terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Cimeira ou mini-cimeira da SADC em Maputo simbólica ou algo mais?

Canal de Opinião
Por: Noé Nhantumbo
República Democrática do Congo no centro do furação
 
Dentre 15 só três presidentes presentes dos quais, Kabila da RDC, Jakaya Kikwete da Tanzânia e Armando Guebuza o anfitrião…
Beira (Canalmoz) - Urgência ou negação discreta de uma agenda? Muito vai ser dito sobre a quase ausência de convidados à Cimeira Extraordinária da SADC de Maputo.
A direcção das opiniões vai ser algo tão diverso como diversas são as opiniões existentes nos variados quadrantes da política africana, regional e internacional.
Não é incomum haver uma cimeira internacional, em que algum chefe de estado de país particular não atenda, por razões de agenda ou assuntos nacionais inadiáveis e de suma importância.
Mas no caso da recente cimeira extraordinária da SADC em Maputo, numa altura em o PR moçambicano é o presidente em exercício da SADC, algumas ausências merecem esclarecimento pois não se pode compreender nem aceitar para que assuntos tão importantes 12 chefes de estado não se façam presentes.
Mas participar numa cimeira regional é opção dos convidados para o efeito e quanto a isso estamos falados.
Uma SADC que aparentemente já decidiu pela intervenção militar segundo diz o Secretario Executivo da mesma, deve ter parte de seus membros em desacordo com tal decisão se tivermos que concluir alguma coisa sobre as ausências de vulto em Maputo.
Atendendo que existe uma crise humanitária de grande dimensão na RDC, multiplicação de grupos rebeldes e acções militares, um governo central desprovido daquela pujança e estrutura que denote capacidade de agir e resolver seus próprios problemas, a SADC quer se colocar na posição de protagonista naquele país? Tal exercício, executado por antigos membros da Linha da Frente, Angola, Zimbabwe, e Namíbia já foi tentado, mas os resultados foram efémeros. Kabila manteve o poder em Kinshasa mas logo em seguida uma franja importante do território congolês foi engolida pela cobiça de milícias, membros de Exército de Kinshasa e parceiros internacionais como o Ruanda e o Uganda segundo evidencias reunidas pela ONU. A parte da RDC de onde provem minerais considerados estratégicos pela indústria internacional está nas mãos de todos, menos do governo de Kabila. Estranhamente há coltan sendo exportado para o mercado internacionalmesmo sabendo-se que o Ruanda não possui minas conhecidas daquele mineral indispensável para fabricar Ipod’s, Ipad’s e simples telefones celulares da velha geração.
Convenhamos que o actual presidente em exercício da SADC, Armando Guebuza quer lidar comum assunto que alguns diriam, ”é muita areia para o camião dele”.
A questão da RDC remonta aos seus tempos de Zaire, sob domínio de uma marionete de chancelarias ocidentais específicas como Bruxelas e Washington, hoje defunta que se chamava Mobutu Sesse Sekou.
Se hoje há tutsis da RDC e do Ruanda, desde aqueles dias, que tanto a antiga potência colonizadora, Bélgica, como depois o governo do Zaire independente se preocuparam em encontrar caminhos de integração, tolerância e convivência pacifica no quadro de um ordenamento territorial novo devido as fronteiras políticas herdadas do sistema colonial.
Numa estratégia completamente voltada para o controlo dos recursos minerais daquele país que deve ser a maior reserva conhecida de alguns deles como o cobalto e o urânio mas possuindo também tântalo, ouro, diamantes, petróleo, cobre, madeira, solo arável fértil, a Bélgica não tem largado os assuntos internos daquela sua antiga colónia.
A RDC deve ser um dos mais claros exemplos claro do que significa neocolonialismo. A dominação económica foi sempre algo intrinsecamente congolês. A Bélgica pequeno país da Europa, desprovido de recursos naturais, mas com uma população altamente educada precisa umbilicalmente da RDC para a existência nos moldes actuais.
Quando no passado a Bélgica se tornou incapaz de manter a sua influencia na RDC e no contexto da guerra-fria que se vivia e se desenrolava, os EUA tomaram o seu lugar através da CIA como está documentado. Henry Kissinger ainda vivo deve ter um manancial de informação sobre as manobras de manipulação e assassinatos políticos no Zaire. O tipo de confrontação entre interesses americanos e russo naqueles anos era de tal forma que pouco interessavam os meios utilizados pelas superpotências e seus lacaios no terreno. Lumumba sucumbiu no quadro dessa confrontação e Mobutu cumpriu na íntegra o que lhe instruíam. O alastramento dos movimentos de libertação de inspiração marxista para territórios sob dominação portuguesa significava que a URSS estava ganhando terreno o que deveria ser travado por qualquer meio.
Mas hoje quem está ganhando terreno e quais as forças que se estão confrontando na RDC? Quem quer tomar o controlo dos recursos minerais congoleses? Quem está fazendo a guerra dos outros?
O aparente alinhamento entre os governos provenientes de guerrilhas marxistas na questão da RDC preocupa na medida em que coloca em relevo opções militarizadas insustentáveis. Tais governos sem uma injecção considerável de meios e equipamentos militares, assistência técnica militar, fundos para pagamento dos militares, por si não tem a capacidade de constituir uma ampla fonte de apoio ao regime de Kabila. Este regime é contestado por vários congoleses sob acusação de que Kabila usurpou o poder por via da manipulação e fraude engendrada e apoiada por certos interesses internacionais. Há muito a perder o poder em Kinshasa mudar de mãos e isso é um facto que não se pode ignorar.
Se houver um recrudescimento de acções militares, Kabila sem apoio externo acabará por sucumbir. Isso é um dado adquirido para todos os interlocutores.
