quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O Virar da página: Da paz aparente à morte que semeou o vendaval

 
Viver-se-ia, então, uma aparente paz durante as semanas que se seguiram a expulsão de
Nkavandame pelo Comité Executivo.
Até que a morte do presidente veio a semear o vendaval final. Mas antes, nos fins de Janeiro de 1969, consolidada que estava a vitória da batalha iniciada em M’twara contra Nkavandame, Gwengere e os numerosos grupos de combatentes que os apoiavam, Mondlane estava apostado a lavar sua imagem perante seu parceiro e camarada na
presidência.
- “Mondlane já estava disposto a mudar tudo. Já falava de moçambicanos do Rovuma ao Maputo olhando de facto para o mapa de Moçambique. Trabalhou discretamente para não espantar os seus camaradas (da ala regionalista do sul e aliados) que já estranhavam os constantes contactos do presidente com Uria Simango.
Procurando pôr cobro às atrocidades programadas do
Departamento de Defesa, razão principal que enfurecia Simango e muitos, o presidente ensaia, então, uma forma de desfazer-se da ala regionalista do sul e afastar Machel da chefia do Departamento da Defesa substituindo-o por Raul Ribeiro, então Comissário Político Nacional e número dois na hierarquia do Departamento de Defesa. A medida estendia-se até ao desmantelamento da sede provisória da Frelimo em Dar es-Salam,
passando esta a funcionar no campo político-militar de Nachingwea com a presença física e permanente naquele local da dupla da presidência, ficando Dar es-Salam apenas com uma pequena representação protocolar para assuntos pontuais. Para o efeito, e de acordo com Z. Maurício, terá sido nos finais da primeira quinzena de Janeiro de 1969 que Mondlane procurou, para desagrado da maioria dos membros da ala regionalista e aliados, aproximar-se do Reverendo Simango para ele discutir as medidas que pretendia tomar”. De recordar que já antes, em 1964, Mondlane andava insatisfeito com Marcelino dos Santos. Numa carta a Janet Mondlane datada de Agosto daquele ano, o presidente da Frelimo manifestava o interesse em afastar Marcelino dos Santos do cargo de secretário da organização no interior, deixando-o apenas com o de secretário das relações exteriores. Todavia, os olhos de Mondlane, removido que foi do cargo, Marcelino não se emendava. Em 1967, o presidente havia-se apercebido de que o Marcelino dos Santos era profundamente pró-comunista e homem moldado para jogar nos bastidores. A sua manutenção na chefia do Departamento das Relações Exteriores, trazia-lhe alguns dissabores dadas as constantes viagens e contactos que o cargo lhe proporcionava.
Desse modo, afastou-o também desse, passando o vice-presidente Uria Simango a ficar à testa do referido departamento coadjuvado por Miguel Murupa, A decisão de se afastar Marcelino dos Santos, como diria na altura Simango, visava reduzir o espaço de manobras comunistas na organização.
Mas Simango era ele mesmo pró-comunista. Embora aceitasse o pluralismo de ideias, o homem agia às vezes como Mao Tsé Tung. Lia muito Mao Tsé Tung, e quando fosse para o interior, sobretudo no Niassa onde faz muito frio, usava indumentária à Mão Tsé Tung. Punha um sobretudo por cima do fardamento e um boné característico.
Penso que Mondlane enganou-se ao julgar apenas Marcelino como comunista. Para mim, a diferença entre Marcelino e Simango, quanto a ideologia, era apenas que um era comunista radical, do género de Staline, e outro, moderando”.
Mas, para além do problema ideológico, um outro problema se levantava, preocupando sobremaneira alguns dirigentes da Frelimo. Nos últimos anos da sua vida, Mondlane via Marcelino dos Santos um homem que promovia nos bastidores diplomáticos um outro tipo de mal estar. Segundo ainda testemunhas, Marcelino e alguns do grupo dos aliados não se cansavam de propalar no estrangeiro que ele (Marcelino) e o grupo dos moçambicanos de origem asiática e europeia eram os que asseguravam a Frelimo, pois, os outros, eram
maioritariamente semi-analfabetos e incompetentes. Perante os círculos diplomáticos, Marcelino era igualmente acusado de estar a minar a imagem do presidente e do vice-presidente por ambos não terem pertencido a escola da internacional Comunista.
De modo que, até a morte de Eduardo Mondlane, a situação de Marcelino dos Santos no interior da Frelimo estava pouco indefinida. Acantonado num cosmético Departamento Político entretanto se criara e “aparentemente” Marcelino passara a chefiar, o homem, aborrecido com indefinição da sua situação e com as excessivas obrigações e patéticas subordinações que novo cargo sujeitava, aborrecia-se ainda mais sempre que lembrava situação de alguns dos seus amigos que, sob pressão de vários membros da Frelimo, no auge dos conflitos de Maio de 1968, se viram forçados a abandonar o território tanzaniano.
Portanto, como se dizia acima, a partir de 3 de Janeiro de 1969 – data em que Mondlane endereça uma carta/expulsão à Nkavandame – o par da presidência passou a colaborar de forma estranha aos olhos de alguns membros da ala regionalista do sul e aliados.
