sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O jornalismo do tacho

EDITORIAL:

Tem vindo a lume, nos últimos dias, a notícia do insucesso da greve dos médicos. Não sabemos se há algum fundamento nestas notícias veiculadas por órgãos públicos e analistas do regime, mas desconfiamos que não, até porque é prematuro falar do que quer que seja em relação à greve antes de se saber quais são e serão os seus reais impactos. O número de mortos que resultou da greve será guardado a sete chaves e apenas em Abril saberemos, mesmo que não nos digam, se o salário estará perto do exigido.
Na verdade, o insucesso da greve dos médicos já tinha sido profetizado pelos apóstolos da graxa. Só que da profecia à realidade, quando esta nasce das lentes turvas dos nossos “analistas” políticos, mora um abismo monumental. Diante, portanto, da impossibilidade de ver realizada a bendita profecia os sisentinhos da auto-estima passaram a relatar veemente o fracasso da greve. Gritavam feito loucos que “o serviço nacional de saúde” estava a funcionar muito bem, como se alguma vez o tivessem feito.
O conteúdo do e-mail tornado público pelo jornalista Lázaro Mabunda, segundo o qual os textos da Agência de Informação de Moçambique em relação à greve dos médicos tinham de ser aprovados pela assessora do Primeiro- -Ministro, diz muito do tipo de órgãos de informação que o país possui e do carácter dos responsáveis desses mesmos órgãos.
Este e-mail veio deixar claro que as notícias são escritas de um modo absolutamente especulativo e tendo como fundamento o facto de que as urgências continuam a funcionar. Na verdade, este é um “equívoco” propositado, o de avaliar a greve em função do funcionamento das urgências pois, desde o início, a AMM revelou que a mesma não englobava sectores.
Ou seja, não abrangeria os serviços sensíveis como urgências, pediatria e ginecologia... Porém, há quem quis, para salvaguardar o tacho, escamotear esta verdade e assim ridicularizar a luta de uma classe que clamava pelos seus direitos.
Infelizmente, esta é uma cartilha seguida por vários órgãos de informação alinhados que, na urgência de produzir novidades jornalísticas e desanimar os médicos, foi transformada em notícia. O que é cobarde e constitui um atentado intelectual é que este tipo de notícia condiciona opiniões e cola rótulos que, a maior parte dos leitores, por não ter convicções fortes, aceita facilmente.
O caso da referida agência de informação e a promiscuidade do seu dirigente não é certamente o mais grave, mas é um exemplo perfeito de como, às vezes, uma opinião aparentemente inocente tem um lado criminoso.
Toda a pessoa de bom senso deve ser alertada para este tipo de coisas. Porque a diferença entre uma opinião sensacionalista e uma opinião informada é, muitas vezes, uma coisa ténue.
Publicar uma notícia com este grau de irregularidade, ainda por cima eivada de preconceitos e claramente tendenciosa (referindo-se por exemplo com desdém ao líder da Associação Médica de Moçambique para salvaguardar viagens com o Chefe de Estado), é algo que condiciona fortemente quem lê e não tem espírito crítico para contestar o que lê.
Este tipo de acção constitui, na verdade, um atentado intelectual e é uma das mais perigosas consequências do poder do Estado sobre os órgãos de informação alinhados. Assim se constroem mitos e se manipulam verdades. Assim se inflacionam ideias e se conquistam simpatias.
É por causa de coisas como estas que as opiniões erradas abundam na praça pública. Não criar condições para uma educação de qualidade é um dos trunfos para manter o povo sem espírito crítico e assim continuar a escrever e a difundir atrocidades como estas. Lamentavelmente, claro. Ainda que tudo isto, a avaliar pela “vitória dos médicos, tenha dias contados.
O poder sempre foi um castelo de areia. Só precisa, como tudo, de um pouco mais de vento.
@VERDADE – 17.01.2013

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