Será que a SADC ou uma parte dela, tem capacidade de apoiar Kinshasa em toda a linha?
A maior força de paz da ONU no mundo está na RDC. Com recursos militares de ponta, soldados, cadeia de comando e autorização do Conselho de Segurança da ONU e como se sabe, este contingente ainda conseguiu estabilizar a RDC.
Uma SADC dividida politicamente, com países como o Botswana, Zâmbia, Maurícias, Swazilândia, Malawi tendendo a não alinhar pelo diapasão daqueles países como Angola, Moçambique, Zimbabwe, Tanzânia aliados dos tempos das lutas de libertação nacional, oferece uma imagem de organização sem aquele grau de consenso que seria necessário para alavancar uma intervenção militar na RDC, em socorro do governo de Kabila.
Como se pode interpretar a ausência dos pesos pesados da SADC na reunião designada de cimeira em Maputo. Jacob Zuma, Eduardo dos Santos não tiveram tempo para ir a Maputo? Os outros chefes de estado “gazetaram” porque estavam muito ocupados em seus países ou simplesmente tinham uma agenda diferente mais importante segundo seu ponto de vista? Haverá realmente concordância em ver repetido uma intervenção militar como aquela em que Namíbia, Zimbabwe e Angola enviaram tropas para socorrer o regime de Kinshasa?
A reunião de Maputo da SADC é importante se for capaz de trazer os congoleses desavindos para a mesa de conversações. É difícil de prever que uma força conjunta de alguns países da SADC possa limpar a RDC de rebeldes militarizados. Não há recursos financeiros nem capacidade militar efectiva para travar a rebelião na RDC, se isto for tentado, porque a maioria dos países membros se encontrarem orçamentalmente exauridos.
Então porque mais uma reunião se países como o Ruanda e o Uganda, militarmente potentes e próximos de alguns dos rebeldes na RDC não são convidados? A persistência pela opção militar tem riscos que poderão não estar merecendo a devida atenção.
Quem se lembra que foi a opção militar de Cartum que empurrou os sudaneses do Sul para a secessão? Quem garante que não haja uma estratégia concertada entre tutsis ruandeses e os tutsis congoleses? Não haveria interesse do Ruanda em apoiar uma rebelião que provocasse uma fractura geográfica na RDC, tornando a sua parte oriental, especialmente os lugares reconhecidamente ricos em minerais em mais uma província ruandesa?
Em política e na relação entre os países todos os cenários devem ser equacionados.
Não é já tempo para o conjunto dos países da SAD acordarem para a realidade política e económica mundial, fortalecerem-se como grupo regional à margem dos interesses geopolíticos e estratégicos de potências e aspirantes a potências?
Se a RDC é o centro do furacão pelas suas cobiçadas reservas minerais então porque não se olha para o assunto com alguma maturidade?
Não estarão determinados países encontrando quem faça as suas guerras?
A China encoberta por razões económicas não estará empurrando seus aliados por conveniência para a protecção de uma zona económica fundamental para as suas aspirações de potência mundial de topo? Seu desenvolvimento económico continuado precisa e depende de matérias-primas que abundam no leste da RDC. As armas que os beligerantes necessitam têm sido encaminhadas para a região a coberto de uma movimentação que passa por países como a Tanzânia, Zimbabwe, Angola. O ocidente tem a plena consciência de que é vital assegurar que a RDC não saia da sua esfera de influência.
Se aparentemente o Ruanda e o Uganda cometeram erros de percurso na estratégia e Washington e Bruxelas isso não significa que este dois países possam ser dispensados do seu papel de contrapeso na região. Como ontem, as decisões serão tomadas no sentido de proteger aqueles que são os grandes interesses estratégicos previamente delineados.
É e será pelos tempos mais próximos a continuação da guerra-fria com cariz diferentes, em que a URSS é substituída por uma China ávida em matérias-primas. Com alguma influência no Sudão e servindo de banqueira para muitos países de África, Pequim faz contas a curto prazo. Quer os recursos minerais hoje e para isso não se importa de gastar numa diplomacia económica que não olha para o que o ocidente chama de linkage entre Democracia e Direitos Humanos.
A cimeira extraordinária da SADC em Maputo foi um oportunidade de tornar a questão da RDC mais visível mas sem uma intervenção mais alargada de todos os interessados, sem uma revisita ao passado histórico e uma capacidade de engajar os diversos interesses tudo estará condenado a um fracasso precoce.
As hesitações que se observam ao nível das potências, o silêncio de Bruxelas e de Washington são consentâneos com sua estratégia. Se Pequim nem fala sobre o dossier RDC é porque acredita que isso é de seu interesse. Enquanto houver outros que façam aquilo que garanta os seus interesses no terreno não veremos nenhuma intervenção estrangeira de vulto.
Não teremos uma intervenção ao estilo do Mali enquanto não houver um consenso entre as potências adstritas ao conflito na RDC.
E quanto a SADC, seu Secretário-Executivo, Tomás Salomão, diz que após a cimeira de Maputo, haverá a elaboração de um relatório para o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon. Então fica claro todo o caminho pós cimeira. Teremos no fim, um Conselho de Segurança da ONU em que pontificam a França e os EUA tendo o poder de vetar qualquer acção que não seja de seu interesse.
Esta é a triste realidade que nem a boa vontade dos antigos membros da “ Linha da Frente” poderão contrariar. Podem enviar tropas como o fizeram no passado mas nisso terão resposta rápida do Ruanda e do Uganda que até já parece que estão no terreno… (Noé Nhantumbo)

Sem comentários: