e vamos ganhar, faço parte dos optimistas e dos que confiam na força e vontade do povo, bem provadas nesta terra de heróis.
O que acha da cooperação Moçambique – China?
Iniciou em 1965, após a visita do Primeiro-Ministro Tchou En Lai a África. Assim se abriu o campo militar de treinos em Nachingweia com instrutores chineses e vários camaradas nossos foram treinar para Nanquim.
O Presidente Mondlane e Marcelino dos Santos visitaram a China anteriormente e lançaram as bases do trabalho.
A China mostra-se um dos nossos melhores parceiros e de muitos países. Que os nossos comerciantes busquem produtos rejeitados pelas fábricas nos controlos de qualidade e aqui vendam, faz parte da nossa responsabilidade e não da deles.
Há igualmente muitas campanhas contra os trabalhadores chineses.
Nunca dizem que eles trabalham por turnos e todos os dias, que são eficientes e cumpridores. Curiosamente reservam-lhes epítetos de agressivos, mas quando moçambicanos, sul-africanos, portugueses e outros se embebedem, fazem zaragatas, trabalham mal e manifestam desprezo por outras cores da pele e etnias, o que se escreve e se diz? Nas generalizações cai-se facilmente no racismo e xenofobia, por vezes de encomenda.
Resumindo, valorizo a relação multiforme com a China, sempre se mostrou excelente, pode haver algum defeito aqui e ali, mas sempre se corrigiu e o diálogo prevaleceu entre nós e creio prevalecer.
SAVANA – 15.03.2013

1 comentário:

Anónimo disse...

Ϻау I ѕimplу just ѕaу ωhat
a relief to fіnd a peгsοn that genuinely understаnds what they
are ԁiscussing online. You ԁеfinіtely realіze how to
bгing аn іssue tο lіght
anԁ maκe іt imρortant.

Moгe peoρle ought to loоκ аt this and undеrstand thiѕ ѕide of
the ѕtory. It's surprising you're not moге ρоpular sіncе уou ԁefіnitelу posѕess the gift.


Check οut my blog рost :: skin lightening products