Nos últimos dias de Janeiro, Mondlane e Simango ausentaram-se de Dar es-Salam para algumas capitais africanas, deixando para o regresso a remodelação que se pretendia fazer nas esferas decisivas do movimento. Todavia, Mondlane não iria a tempo de pôr em prática o seu plano de purga. Morreria vítima de uma bomba armadilhada num livro nos principio de Fevereiro de 1969.
Este facto, ditaria uma dança macabra no interior da Frelimo que importa acompanhar.
A luta pela sobrevivência: “Kremlin” impõe os ditames da sua escola
A morte de Mondlane ocorre um dia depois do seu regresso de uma viagem e três depois do regresso de Uria Simango à Dar es-Salam. Ao regressar na sexta-feira dia 31 de Janeiro, Uria Simango procura inteirar-se do desenvolvimento das coisas no terreno. A 1 de Fevereiro, dirige-se ao escritório/sede do movimento onde, entre várias coisas, manuseia a correspondência chegada na sua ausência e na ausência do seu parceiro Eduardo Mondlane. De entre a correspondência estava um livro, de uma série de cinco volumes da obra de Georgy Plekhanov, que mataria Mondlane.
Segundo informações da polícia tanzaniana, Simango não caiu vítima desta bomba apenas por sorte, pois, por curiosidade, desfez a sua cobertura para ver do que se tratava. Ao reparar que se tratava de um livro escrito em Francês, (língua que não dominava) tornou a cobri-lo e empilhou-o junto a outra correspondência dirigida à Eduardo
Mondlane. Na manhã da segunda-feira dia três de Fevereiro, Mondlane recebeu a sua correspondência das mãos de uma funcionária da Frelimo e dirigiu-se Oyster Bay onde morreria cerca das 9:00 horas na casa da americana Betty King.
Feito todos os trâmites para exéquias fúnebres do presidente no dia 6 de Fevereiro, Simango encabeça com dignidade toda cerimónia. No seu semblante, bem como no dos seus companheiros, estava patente a dor pela perda dum camarada que, embora nos
últimos anos da sua vida colidisse em termos de procedimentos, nunca pensou na sua morte como a solução dos problemas que o movimento enfrentava.
Na altura, como escrevia um jornalista Francês, ninguém acusou ninguém. Os resultados das investigações tanto da polícia tanzaniana como da Interpol e da Soctland Yard, ilibariam Simango de qualquer envolvimento no crime. Contra todas as expectativas, as
autoridades tanzanianas, imediatamente detiveram para averiguações Marcelino dos Santos e sua esposa Pamela dos Santos. Seguir-se-iam, horas depois, as detenções de Joaquim Chissano, Raimundo Simango e Betty King. Mas, mais tarde, a Frelimo de Machel e a de dos Santos, na procura de espaço de sobrevivência, encetaria uma campanha denegrindo a imagem do Reverendo Simango, indo ao ponto de menciona-lo como o suspeito principal na morte de Mondlane. A acusação, feita em moldes caluniosos e de forma discreta junto a algumas personalidades políticas tanzanianas e combatentes em Nachingweia e no interior de Moçambique, viria a estender-se a Silvério Nungu (pessoa a quem nem se quer a polícia tanzaniana chegou a deter no acto da investigação) e a Leo Milas, então a viver na Etiópia.
“A casa da Betty king em Oyester Bay era uma casa/restaurante com cerca
de doze empregados. Era o local onde o presidente Mondlane passava seus
momentos de laser em convívios com amigos. Curiosamente, o local que normalmente estava movimentado por causa do restaurante, na hora da morte de Mondlane estava deserto.
Nem Betty king, nem a maioria dos empregados estavam presentes.
Apenas estava lá o cozinheiro que serviu um chá a Mondlane e de seguida se retirou. Sei disso porque uma vez e outra eu ia lá levar recados. Depois da
explosão da bomba, de todos na Frelimo, fui a única pessoa que a polícia tanzaniana levou ao local do crime para identificar o corpo e ajudar na sua
remoção”- Raimundo Simango.
Quanto à tentativa de ligar Simango no conluio contra Mondlane, o que é curioso, como diria mais tarde Lutero Simango, filho do Reverendo Uria Simango, “não faz sentido consumar o assassinato de um líder para depois não assumir o Poder”.
De facto, não deixa de ser caricato que um indivíduo com coragem para destronar violentamente o que imediatamente está acima dele, e ciente de que por essa via
toma o poder almejado (tanto é que, para o caso de Simango, todos sabiam que era o
substituto imediato de Mondlane) não encontre coragem de matar aqueles que tentarão impedi-lo de assumir esse poder.
Para além de que tudo indicava que Simango não estava envolvido na morte do seu colega, os dados posteriores indicaram, duas semanas depois, que os assassinos de
Mondlane tinham a intenção de decepar toda a direcção da Frelimo. Com efeito, a 11 de Fevereiro, Simango recebeu também, através dos correios de Nachingweia, uma
encomenda-bomba que novamente não o liquidaria pelo facto de, a partir do fatídico dia 3 de Fevereiro, todos terem passado a desconfiar e estranhar encomendas volumosas vindas de pessoas que mal conheciam. Informadas sobre a estranha encomenda, a 17 de Fevereiro, as autoridades policiais tanzanianas desactivaram secretamente o engenho.
Extraído do Livro “Uria Simango, Um homem, uma Causa”, da autoria de Barnabé Lucas Ncomo.

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