quarta-feira, 27 de março de 2013

A vingança do Khossa





Amosse Macamo

A few seconds ago via Mobile · 


Nós fomos educados a ter medo do escuro, a temer a noite e a morte. O pior bandido da minha zona, anda num à vontade a noite que desarma qualquer suspeita. Não teme nem a Polícia, nem o dono da casa que ele assalta, não teme a sua própria morte, mas tem medo da morte alheia e, sobretudo, de fantasmas.
Quando o John Pífaro, temível bandido da minha zona, um dia arrancou um casaco de Leda (leather) a um transeunte, bastou que este pronunciasse que o artigo pertencia ao seu velho pai e que no leito da morte entregara-o pessoalmente como único bem a legar, o Pífaro, não só devolveu o casaco, como pediu desculpas seguido de um acto de lavagem de mãos minucioso para, segundo ele, tirar as marcas da morte nas suas mãos.
No velório de um amigo meu, vítima de acidente de viação causado por um motorista embriagado, dos cinco amigos da malta, apenas um teve a coragem de encarar o finado em missa de corpo presente sendo que o resto se esquivou para depois perguntar: como ele estava?
-estava a fumar um cigarro e a bater palmas pela excelente organização no enterro –rematava, como forma de cortar logo a conversa. Mas no fundo percebia os amigos que se recusavam a ver o finado. Eram, na verdade, as marcas da educação que tivemos na infância a virem ao de cima: fomos educados a temer a morte, a nunca encarar quem tenha passado desta para o outro lado.
Por isso que temos poucos médicos legistas e, destes poucos, sempre os taxamos com a ideia de que “não batem certo”. Temos poucos poetas, porque a maioria, quando se devia inspirar com a noite, esconde-se com medo que surja do nada um “Xitukulumukumba”.
Zarito, tal como a maioria, senão toda a rapaziada de geração dele no subúrbio, teme a morte. Treme sempre que se cruza com um enfermeiro, pior se é alto e claro: surge-lhe na mente a figura paterna, um renomado enfermeiro da minha zona, que matou até morrer, curando com sorte algumas vezes.
Zarito, um dia saiu de “nu com a mão na cabeça”, quando imaginou ter visto o pai no quintal da sua casa.
-mamanooo, mamanooo, mamanooooo, nifile minooo(morri minha mãe), gritava Zarito entre tropeços. Jurou evocando um Deus que nunca aceitou e acolheu no coração quando teve que tentar convencer a vizinhança de que vira o falecido pai a caminhar com seus próprios pés.
Khossa, tinha na memória este incidente, e lembrou-se também da vez em que Zarito fora assistir um filme na sua casa e depois da película não conseguia levantar-se para ir embora, mesmo que tarde. Descobrira Khossa, nessa noite, que Zarito tinha medo de encarar a rua escura sozinho, afinal, o filme que os dois estiveram a assistir era de terror e conta Khossa que a uma certa altura Zarito parou de beber cerveja e começou a transpirar.
A sensação de ver o Pai no quintal, acontecera um dia depois de ver o filme em casa do Khossa. Pensando, Khossa, deu conta de como se estavam a encaixar as peças, para poder se vingar do facto de o Zarito, lhe ter posto numa situação de acreditar que o morto que ele transportava no carro da funerária onde trabalhava, falara com ele.
Escuso-me de contar o susto que o Khossa teve porque, quem acompanha a novela dos dois, sabe qual foi o saldo do incidente que envolveu Khossa e o morto que transportava.
Khossa, foi ter com Aníbal, marhungana (alfaiate) da esquina, que ganhou fama e sustento para o seu lar, em apertar os fatos do Chico, funcionário bancário da minha zona, que insistia que seus fatos eram slim fit, mesmo quando as afinações não só lhe limitavam os movimentos, assim como a circulação de sangue e oxigénio que o corpo precisa.
Aníbal preparou uma bata branca, Khossa, para ter perfeição no seu plano, pediu ao Chineco, médico amigo, um estectocópio e falou com Alage, um maronga puro e segundo ele, "etnia em vias de extinção". O papel de Aníbal seria simples: ao sinal que Khossa daria, doutro lado da estrada, tinha de acender a lanterna na sua máxima projecção.
-dr, peço a sua lanterna, aquela lanterna bem forte, tenho de a usar esta noite, é por uma causa justa dr.
Dei-lhe a lanterna, informando-o que dispensava as justificações, o que é meu vizinho Khossa, é também seu e isso incluiu as suas lindas filhas.
-já é um mal menor as minhas filhas casarem com um doutor de leis, assim, não temos que discutir conceitos de violência física e psicológica, dizia Khossa cerrando os dentes como quem diz atreva-se.
No fundo, sentia até alívio quando eu lhe colocava estas questões, mas também percebia que ele me colocava um desafio: ou casas ou nada.
A noite veio, a madrugada caiu e o subúrbio adormeceu naquele sono desconfiado dos malandros que roubam de tudo um pouco. No silêncio da madruga, uma voz densa rasgou o silêncio do meu quarteirão.
Yoweee, yowee, nifile minoooo(socorro, já morri). No décimo quinto grito de desespero e com a voz rouca e roufenha, dei-me conta que era o Zarito aos prantos. Quando sai, já meio quarteirão estava fora para ver in loco o sucedido.
Zarito perdera a voz, mas tentava, com recurso a mímica e gestos, explicar o que sucedera. Ninguém conseguia perceber e nem o facto, de Zarito, estar com as cuecas arreiadas, com o preservativo pendurado no Zaritinho e mesmo assim não se importar.
Estava em transe. Quem nos ajudou a tentar perceber o que sucedera, foi a Xinavete, que mesmo corada de vergonha porque ficara óbvio que estavam a fazer no muro, disse-nos, que Zarito vira o pai.
Quando notei a ausência do Khossa e a sua aparição repentina e todo ele feliz com o sucedido, comecei a fazer o meu um mais um.
-doutor, deixa o malandro se estrebuchar-disse o Khossa, professor de profissão que trocara a docência pelo emprego como motorista na agência funerária. Diz khossa quando bem disposto, que quase todos os ministros passaram das suas mãos. Eu não desminto, isto porque para além da agudeza das suas análises, Khossa, domina os assuntos do país e como.
Conto-vos o que sucedeu: Khossa vestiu-se de enfermeiro e enquanto o Zarito satisfazia seus desejos lascivos no murro, Khossa surgiu do nada e quando o Zarito deu-se conta da figura pendurada no muro, entrou oi Alage, o maronga, que acendeu a lanterna no máximo direito aos olhos do Zarito.
Escuso-me de dizer que a luz forte quase o cegou, passando a ver com dificuldades e por isso, com a visão limitada para poder determinar com a exactidão se era ou não o pai pendurado no muro.
Ante a dúvida, Zarito cedeu e pior quando o pai dirigiu-se a ele.
Zarito blat ful(corruptela de blod fool), loku ungayi uya kombela rhivalelo ka khossa, viki litaku nitavuya nitaku teka(Zarito seu tolo, se não fores te desculpar com o Khossa, próxima semana venho te buscar).
Quando Zarito, viu o Khossa no meio da multidão, atirou-se aos seus pés, pedindo, numa posição de súplica jamais vista, pelo perdão por tudo que o fizera de mal.
Volto meus caros, para vos contar o resto.


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